Enquanto a maioria dos caxienses está trancada dentro de seus apartamentos por conta do coronavírus, outros milhares que vivem no interior de Caxias do Sul passam a quarentena desfrutando dos belos cenários e produzindo alimentos ao ar livre. Por lá, o medo de não ter o que comer passa longe.
Na propriedade de Jair Massuchini, localizada no Cerro da Glória, a 20 quilômetros do centro da cidade, é época de bergamotas e limões que serão vendidos na Ceasa e nos mercados da região. E a colheita não pode esperar a pandemia passar.
—Por aqui a vida segue normal, sem sobressaltos — declara o produtor Massuchini.
Na propriedade, moram duas famílias: a de Jair e a do irmão, Marcelo. Jair tem dois filhos de oito e quatro anos e a esposa é agente de saúde. Os cuidados recomendados pelo Ministério da Saúde são respeitados. Quem vai para a cidade trabalhar ou entregar as frutas, por exemplo, traz o que precisa de mantimentos e usa máscaras e luvas. Na volta, tudo vai para a máquina de lavar roupa.
— Meus pais moram aqui e eles têm 76 e 75 anos. Então, precisamos estar atentos e não permitir que o vírus entre.
Jair lembra que, se a doença tivesse chegado há dois meses, a situação poderia ficar muito complicada. Na safra da uva, a movimentação na propriedade seria muito maior. Por lá, eles também criam seus próprios animais e produzem boa parte da comida que consomem. Feijão, milho, vinho e suco não vão faltar, por exemplo.
Na comunidade onde mora, foram cancelados todos os eventos, a festa em maio e o baile em junho.
— Uma pena. Mas neste momento o que importa é estarmos bem.
A agricultora Ilca Bertotti mora no interior de Galópolis há mais de 30 anos, com o marido, a sogra e os dois filhos. A família produz uva e lida com frangos de corte. A preocupação de que o vírus chegue lá existe. Por isso, tudo o que Ilca precisa da cidade, ela pede para uma amiga levar.
— Trabalhamos com animais e por isso não tem como ficar trancado em casa. Mas estamos tomando todas as precauções necessárias.
"Aqui ele não vai conseguir chegar"
Na comunidade da Terceira Légua mora a família de Cláudio Roglio, 68. Por lá, o vírus não chegou e nem vai chegar se depender dos sete moradores das duas casas localizadas na propriedade.
— Estamos escondidos no meio do mato, não tem como ele nos achar — brinca a esposa, Ivanir, 67.
Embora um dos filhos que trabalha em uma indústria na cidade retorne todas as noites para a propriedade, eles garantem que não têm medo do "bicho". A filha que mora no centro de Caxias do Sul é quem leva os mantimentos necessários para a família nos finais de semana.
— Não consigo ficar dentro de casa, moramos num lugar tranquilo. Podemos sair ao ar livre, respirar ar puro — comemora Roglio.
Há poucos meses, o produtor precisou fazer uma cirurgia no joelho e passou várias semanas sem se locomover.
— Não aguentava mais. Fui criado na lavoura. Não tenho medo desta doença.
Com o fim da safra da uva, carro-chefe da produção familiar, Roglio e o filho, Gustavo, trabalham na construção de postes de concreto para reestruturar os parreirais.
— Por aqui, o trabalho não para. Precisamos preparar as videiras para a próxima safra.
Notícias sobre o coronavírus, só pelo rádio e televisão.
—Mesmo assim, só de noite. Não tenho muito tempo pra isso, temos mais o que fazer.
"É preciso abastecer os mercados''
Os hortifrutigranjeiros continuam abastecendo os mercados da região e a Ceasa permanece funcionando. Por isso, quem produz não pode parar. É o caso de Celso Didone, 31, que responde pela produção de mais de 130 toneladas de frutas na comunidade de São Braz. Agora, está sendo feita a colheita do caqui.
— O povo não vai deixar de comer. Então, precisamos produzir para alimentar — destaca Didone, que também é dono de uma cervejaria artesanal.
O entra-e-sai de caminhões que buscam a mercadoria é controlado com medidas de precaução, como o uso de luvas, máscara e a higienização das caixas.
— Fazemos a nossa parte — garante.
Segundo ele, a queda no consumo nos últimos 40 dias foi pequena, cerca de 15%. Mesmo assim, somente quando foi anunciada a quarentena. Agora, as vendas voltaram a subir.
Nos pomares, oito safristas colhem as frutas. Para eles, a safra é época de ganhar o sustento para o resto do ano.
Com o rádio do trator ligado, eles ficam atentos às notícias sobre a covid-19.
— Para nos proteger, tentamos manter a distância recomendada. Cada um trabalha em uma planta — diz Inor da Rosa, 42.