Vivemos numa época em que ficou muito fácil enganar as pessoas, principalmente aquelas propensas a se deixarem enganar. Tornou-se muito, mas muito difícil identificar serviços fraudulentos, estelionatários, golpistas por causa da popularização das redes sociais e de todos os recursos, filtros, táticas, estratégias que são usados para ludibriar o cidadão comum.
Um dos casos que vem repercutindo bastante na imprensa nesta semana é o da empresa 123 Milhas, que anunciou na última sexta-feira (18) que irá suspender os pacotes e a emissão de passagens de sua linha promocional. A medida afetará viagens já contratadas dentro do esquema “Promo”, com datas flexíveis e embarques previstos de setembro a dezembro de 2023.
Simplesmente cancelaram na cara dura as passagens vendidas a centenas (talvez milhares) de clientes que não vão mais poder viajar até o final do ano. Eram férias, viagens de lua de mel, visitas a familiares no exterior, a primeira vez num lugar sonhado, enfim planos reduzidos a pó. Para “atenuar” o prejuízo dos clientes, a empresa ofereceu vouchers no valor já pago para serem resgatados em prestações, ou seja: o consumidor que gastou 2 mil reais numa passagem internacional, por exemplo, vai poder usufruir de pequenos trajetos em datas ainda indefinidas e dadas como incertas por especialistas do setor do turismo. Um escárnio.
No fundo, tenho pena desses coitados que caíram no conto da passagem barata de um óbvio esquema de pirâmide. A 123 Milhas e outras empresas do ramo se tornaram populares oferecendo pacotes de viagens, até mesmo internacionais, por valores muito abaixo do mercado num esquema de compra de milhas bem obscuro. Tempos atrás, havia passagem para Roma por meros 700 reais. Óbvio que alguma coisa estava errada! Mas sempre há quem feche os olhos para o bom senso e para o pensamento crítico quando está perto de realizar um sonho. Isso é da natureza humana: não só num caso como esse, mas em outras situações, uma parte de nós quer acreditar que algo de muito bom, de muito vantajoso realmente surgiu magicamente na nossa vida. Como não agarrar uma oportunidade assim?
Mas é hora de chamar a atenção para o excesso de propaganda veiculada na mídia tradicional, na internet e nas redes sociais que davam um falso ar de legitimidade a uma coisa dessas. Quem nunca teve que escutar aquela trilha irritante do “ô,ô,ô” da 123 Milhas antes de poder assistir um vídeo no YouTube ou durante os comerciais de seu canal de viagens preferido? Pior: quem frequentou aeroportos nos últimos anos era bombardeado com banners gigantescos dessa empresa por todos os lados. Além disso, profissionais despreparados atuavam como agentes de viagens amadores e aproveitavam a onipresença da 123 Milhas para negociar pacotes por uma pequena comissão.
Fazia tempos que profissionais sérios do setor de turismo alertavam para o golpe prestes a prejudicar muita gente. Ninguém deu bola porque o canto da sereia falou mais alto e o ouro de tolo brilhava forte. O problema é querer acreditar no que não merecia sequer nossa atenção.