A eleição de Donald Trump à presidência americana, confirmada nesta quarta-feira (6), deverá provocar impacto significativo muito além das fronteiras que definem os Estados Unidos.
A troca de poder na Casa Branca tem grande potencial para influenciar os rumos políticos e econômicos em países emergentes como o Brasil. Especialistas consultados por Zero Hora avaliam que um novo mandato do republicano aumenta a probabilidade de um cenário econômico de alta do dólar, com maior pressão inflacionária e elevação de juros em solo brasileiro.
Em termos políticos, deverá se aprofundar a aliança entre a ala bolsonarista da direita nacional e os setores republicanos mais radicais mirando a disputa pelo Palácio do Planalto em 2026. A confirmação das previsões vai depender de Trump colocar em prática suas promessas de campanha e do quanto vai repetir o estilo agressivo que demonstrou no palco internacional em seu primeiro mandato.
Professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maurício Weiss observa que a eleição nos EUA já provoca reflexos pela simples expectativa em relação ao futuro:
— Como o governo republicano tende a dar maior isenção de impostos, o que pode ampliar o déficit fiscal, isso faz com que os agentes (públicos) achem que devem aumentar a taxa de juros para compensar. Essa expectativa de aumento da taxa de juros dos Estados Unidos acaba atraindo mais capital e gera, por consequência, uma depreciação nas moedas dos países emergentes, como já está acontecendo hoje, inclusive, em relação ao real.
Outras consequências — incluindo uma maior ou menor dificuldade para os exportadores gaúchos — devem depender do perfil a ser colocado em prática na segunda administração de Donald Trump. Economista-chefe da Federação da Agricultura do RS (Farsul), Antônio da Luz afirma que as exportações do agronegócio são um dos setores cujo futuro está ligado a essa incógnita.
— Me preocupa entender qual será o Trump. Se é o Trump hollywoodiano, que pensa ser alguém que dita e todo mundo segue, como ele tentou fazer (no primeiro mandato), mas foi altamente retaliado e isso beneficiou o Brasil, ou se será um Trump mais maduro e inteligente, que vai usar o poderio econômico americano para fazer novos acordos. Aí o Brasil ficaria de fora — analisa o economista.
Veja, a seguir, a análise de especialistas sobre alguns dos prováveis efeitos da vitória do republicano sobre a política e a economia brasileiras.
Taxa de câmbio
A tendência é o dólar se valorizar em relação ao real e a outras moedas. A mecânica que explica o fortalecimento da moeda americana sob Trump é simples: o republicano promete impor tarifas a produtos importados de países como China e os europeus a fim de proteger a produção doméstica.
Como resultado desse encarecimento, deve ocorrer uma pressão inflacionária nos EUA. Para contê-la, o Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) teria de aumentar os juros. Com a rentabilidade em alta, a expectativa é de que investidores no mundo inteiro comprem dólar a fim de adquirir títulos nos Estados Unidos.
— O aumento da demanda por dólares no mundo faz com que aumente o preço da moeda americana, que é o que define a taxa de câmbio. Essa é a conta que o mercado está fazendo — esclarece o professor de Economia da UFRGS Marcelo Portugal.
Inflação
Confirmada a expectativa de dólar em alta pelo menos durante os primeiros meses da nova administração republicana, o que encareceria as importações para os brasileiros, a tendência é de que se amplie a pressão inflacionária também no Brasil no começo da gestão Trump.
Para conter esse impacto, também é provável que o Banco Central precise manter uma política de elevação da taxa de juros, na avaliação do economista Marcelo Portugal. A taxa vinha em declínio desde agosto de 2023, quando variou de 13,75% para 13,25%, até setembro deste ano, quando inverteu o sentido e subiu de 10,50% para 10,75%.
Comércio internacional
Embora os alvos prioritários de Trump devam ser a China e a Europa, é possível que o republicano aplique taxas a determinados produtos brasileiros como suco de laranja ou aço. O futuro presidente dos EUA chegou a acenar com a imposição de um imposto de 10% a 20% sobre todas as importações americanas, mas há dúvidas se isso é viável.
— Não acredito na imposição de uma tarifa generalizada para todos os produtos que sejam exportados para os Estados Unidos. Isso é algo muito difícil de fazer pelas peculiaridades de cada mercado — analisa o economista Marcelo Portugal.
Agronegócio do RS
Apesar do risco de taxação de produtos brasileiros, a posse de Trump pode ser benéfica de forma indireta para o agro gaúcho se ele mantiver a mesma postura agressiva em relação a outros países que demonstrou no primeiro mandato.
— No momento em que ele arrumou um monte de briga desnecessária, nos deu muita oportunidade de mercado. Quando arrumou problemas com a China, os chineses passaram a preferir a soja e o milho brasileiros. Quando disse que iria construir um muro na fronteira com o México e faria os mexicanos pagarem, o México retaliou e passou a comprar arroz, milho e proteína animal do Brasil — argumenta o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz.
Luz faz a ressalva de que, se o republicano adotar uma postura mais serena e buscar firmar novos acordos comerciais mais favoráveis aos EUA em vez de arrumar brigas, o efeito sobre o agronegócio poderia ser contrário — e dificultar a exportação dos produtos gaúchos e brasileiros.
Eleições 2026
Parlamentares bolsonaristas já mantêm uma relação próxima com a base de Donald Trump e buscam aprofundar essa relação tendo em vista a próxima eleição presidencial brasileira. Nos próximos dias, uma comitiva integrada por deputados como o gaúcho Marcel Van Hattem (Novo-RS) deve viajar aos EUA para fazer críticas à atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) — repetindo uma ação já realizada em março.
Eduardo Bolsonaro (PL-SP) acompanhou a apuração dos votos na casa de Trump. O cientista político e analista da Arko Advice Carlos Borenstein lembra, porém, que a eventual manutenção da inelegibilidade de Jair Bolsonaro e a falta de um nome de consenso na direita até o momento para disputar o Planalto pode neutralizar em parte uma eventual influência americana.
— (Representantes da direita) vão utilizar a vitória de Trump, sob o ponto de vista discursivo, como estratégia para fortalecer a narrativa de que a direita está em ascensão, e de que isso vai se reproduzir no Brasil — opina Borenstein.
Relação com Lula
As relações entre Brasil e Estados Unidos sob a gestão de Trump tendem a ser, em tese, menos harmônicas do que sob Joe Biden e Kamala Harris em razão das diferenças ideológicas mais profundas entre Lula e Trump.
Mas o cientista político Carlos Borenstein lembra que o nível da relação entre os dois líderes vai depender, principalmente, da disposição do republicano em aceitar o diálogo — já que o brasileiro demonstrou boa vontade ao parabenizar a vitória do americano pelas redes sociais logo depois de definida a eleição nos EUA.
— O Trump pauta muito da sua força eleitoral na narrativa antiestablishment, que opera em uma lógica diferente da política tradicional e busca rotular o outro como inimigo. Será preciso aguardar como Trump vai pensar sua relação com Lula. Pode haver obstáculos, embora, na diplomacia entre os países, costume prevalecer o diálogo — complementa Borenstein.