O retorno de Donald Trump à Casa Branca reforça ao Brasil e a outros países democráticos que a economia estará sempre no topo das prioridades dos eleitores. A perda de poder de compra sentida nos últimos anos pelos americanos foi decisiva para o resultado, superando qualquer preocupação com a integridade da democracia, com o meio ambiente ou com política externa.
Ainda que pareça óbvio, o peso decisivo da economia doméstica nas eleições é muitas vezes desprezado.
Trump recebeu agora muitos votos que em 2020 foram para Joe Biden. Mesmo os eleitores incomodados com as fake news do republicano ou desconfiados sobre o seu autoritarismo decidiram apostar na mudança, esperançosos na promessa da América grande novamente (America great again).
Este sentimento foi resumido no relato de um jovem negro da Pensilvânia, que conversou às vésperas do pleito com a colega Andressa Xavier, enviada especial do Grupo RBS aos Estados Unidos. O eleitor relatou um alinhamento de valores com Kamala Harris e disse que todo o seu histórico indicaria voto na democrata. Mas ele ainda estava indeciso por um único motivo: a economia.
A perda do poder de compra no país, a crise de imigração e outros temas que mexem no cotidiano das pessoas estão ligados a um conjunto de fatores que têm como pano de fundo o fim da hegemonia absoluta dos Estados Unidos e o poder crescente da Ásia.
O que importa aos eleitores, contudo, é que o governo de Biden não conseguiu entregar aos norte-americanos uma mudança substancial de qualidade de vida. E os efeitos da pandemia, que foram determinantes para a derrota de Trump em 2020, são sentidos até hoje.
Apesar de estar inserido de outra forma no contexto global, o Brasil tem muitas semelhanças com os Estados Unidos no contexto doméstico. Não se trata apenas da disputa entre Lula e Jair Bolsonaro.
A vitória do petista em 2022 não foi determinada por ideologia, pela vontade da maioria dos eleitores em preservar o respeito às instituições ou pelo desprezo que Bolsonaro teve com a pandemia – postura, aliás, muito semelhante à de Trump.
Lula voltou ao Palácio do Planalto carregado pela lembrança que parte da população tinha de seus dois primeiros mandatos, quando o país cresceu com força, reduzindo a miséria e entregando mais qualidade de vida à maioria dos brasileiros.
No plano do terceiro mandato, o presidente dizia a aliados que iria colher a partir de 2024 os resultados de políticas implementadas no início do governo. Mas, apesar do crescimento do PIB acima das projeções e do bom desempenho do mercado de trabalho, o aumento da dívida pública, a disparada do dólar e o alto patamar de juros impõem incertezas sobre estes resultados.
Os próximos dias podem ser decisivos sobre os rumos da economia brasileira. O pacote de corte de gastos, em gestação no Planalto, poderá dar confiança a investidores e reduzir o risco de inflação. Mas, do ponto de vista político, não há decisão fácil.
Se optar pelo ajuste nas contas públicas, Lula poderá se desgastar com eleitores que recebem benefícios sociais e dependem de serviços públicos.
Bolsonaro está inelegível, mas a eleição de Trump ajudará na pressão política para que ele seja liberado a concorrer. Mais do que a sombra do adversário, Lula terá de lidar com a pressão de quem depositou esperança nele de novo, e agora tem pressa para sentir uma melhoria real no seu dia a dia.