Quem não se surpreende ao ouvir relatos sobre maternidade de mulheres hoje próximas dos 100 anos? Neste final de semana de Dia das Mães, reproduzimos alguns dos depoimentos coletados pela pesquisadora Simone Bordignon, autora do livro Mulheres Contam suas Histórias de Vida, lançado em outubro de 2021, no salão da comunidade São Luís, interior de Paraí.
Conforme destacado em outubro de 2021, a publicação foi “gestada” em parceria por Simone e pela fotógrafa Juliana Baierle nos últimos seis anos. A dupla percorreu os municípios serranos de Paraí, Nova Araçá, Nova Bassano, Nova Prata, Guabiju e São Jorge, onde foram colhidas e eternizadas em livro as memórias de 14 mulheres quase centenárias.
Na sequência abaixo, as respostas de três delas, com direito a sotaque, dialeto italiano e tudo mais…
Libera Gema Occhi Zucchi Dona de casa, 91 anos. Mora em Paraí
Simone: Como fazia pra saber quando era o prazo pro nenê nascer?
Libera: Na minha época, não dava pra saber o dia. A gente contava os nove meses mais ou menos, por aí. Eu passava de três dias de atraso da menstruação, eu já me esperava que ‘tava’ grávida.
A cada dois anos a senhora teve um filho?
Mais ou menos era assim. Porque não tinha nada pra gente se prevenir. Fico pensando: ”Por que não deram alguma instrução pra gente não ter tantos filhos?” Hoje eu não sou arrependida de ter tido os 10 filhos, mas naquela época não era fácil.
Quando percebia que estava grávida novamente, qual era o seu pensamento?
Eu sempre pensava: “Tomara que não viesse tão junto as crianças, pra mim poder ir pra roça e fazer os meus trabalhos”. Mas não tinha maneira de evitar. Usar camisinha, os padres eram contra, diziam que usar malícias a gente ia pro inferno. Então, a gente não tinha coragem de usar.
Será que a senhora fazia reflexões sobre ter muitos filhos pra criar, educar, alimentar?
Não vinha esse tipo de pensamento pra mim. Eu era de trabalhar e quando me percebia grávida eu pensava: “Que Deus envie essa criança com saúde".
Liberina Furlani Stocco
Agricultora, 92 anos. Reside em São Jorge
"Eu nasci no dia 20 de novembro de 1929 na Linha 7ª, Capela São Roque, em Nova Prata. Eu sou a caçula, e que eu lembre, a gente era em 12 filhos vivos, mas a minha mãe perdeu cinco crianças. O nome dela era Antonia Milani, ela tinha cinco anos quando veio da Itália. No dia de finados, a minha mãe fazia em casa uma coroazinha de flores pra cada um dos filhos dela falecidos. Daí ela dizia: “Essa coroazinha é pro José, que morreu com 13 anos. Essa é pro Albino, que morreu com 11. Essa coroazinha é pra menininha, a Angelina, que morreu quando tinha cinco aninhos. Essa outra coroa é pro Avelino, querido dele, ele morreu com dois anos. E essa outra é pro nenê que morreu e não foi batizado”
Simone: A senhora ia pra missa grávida?
Liberina: Sim. Mas depois dos cinco meses não se saía mais de casa, bem diferente de hoje em dia, que vão por tudo até o dia de ganhar.
A mulher não podia se mostrar depois que a barriga começava a ficar maior?
Ficava feio se mostrar. Um dia me aconteceu pra mim. Eu “tava’ quase no fim da gravidez e me apareceu aqui em casa dois rapazes e eles me olhavam e davam risada. Aí eu pensei: “um dia vocês também vão ter a mulher de vocês assim! E vocês também nasceram de uma barriga assim”. A gente levava tudo meio em segredo e, às vezes, eu penso, que coisa boba!
Como a senhora se cuidava na quarentena? O que não podia?
Eu nas primeiras quarentinas, não morria de fraca porque tinha sempre bastante galinha. Então era sempre o brodo (caldo, a sopa e a carne de galinha). Nada de outro tipo de carne de vaca ou de porco. Eram quarenta dias sempre com brodo. Radicci e feijão, nem pensar de comer. Polenta comia, mas não recém feita, só depois de brustolada, com queijo ou café.
É verdade que por quarenta dias não podia lavar os cabelos?
Quarenta dias sem lavar a cabeça, porque se a gente pegava aquela dor de cabeça na quarentina, pelo amor de Deus! Não passava mais. Então a gente se cuidava.
Conte mais detalhes do nascimento do seu filho Daniel…
Eu trabalhava pareio (bastante) e eu sabia que eu estava nos dias pra ganhar nenê, mas eu não tinha ainda as ‘dor’. Então pensei: “me faço o pão pra garantir!”. Acordei cedo e comecei a preparar a massa do pão e naquilo começa as ‘dor’, mas eu aguentei, até que botei o pão no forno e aí eu disse: “agora sim tô entregue”. Aí eu mandei a minha filha de 10 anos chamar a minha comadre, que morava mais lá perto da estrada. Depois, chegou o meu marido em casa e foi chamar a parteira, mas quando ela chegou, já tinha nascido o meu filho.
Assunta Lollato Ampese
Agricultora de Nova Araçá. Tinha 92 anos em 2021, quando o livro foi lançado. Faleceu em março
Simone: Conte pra nós sobre as visitas das comadres quando nascia um bebê…
Assunta: Pra mim vinha bastante vizinhas e também amigas de longe me visitar. Levavam de presente uma galinha viva dentro de uma esporta (sacola feita de palha de trigo) ou um metro de roupa ou também um quilo de açúcar branco, coisas assim.
Mesmo com as crianças pequenas, a senhora ia pra roça?
Nós ‘tinha’ que trabalhar um monte (muito). Eu levava as crianças junto na roça. Se era frio e molhado não, mas se era dias bons, daí sim. Quando era meio-dia, eu pegava o Arlindo no colo e as outras duas meninas pela mão e fazia ligeiro ir pra casa. Quando nós chegava em casa, a mais velha corria pegar as lenhas pra acender o fogo e fazer o almoço. Fazia arroz, ou então sapecava polenta. De tarde, também levava eles junto na roça. Se eles eram pequenos, eu sentava e dava de mamá e depois brincavam e eu continuava o trabalho. Se eram mais grandinhos, a gente levava uma enxadinha e eles carpiam junto com nós. Nós ’trabalhava’ toda a semana e também no sábado, só no domingo que não.
O livro
O quê: livro "Mulheres Contam suas Histórias de Vida", de Simone Bordignon, com fotos de Juliana Baierle. Publicação de 283 páginas, mesclando fotos antigas e atuais, além de receitas típicas da região, trazidas pelos imigrantes poloneses.
Como adquirir: contatos com a autora Simone Bordignon pelo fone (54) 99701.5353 ou e-mail simonebordignon1@gmail.com.
Valor: R$ 125, mais despesas de envio.