Em 6 de setembro deste ano, publiquei uma coluna intitulada A natureza em seu curso falando da enchente histórica da bacia Taquari-Antas que causou tantas tragédias. Na época, um leitor me escreveu contando sobre a chegada do seu bisavô aqui no sul do Brasil no final do século 19. Juntamente com outros imigrantes italianos, ele observou que havia vegetação rasteira presa junto aos galhos mais altos das árvores, e comentou com os demais que lá não era um lugar bom para se estabelecer, porque o rio subia. Assim o grupo decidiu seguir “sui monti”, “morro acima”. Depois de avançar com dificuldades abrindo caminho em meio à mata fechada, todos se instalaram no alto da serra, em Farroupilha.
Decisão inteligente: por muitos anos, estar aqui nas colinas nos deixou a salvo contra alagamentos. Contudo, com o passar dos anos, percebeu-se que nada poderia nos proteger do que vinha dos céus, como a tempestade de granizo da madrugada do último sábado que danificou centenas de residências e propriedades rurais entre Flores da Cunha e São Marcos, onde resido. Posso afirmar sem dúvida alguma que foi uma das tempestades mais assustadoras que já vi na vida, entre os raios incessantes e pedras de gelo quase do tamanho de bolas de tênis.
O El Niño é um fenômeno que sempre causou sérios problemas aqui: enchentes, deslizamentos, vendavais. Desde março os meteorologistas alertam sobre o que deveríamos esperar e como deveríamos nos preparar para este Super El Niño. Mesmo assim, é difícil aceitarmos o que a natureza em fúria pode destruir em questão de minutos trazendo prejuízos que vão nos impactar por anos. Os relatos dos agricultores são de cortar o coração: há terras que ficarão praticamente improdutivas por até dois anos. Além disso, não consigo deixar de pensar nas cidades de Santa Tereza, Muçum, Roca Sales, Arroio do Meio: mal conseguiram se colocar em pé após a grande enchente de setembro e agora novamente perderam tudo. Nas entrevistas para a televisão, o que vemos são olhares perplexos dos moradores, as vozes embargadas, a imagem de um pesadelo interminável.
Por mais que tenham politizado e ideologizado o tema das mudanças climáticas, é inegável que algo muito grave está acontecendo no planeta. Para se ter uma ideia, a última grande enchente do Rio Guaíba, em Porto Alegre, tinha acontecido há 82 anos. Agora, em 2023, acontecem duas grandes enchentes – a segunda e a terceira maior da história – com pouco mais de dois meses de intervalo. Todos os fenômenos climáticos, das grandes ondas de calor às chuvas intensas e ciclones, parecem mais fortes, mais frequentes, mais inclementes e nos provam o quanto estamos vulneráveis.
Algo realmente tem que ser feito para tirar as pessoas de áreas de risco, tornar nossas estradas mais seguras contra deslizamentos, proteger as plantações. É preciso adotar um planejamento urbano mais responsável e sustentável, criar sistemas de alerta. Ter subido aqui para as colinas por si só já não nos deixa a salvo como pensavam nossos antepassados.