Se para alguns empreender é um sonho, para outros, começar o próprio negócio é uma resposta dada às circunstâncias que fogem do nosso controle. Foi com a perda do emprego no comércio que Josiane Marcante da Silva decidiu criar a própria fonte de renda. A notícia da demissão veio justo no Dia da Mentira, em 1º de abril — data que também marcou os 10 anos de falecimento do pai da empreendedora. Em meio ao desespero, uma ideia que partiu da filha Ainhoa, de nove anos:
— 'Pensa, mãe, não fica triste. Tu sabe cozinhar muita coisa gostosa. Vamos vender!' — relembra Josiane, replicando as palavras da filha.
Primeiro, a ex-vendedora, que ganhou experiência como chef quando morou na Espanha, comprou uma máquina para fazer massas. Depois, ela entrou para o Guia das Gurias, projeto que fomenta negócios criados por mães em Caxias do Sul durante a pandemia. Assim, Josiane começou a comercializar e entregar os produtos para um dos moradores de um condomínio na cidade. A fama foi aumentando com os comentários dos vizinhos: "que pizzas bonitas", "não podia vir vender aqui?". No final de semana seguinte, ela estava lá com uma caixa de isopor e cinco pizzas para vender. E vendeu tudo, em questão de cinco minutos.
O comércio entre moradores do condomínio já acontecia bem antes, segundo uma das residentes, que prefere não se identificar. Mas as medidas de controle do vírus, que obrigaram grande parte da população a ficar em casa, movimentaram ainda mais as vendas:
— Bombou na pandemia. Tem quem venda Mary Kay, tem quem venda Natura, vizinhos que fazem pão... É um mercadão.
Em meados de maio, Josiane adaptou o registro de Microempreendedor Individual (MEI), aberto na área de construção pelo ex-marido e hoje sócio, Antonio Gonzalez Salina, e oficializou a criação da La Bambina. O nome é em homenagem à pequena Ainhoa, que faz um baita sucesso, inclusive, nos vídeos de divulgação que circulam no grupo de WhatsApp dos moradores. Com um cardápio que reúne massas, carnes, molhos e pizzas, o negócio da família se mantém vendendo só para os clientes do prédio. A banquinha é montada às terças e sextas-feiras, das 18h às 20h, em frente ao estacionamento de visitantes.
— Foi um baque muito forte, tu perde a estabilidade, mas tem que reavaliar se isso era pra ti. Minha filha sempre diz 'olha o lado positivo. Agora tu fica comigo, tu não anda tão estressada...' Financeiramente, me abalou bastante, mas mentalizei para seguir em frente. Os caminhos foram nos levando para onde a gente consegue subsistir hoje — reflete a criadora da La Bambina.
Josiane está entre os 33.440 MEI's registrados hoje em Caxias do Sul, segundo dados da Receita Federal (leia mais ao final da matéria). Só entre 11 de março (dia dado como o início da pandemia pela Organização Mundial da Saúde) e a última quinta-feira (10), foram 5.775 aberturas no município. No Brasil, é aproximadamente 1,49 milhão de novos microempreendedores no período, de acordo com o Portal do Empreendedor. Nesse cenário, os segmentos de maior destaque, conforme uma pesquisa do Sebrae, são compras online, setor farmacêutico, delivery, supermercados e marmitas.
— Tivemos um grande aumento no vestuário, na promoção de vendas como um todo e, terceiro, na alimentação fora do lar, como nos aplicativos, entrega de porta em porta e produtos hortifrúti. Esse é um item que evoluiu fantasticamente de forma digital. Não que se criaram novas plataformas para hospedar as empresas, mas as empresas que foram criadas entraram em plataformas já existentes para fornecer alimentação para as pessoas. É um ramo que veio para ficar, cresceu muito e segue em crescimento — analisa Cesar Maurício Samuel do Nascimento, gerente regional do Sebrae na Serra.
É o caso do Família Forte Hortifruti Delivery, criado no início de setembro em Caxias. O serviço vende, exclusivamente por WhatsApp, cestas com produtos hortifrúti em dois tamanhos aproximados: de 6kg e de 3kg. A entrega é feita na porta da casa do cliente toda quarta-feira.
