Ao mesmo tempo em que se debruçou sobre as origens de Daniele Caberlon, seu tataravô materno, a leitora e pesquisadora Idelene de Fátima Zattera também buscou resgatar a trajetória do trisavô, o também imigrante italiano Luiggi Zattera, e sua descendência no Brasil. É um resumo dessa história que perpassa mais de um século que destacaremos a seguir.
Nascido na comuna de Valdagno, província de Vicenza, Luiggi Zattera deixou a Itália junto da esposa, Maddalena Fongaro, e dos filhos Regina, Luigia, Pietro, Giuseppe e Menotti. A bordo do vapor Birmânia, a família aportou no Brasil em 15 de dezembro de 1888, embarcando rumo a Porto Alegre dois dias depois. Em pleno Natal, dia 25, foram conduzidos a Caxias, onde se estabeleceram na localidade de Eduardina, hoje Conceição da Linha Feijó.
O cotidiano
Ao chegar em Eduardina, Luiggi e a família juntaram-se a outros imigrantes italianos que haviam migrado das comunidades próximas de Valdagno - sentindo-se “em família” novamente. Foi ali que se dedicaram à agricultura e criaram os filhos.
Caçula da prole, Menotti Zattera nasceu na Itália em 4 de setembro de 1881, chegando ao Brasil com apenas sete anos, em 1888. Já em 6 de fevereiro de 1907, aos 26 anos, ele uniu-se a jovem Magdalena Lora, filha de Maximiliano Lora e Carolina Massignani.
Juntos, Menotti e Magdalena tiveram cinco filhos de sangue e um "de coração" - pela ordem, Vitorio (nascido em 1908), Carolina (em 1914), Amélio (em 1917), Maximiliano (em 1920) e Helena (em 1924). Já a pequena Rosa, nascida em 1915, era filha de Rosa Bettiato e Giuseppe Zattera (irmão de Menotti), e foi acolhida pelo casal após a mãe falecer um dia após o parto, sendo criada como filha por Magdalena e Menotti.
Relato de Maria Izelda Frizzo
Filha de Ferdinando Frizzo e Rosa Zattera (a menina recém-nascida adotada por Menotti e Magdalena), dona Maria Izelda Frizzo, 65 anos, traz aqui um emocionado depoimento sobre a trajetória da família:
“A solidariedade, a compaixão e a ajuda entre as famílias foram de importância decisiva para o desenvolvimento das primeiras comunidades de imigrantes italianos. Praticamente só podiam contar uns com os outros para o trabalho e para enfrentar todas as dificuldades e as carências que encontraram na nova pátria. Sempre me emociono quando lembro dos relatos de meus pais, sobre os sacrifícios e os desafios que precisavam enfrentar.
Com meus nonos maternos, por exemplo, foi especialmente difícil. Meu nono Giuseppe Zattera, conhecido como Giuseppe Mondo, casou com Rosa Bettiato. Tiveram 10 filhos (duas meninas faleceram ainda pequenas). Todos os partos foram realizados em casa com a ajuda de uma parteira. Possivelmente, uma mulher do lugar que detinha um pouco mais de experiência para ajudar as outras mulheres nessa hora.
Ela morreu no décimo parto (parto da minha mãe), de hemorragia, sem atendimento médico, socorrida e atendida pelas vizinhas, que provavelmente lhe davam chás, lhe colocavam emplastros com ervas ou tentavam ajudá-la como podiam e sabiam. Minha mãe nasceu no dia 23 de dezembro de 1915 e minha nona faleceu no dia seguinte, véspera de Natal. Ela devia ter uns 44 anos.
Sinto um aperto no peito e um nó na garganta imaginando como tudo aconteceu. Consigo ver a movimentação na casa, as pessoas consternadas chegando para o velório, minha nona pálida, inerte, silenciosamente exposta, cumprindo sua última missão, a de ser chorada e redimida. Foi enterrada no dia de Natal. E, um fato curioso, ela não foi levada à igreja para a missa de corpo presente porque era um dia santo. Levaram seu caixão até as portas da igreja, e ali fora o padre fez a encomendação de sua alma. Minha mãe, recém-nascida, recebeu de sua mãe apenas seu nome: Rosa.
Imagino agora a aflição de meu avô chegando em casa e se deparando com uma criança que tinha acabado de nascer e que demandava de cuidados que ele não podia dar. Imagino também uma mulher que, cheia de compaixão, a toma nos braços e a amamenta. Um anjo, que leva a menina para casa, cuida dela e a cria como se fosse sua filha. Esse anjo foi a minha nona Magdalena Lora. A ela e ao nono Menotti Zattera, toda a minha gratidão!”.
Conceição da Linha Feijó
Magdalena Lora faleceu em 24 de outubro de 1950. Menotti Zattera, em 22 de novembro de 1958. Ambos estão sepultados em Conceição da Linha Feijó, no interior de Caxias do Sul.
Em Conceição da Linha Feijó também estão as origens do antigo fotógrafo e colaborador da Indústria Caxiense de Molduras Valério Zattera (1911-1996), cuja trajetória já foi abordada neste espaço. Ele foi o primogênito dos cinco filhos do casal Domenico Zattera e Melânia Lora, irmã de Magdalena Lora.
Unidos por um fio
Em suas pesquisas sobre a família Zattera, para o encaminhamento da cidadania italiana, Idelene Zattera deparou com curiosidades a respeito das andanças dos antepassados:
“Conta a história que, no mesmo dia, partiram (da Itália) Luiggi, que veio para o Brasil, e mais dois irmãos, um que migrou para os Estados Unidos; o outro para o Canadá, permanecendo na Itália somente o irmão Giuseppe. No dia da partida, a família fez uma grande roca de linha com duas pontas. Os que partiram, ficaram com uma das pontas. Os que na Itália permaneceram, ficaram com a outra ponta. À medida que se distanciavam, a roca ia se desmanchando, e, por mais que se afastassem, simbolicamente permaneciam unidos pelo fio, ao mesmo tempo que ficava a certeza que dificilmente se reencontrariam. Também ficava a certeza que ficariam unidos através dos seus descendentes”.
Após cinco anos coletando informações em família, viajando, garimpando fotos, conferindo manuscritos, certidões e listas de passageiros, Idelene costurou toda essa história:
— Posso afirmar que seguimos o desejo dos pais do Luiggi e Giuseppe Zattera: que um dia seus descendentes se reencontrassem e, juntos, reescrevessem sua história.
Parceria
Informações desta página são uma colaboração do casal Idelene de Fátima Zattera e Ricardo Zattera (bisnetos de Menotti e trinetos de Luiggi Zattera) e dos irmãos Flavio e Roberto Zattera (trinetos de Giuseppe Zattera, o único irmão de Luiggi que ficou na Itália).