O Rio das Antas talvez seja um dos maiores ícones geográficos da Serra gaúcha. A história da imigração e do desenvolvimento desta região do Rio Grande do Sul se confunde com o serpentear de suas águas, com suas encostas, a flora, a fauna e a vida que foi possível criar às suas margens.
Em maio tive a oportunidade de visitar vários pontos distintos desse rio e um deles foi a histórica e magnífica Ponte dos Korff, em Criúva, distrito de Caxias do Sul, que faz divisa com São Manuel, distrito de Campestre da Serra, antigamente pertencente à Vacaria. Com 110 metros de comprimento cruzando o leito do Rio das Antas, sua estrutura de ferro foi trazida de navio da Alemanha. Junto aos pilares fortes de pedra que sustentam a ponte de quase 20 metros de altura, desde sua inauguração em 1906, é uma visão deslumbrante, quase secreta em meio aos morros e à mata nativa.
No começo do outono, com a seca provocada pelo fenômeno La Niña, pude caminhar pelas pedras lá embaixo junto aos pilares e admirar a imponência daquela obra de engenharia. Fiquei imaginando quanto trabalho foi necessário para trazer de carroça, desde o longínquo porto de Rio Grande, todo aquele ferro. Também pensei como fizeram o cálculo da localização — e, principalmente, da altura da ponte. Como será que decidiram que ali seria o local ideal para ligar as duas metades dos Campos de Cima da Serra, rota de tropeiros e de conexão entre sul e sudeste do Brasil? Imagino que, com 20 metros de altura, algum engenheiro possa ter muito bem imaginado que o rio das Antas, tão plácido numa tarde comum, poderia se transformar num monstro com a força das chuvas.
E foi esse monstro que, na última segunda, na agora já histórica enchente de 4 de setembro de 2023, destruiu uma obra muito semelhante à Ponte dos Korff. Foi com imensa tristeza que testemunhei por meio de vídeos que circularam rapidamente nas redes sociais as águas do rio das Antas engolirem a Ponte de Ferro que ligava Farroupilha e Nova Roma do Sul. Mais que um ponto turístico, essa ponte era um pedaço importante da história da região, inaugurada por volta de 1930 e já feita com materiais totalmente nacionais: suas barras de ferro foram forjadas na antiga oficina da Viação Férrea do Rio Grande do Sul em Garibaldi, um reflexo de como a região de colonização italiana se desenvolveu em apenas três décadas.
Ver a Ponte de Ferro ser levada pelas águas do monstro em que o antes plácido rio das Antas se transformou me deu um aperto no coração. Fiquei imaginando que o trabalho de muitos homens, de incontáveis esforços feitos numa época em que tudo era muito mais difícil, meses e meses de empenho desapareceram em minutos carregados pela natureza em seu curso. Se isso não nos faz refletir sobre nosso real tamanho nesse mundo, não sei o que vai fazer.