O Carnaval recém tinha terminado e o ano esboçava seu início quando a então desconhecida pandemia de coronavírus começava a contaminar os primeiros moradores da Serra. Duas semanas após a Quarta-feira de Cinzas, um residente de Caxias contraiu covid-19 e se tornou o primeiro caso oficial da doença na região. Logo depois, as cidades passaram a adotar medidas restritivas de distanciamento social, o vocabulário ganhou novos termos, como lockdown e quarentena, e o comportamento precisou ser readequado tanto no trabalho quanto na vida pessoal. Os espaços familiares e corporativos passaram a coexistir, o contato entre as pessoas foi substituído pela interação por meio de telas e aplicativos. As famílias precisaram reaprender a conviver tanto com a proximidade quanto com a distância. Os negócios ganharam outra dimensão na vida dos empreendedores. Não faltaram, portanto, desafios e oportunidades em 2020.
Houve inclusive quem, em meio a tantas mudanças e incertezas, encontrou motivos para celebrar as transformações que vieram junto com a pandemia. Mas não foi tão óbvio, nem tão fácil. Assim, a série Presentes que 2020 me deu propõe-se a mostrar esses exemplos positivos. Já pensou o que você ganhou este ano?
A sócia-proprietária da Devorata Trufas Artesanais, Mariana Milani, 36 anos, viveu meses que classifica como sendo "de terror" assim que a pandemia afastou os visitantes de Garibaldi. Por opção, a loja dela foi a primeira fechar na cidade e, com isso, viu o faturamento cair 92% nos meses de abril, maio e junho. Formada em Turismo, a comerciante tinha justamente na venda aos turistas a maior parte da sustentação do negócio que divide com a mãe, Jurema. A mudança de cenário a obrigou a tomar uma decisão drástica, da qual ainda se emociona ao contar:
— Tínhamos 12 funcionários, que estavam voltando de férias quando a pandemia começou. Demos novas férias antecipadas a eles, mas, como não teríamos como manter a empresa, precisamos demitir oito pessoas, com a promessa de que, se quisessem, seriam religadas assim que a situação melhorasse. Torcíamos para que, quando acabasse o seguro-desemprego, elas pudessem voltar — conta.
Mariana começou a desenvolver uma série de campanhas para incentivar a população a comprar de empreendedores locais, especialmente na Páscoa, que é a principal data do ano em vendas. Mas foi só em agosto que o faturamento melhorou, ficando 40% abaixo do normal. Em outubro, no entanto, já tinha superado os ganhos do mesmo período do ano passado. Resultado: há dois meses, estavam todos recontratados e houve acréscimo de três pessoas na equipe (além de três extras, dela e da mãe). Um aprendizado importante do ano, para ela, foi lembrar as origens:
— Passamos a valorizar cada trufa vendida, a trufa pela trufa. À medida em que a gente cresce, começa a pensar em ticket médio, sacola cheia, mas foi a trufa que nos trouxe até aqui. Minha mãe começou a fazer trufas há 34 anos para sustentar a família e 20 anos depois decidiu montar a Devorata. Eu cheguei para ajudar em um momento difícil e faz cinco anos que estou aqui — conta ela, cujo último emprego fora da empresa familiar foi como assessora de Relações Internacionais da Secretaria Estadual do Turismo na Copa do Mundo de 2014.
Outra lição fundamental veio carregada de resiliência e coragem:
— Em um terreno incerto, tivemos que tomar medidas imediatas. A lição que fica desse ano é confiar na gente quando tudo parece perder o controle, para que possamos retornar ao início. Se fizemos dar certo uma vez, vamos fazer dar certo de novo.
A possibilidade de se aproximar de sua essência não foi o único presente que Mariana recebeu em 2020. Ela está grávida de 12 semanas do bebê que fará companhia ao mano Téo, três, a partir de 2021, que já surge com a promessa de dias (ainda) melhores.
O tempo virou um aliado na rotina de Katiane
Quando a primeira viagem a trabalho foi cancelada, em março, a pedagoga Katiane Boschetti da Silveira, 34 anos, sofreu um baque profissional. Autônoma e prestadora de serviço, viu-se preocupada com o futuro financeiro e com os planos que começavam a se desfazer. Resolveu, então, reencontrar o próprio equilíbrio antes de decidir ajudar alguém. A ajuda, no caso dela, não é força de expressão: Katiane é instrutora de Justiça Restaurativa e consultora em prevenção e resolução de conflitos. Privada da liberdade de ir e vir, refugiou-se por 45 dias no sítio da família em Pinhal da Serra, alternando a companhia dos pais, da irmã e da filha Isabelle da Silveira Ferreira, 14. Os aprendizados foram enormes.
— Precisei reaprender a conviver com minha família, porque estava sempre viajando. Eu tinha a qualidade do tempo com as pessoas que eu amo e agora ganhei a quantidade. O desafio é preservar a qualidade mesmo tendo a quantidade — observa.
Ela está adorando curtir de perto a adolescência da filha. Quando engravidou, ela fazia faculdade e trabalhava 40 horas semanais. Logo depois, começou a viajar e a ficar longe de casa. A pandemia trouxe a ela essa aproximação. Passado o susto inicial, percebeu essa ruptura com a vida antiga como um presente.
— Para mim, são três palavras essenciais: presença, para estar presente comigo e ver o que sinto; permissão, para me permitir sentir tristeza, felicidade, raiva e, assim, transmutar o sentimento; e adaptação, porque a gente consegue se adaptar sempre — sintetiza.
Decidiu que quer estar mais próxima, não quer perder a quantidade do tempo em família, viu que é possível viver com mais simplicidade. Por conta do trabalho, tem ouvido histórias que se parecem um pouco com as suas: as pessoas não entendem como levavam a vida que estavam levando, tiveram que ser mais pacientes, redescobrir as relações pessoais e aceitar que nem sempre é possível estar no controle de tudo. festeja a ampliação do conhecimento e as interações com gente de vários Estados.
— Outro aprendizado desse mundo de relações virtuais foi de que o cuidado com outro ser humano não precisa ser físico. A gente consegue escutar o outro de diferentes maneiras — completa.
Como perspectiva, Katiane espera unir o melhor dos dois mundos, pré e pós covid: o enfrentamento dos medos em qualquer plataforma e a valorização da presença física com qualidade.