Toda vez que passo pela esquina da Pinheiro Machado com a Dr. Montaury em Caxias do Sul lamento a ausência do Cine Ópera e penso nas gerações que não o conheceram. A verdade é que a morte estrutural e física do Ópera só aconteceu porque se permitiu que matassem antes a alma daquele lugar histórico e impactante na vida cultural da cidade mais importante da Serra gaúcha.
Caxias do Sul tinha essa inegável vocação cultural, artística e intelectual no Rio Grande do Sul no começo do século XX, rivalizando até mesmo com Pelotas e Porto Alegre em certos aspectos. O antigo Cine Theatro Apollo de 1921, construído em madeira e depois consumido por um incêndio, deu lugar a um lindo prédio de alvenaria reinaugurado em 1928 que, segundo relatos da época, tinha uma acústica perfeita.
Mais tarde foi reformado e reaberto em 1951 como Cine Ópera, com aquela linda e inesquecível fachada em art decó, mesmo estilo que marcou o auge das construções imponentes no centro da cidade. Contudo, no começo dos anos 1990 e com a crise dos cinemas de rua — mais a inevitável dose de progresso burro que infelizmente arrasa com o patrimônio histórico da região inteira —, o Cine Ópera teve sua alma extirpada ao ser fechado e ocupado por moradores de rua e usuários de drogas, até ser destruído num incêndio e depois demolido para dar lugar à tal garagem macabramente batizada com o mesmo nome.
Trago a triste história do Cine Ópera de volta porque fiquei simplesmente estarrecida com uma notícia publicada ontem: estão cogitando “desalmar” mais um prédio histórico de valor cultural incalculável no centro de Caxias do Sul. Destinar o lindo Clube Juvenil para ser a sede de um “camelódromo”, disfarçado pelo eufemismo de “centro de comércio popular”, parece algo inofensivo num primeiro momento, mas sabemos muito bem o que pode acontecer em seguida.
Um prédio marcante da história de Caxias do Sul merece um destino mais alinhado com seu significado, com sua alma. Por que não transformar o prédio num centro cultural de música, dança, cursos, galeria de arte, museu, cinema, restaurantes e café? Por que não criar um mercado público ou um espaço de convivência e celebração da comunidade? A população de Caxias do Sul merece um centro vibrante, bonito, que respeite e preserve sua história e movimente seu presente.
Há poucos dias, dois eventos comprovaram que o centro pode sim honrar o que foi e criar novas memórias: o Grande Espetáculo de Natal — tendo ao fundo a centenária Casa Magnabosco e a linda Catedral Diocesana — e a visita guiada ao Pátio Eberle com curadoria do querido colega Rodrigo Lopes. A grande participação do público, o interesse pela história, o apreço pela cultura e pela celebração combinam com o centro de Caxias do Sul, e principalmente com o patrimônio histórico que ainda resta na cidade.