— A ideia surgiu a partir de um amigo, que tem um mercado em Porto Alegre e estava sempre envolvido com o Ceasa e com hortifrútis. Ele pensou ainda no final do ano passado e a pandemia impulsionou isso. A gente viu a necessidade que as pessoas tinham de ver os produtos chegando até elas — conta Tiago Peres, gestor operacional da iniciativa.
O Família Forte começou as vendas como um projeto-piloto, que durou 30 dias, e segue sendo aperfeiçoado. Por enquanto, ainda conta com o serviço voluntário da equipe, que gira em torno de 20 pessoas. Pelo contingente, já não se configura como MEI, mas possui CNJP e funciona de forma regular:
— Somos um grupo de amigos, somos praticamente a Família Forte. É família por estarmos sempre juntos. Nesse grupo, surgiram pessoas que tinham mais afinidade com o Facebook, com o Instagram, com vendas... O projeto estava sendo suprido no que é o mais difícil dentro de uma empresa, que são os recursos humanos. Foi por meio dessas afinidades que começamos a desenvolver, a partir do hortifrúti, a nossa vocação — comenta Tiago.
A pandemia encorajou a equipe a atender demanda do público que preza pelo distanciamento social e pelas medidas de segurança sanitária. A comodidade da compra online e o cuidado com a higienização, que vai do momento da coleta dos produtos até a entrega, levaram ao surgimento dos clientes fidelizados. Na melhor semana, o grupo chegou a vender 32 cestas. O feedback, segundo Tiago, é positivo:
— A primeira recepção é de um jeito, na segunda ou na terceira é de outro. A nossa visão é entregar produtos de qualidade, com cuidado, para que os clientes se sintam acolhidos por essa Família Forte. Os fidelizados, quando a gente entrega na porta de casa, já dizem 'então tá. Até semana que vem'.
MEI's em Caxias*
Total
33.400 (17.540 homens e 15.860 mulheres)
Faixa etária
20 anos ou menos: 187
20-30: 6.686
30-40: 10.653
40-50: 7.921
50-60: 5.282
60 anos ou mais: 2.671
Os 10 principais segmentos
1) Comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios (2.676)
2) Cabeleireiros (2.552)
3) Obras de alvenaria (1.724)
4) Promoção de vendas (1.400)
5) Atividades de estética e outros serviços de cuidados com a beleza (989)
6) Instalação e manutenção elétrica (886)
7) Serviços de pintura de edifícios em geral (828)
8) Serviços domésticos (745)
9) Treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial (599)
10) Preparação de documentos e serviços de apoio administrativo não especificado (537)
Criados desde 11 de março
5.775
Os 10 principais segmentos entre os criados na pandemia
1) Comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios (451)
2) Promoção de vendas (372)
3) Cabeleireiros (232)
4) Preparação de documentos e serviços de apoio administrativo não especificado (173)
5) Obras de alvenaria (166)
6) Fornecimento de alimentos preparados preponderantemente para consumo domiciliar (160)
7) Serviços domésticos (156)
8) Treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial (128)
9) Atividades de estética e outros serviços de cuidados com a beleza (127)
10) Restaurantes e similares (118)
*Os dados são de 10 de dezembro. Fonte: Receita Federal.
O que ter em mente para ser um MEI
Gerente regional do Sebrae na Serra, Nascimento explica que o primeiro passo é ser legalizado, da forma correta. Os microempreendedores individuais devidamente registrados pagam apenas a taxa do Simples Nacional, que varia de R$ 50,90 a 57,90 conforme a atividade, e já ficam cobertos com o INSS.
No site do Sebrae, é possível acessar instruções sobre como abrir o MEI, além de todas as normas de segurança e saúde exigidas com o coronavírus. Nascimento informa que essa consulta das normas também pode ser feita na Secretaria Municipal da Saúde:
— É preciso ter cautela com a mudança de protocolos das bandeiras (do Modelo de Distanciamento Controlado). Quando se tira a cogestão, por exemplo, podem mudar os decretos de uma semana para a outra. Outro ponto importante é saber o que você quer fornecer, qual o público-alvo e se existe demanda. Não adianta ter um produto maravilhoso e de qualidade, se as pessoas não têm necessidade de comprá-lo — alerta o gerente regional.
O Sebrae Caxias oferece orientações e consultorias para os microempreendedores por meio do número 0800 570 0800 ou na Rua Sinimbu, 816, bairro Nossa Senhora de Lourdes.