A Operação Capa Dura, deflagrada pela Polícia Civil na manhã desta terça-feira (23), fez a prisão temporária de quatro pessoas. As autoridades não revelaram nomes, mas a reportagem apurou por outras fontes que uma das detidas é a ex-secretária municipal da Educação Sônia da Rosa. Outras duas servidoras públicas que atuaram na cúpula da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed) entre 2022 e 2023 também foram presas: Mabel Luiza Leal Vieira e Michele Bartzen.
Mabel foi assessora técnica do gabinete de Sônia, enquanto Michele ocupou a função de coordenadora pedagógica da Smed. Sônia, Mabel e Michele deixaram os cargos na pasta em junho de 2023, após série de reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) revelar as compras de livros com suposto direcionamento para o mesmo grupo econômico e o acúmulo de materiais escolares em galpões, sob goteiras, umidade e fezes de aves.
O quarto alvo de prisão temporária é o empresário Jailson Ferreira da Silva, que atuou nas cinco vendas de livros à Smed que estão sob investigação pela Operação Capa Dura. No total, a prefeitura de Porto Alegre comprou 544 mil livros ao custo de R$ 34 milhões. Jailson atuou em todas as vendas como representante da editora Inca Tecnologia de Produtos e Serviços. Uma das cinco compras investigadas foi feita junto à Sudu Inteligência Educacional, mas essa empresa vendeu os mesmos livros da Inca, com igual atuação de Jailson.
A prisão temporária, feita para permitir o aprofundamento de investigações, tem duração de cinco dias, conforme a legislação. Os quatro detidos devem ser interrogados e, depois, encaminhados ao sistema prisional para cumprir a medida.
O inquérito, conduzido pela 1ª Delegacia de Polícia de Combate à Corrupção (1ª DECOR), do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), apura suspeitas de fraudes licitatórias e associação criminosa. Os mandados foram assinados pelo juiz Orlando Faccini Neto, da 1ª Vara Estadual de Processo e Julgamento dos Crimes de Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro.
Sônia assumiu a titularidade da Smed em 3 março de 2022 e trouxe para integrar o seu gabinete pessoas de confiança, como Mabel e Michele. Todas elas são servidoras de carreira em Canoas.
Em 9 de março de 2022, quando tinha menos de uma semana à frente da Smed, Sônia recebeu Jailson para debater sobre os livros da editora Inca para o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Uma semana depois, a Smed iniciou os processos administrativos que culminaram em seis compras junto às empresas ligadas a Jailson, somando R$ 43,2 milhões em pagamentos. A maioria dessas aquisições, cinco delas, é relacionada aos livros sob investigação, com dispêndios de R$ 34 milhões. A outra venda relacionada a Jailson, que não é parte deste inquérito, se refere a 104 laboratórios de matemática e ciências.
A Operação Capa Dura analisa aquisições feitas pela Smed por adesão à ata de registro de preço, instrumento conhecido como “carona” por acelerar o gasto público. Nesta modalidade, é possível aproveitar a licitação realizada por outro ente público para fazer uma aquisição. A opção pela carona liberou a Smed da tarefa de realizar os trâmites burocráticos de uma licitação própria. Em maio de 2022, o prefeito Sebastião Melo publicou decreto autorizando Sônia e a Smed a terem autonomia para fazer compras por carona. Antes, isso era realizado pela Secretaria Municipal de Administração e Patrimônio (Smap), cuja especialidade é a realização de licitações. Após a revelação do caso pelo GDI, Melo revogou a autonomia que havia sido dada à Smed.
Nas compras por carona, é necessário reunir orçamentos de outros potenciais fornecedores para demonstrar a chamada “vantajosidade”. Na prática, significa comprovar que, ao aderir a uma ata de registro de preço, a prefeitura estaria pagando um valor menor do que o cobrado por outros fornecedores. O GDI revelou que esses orçamentos foram apresentados por empresas do grupo econômico de Jailson. Ele é representante da Inca e usou uma empresa de propriedade dele, a World Soluções Educacionais, para acostar no processo administrativo da Smed um orçamento de valor mais elevado, utilizado para demonstrar a vantajosidade na compra de livros junto à Sudu — fornecedora também representada por Jailson nessa aquisição.
Os processos administrativos devem ser iniciados com termos de referências que apresentem uma demanda do poder público. A partir disso, são discutidas as possíveis soluções e modalidades de contratação. Contudo, reportagens do GDI mostraram que os termos de referência da Smed foram iniciados já com orçamentos das empresas que venderam os livros. Trechos de materiais de divulgação das editoras chegaram a ser copiados. A ex-servidora Mabel foi uma das que atuaram e despacharam na instrução dos processos administrativos.
Servidoras de carreira da Smed, ao prestar depoimento nas duas CPIs que apuraram as suspeitas na Câmara de Vereadores, afirmaram que partiu de Michele, ex-coordenadora pedagógica, a determinação para que os termos de referência fossem feitos dessa forma, supostamente direcionados à Inca e à Sudu.
Contrapontos
A Polícia Civil informou que Michele Bartzen e Mabel Luiza Leal Vieira ainda não constituíram defesa.
O que diz Sônia da Rosa
O advogado João Pedro Petek diz que se manifestará nos autos do processo.
O que diz Jailson Ferreira da Silva
O advogado José Henrique Salim Schmidt, que representa o empresário, enviou nota na qual diz:
"A prisão temporária possui como principal objetivo a oitiva do investigado. Quando convidado a prestar esclarecimentos junto à CPI da Câmara de Vereadores, este compareceu espontaneamente e respondeu aos questionamentos. Desde então, encontra-se à disposição de toda e qualquer autoridade, mediante simples convite. Nesse sentido, mostra-se desproporcional e desnecessária qualquer constrição de liberdade”.
O que disse o prefeito Sebastião Melo
O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, se manifestou por meio da rede social X, o antigo Twitter, e reiterou que as investigações sobre as irregularidades começaram na prefeitura. "Nenhuma eventual ilegalidade teve ou terá guarida na nossa gestão. Se comprovados crimes, que os agentes - públicos ou privados - sejam exemplarmente punidos", afirmou Melo.
O que diz a prefeitura de Porto Alegre
"Sobre a operação da Polícia Civil na manhã desta terça, 23, a Prefeitura de Porto Alegre reforça que a apuração de ocorrências na Secretaria Municipal de Educação (Smed) iniciou no âmbito Executivo, por determinação do prefeito, em junho do ano passado.
Todas as informações levantadas na auditoria interna foram divididas com os órgãos de controle para aprofundamento das investigações, além da adoção de medidas de reestruturação na operação logística e de aquisições no órgão. A gestão prima pela transparência e lisura na aplicação dos recursos públicos e tem todo o interesse em elucidar os fatos, estando em plena colaboração com as instituições.
Gabinete de Comunicação Social
Prefeitura de Porto Alegre."