“Bicho de sete cabeças” em nome e sobrenome, a governança corporativa é o conceito mais abstrato na agenda ESG, e, ao mesmo tempo, a bússola no funcionamento de qualquer negócio. Ainda que nem sempre associadas ao nome difícil, suas práticas estão presentes mesmo nas pequenas organizações, em atos básicos de gestão.
Na prática, as ações de governança são as regras pelas quais uma companhia é dirigida. Ou seja, são os processos que visam a uma geração de valor sustentável para a empresa, para os seus sócios e para a sociedade em geral, nesta mesma ordem.
As iniciativas podem contemplar constituição de conselhos, auditorias, sistemas de compliance (do inglês “to comply”, traduzindo-se ato de cumprir obrigações) e mesmo treinamento das lideranças. Para Dusan Schreiber, pesquisador da Universidade Feevale, os mecanismos de governança visam a blindar as companhias para que os sócios não se priorizem dentro da geração de valor — o que, em última escala, pode desencadear em casos de fraude, corrupção ou irregularidades nas empresas.
A governança, portanto, é o coração da sigla, define a especialista em gestão ESG do Sistema Fecomércio-RS, Katiane Roxo. É por onde passam todas as deliberações de uma empresa. Sem uma governança corporativa afinada, nem mesmo o ambiental e o social se sustentam, vê a gestora:
— O ESG começa pelo G. Se não houver uma governança definida, o E e o S podem acontecer de forma bem mais fraca.
Schreiber lembra que a governança corporativa, obrigatoriamente, deve contemplar cinco pilares:
- Integridade: visa consolidar que o ambiente organizacional tenha princípios éticos.
- Transparência: é a disponibilização de informações sobre a atuação da empresa para as partes interessadas, entre elas seus próprios funcionários, e as esferas públicas que recolhem seus tributos, como Estados e prefeituras.
- Equidade: refere-se à necessidade de estabelecer relações baseadas na justiça e no respeito mútuo.
- Responsabilização: é o que retrata da relevância dos processos organizacionais com inteligência e independência para gerar valor sustentável à companhia, em especial a longo prazo.
- Sustentabilidade: constituída do econômico, social e ambiental, orquestra esforços para alcançar os objetivos da empresa, observando os pilares anteriores.
Aplicação na vida real
Esclarecer o conceito de governança corporativa para negócios sem familiaridade com o termo está entre os objetivos de projeto liderado pela Fecomércio-RS, o ODS na Prática. A iniciativa criada em 2018 tenta trazer o tema para a realidade das empresas, com oficinas que mostram exemplos de como contribuir para esta agenda.
— Demonstramos por táticas de gestão como o ESG se implementa. A oficina traduz o que se pode fazer, o que é o código de ética, a conscientização ambiental, e joga luz sobre o que fazer além do que somos obrigados a fazer. Nossa capilaridade nos 497 municípios gaúchos permite expandir a abrangência do conceito — diz Katiane.
As atividades são permanentes e gratuitas, mas sugerem doações espontâneas dos participantes para o projeto Mesa Brasil.
Para a especialista, o cenário é de mudança e se dá principalmente pela necessidade de as empresas se adaptarem às transformações climáticas. O empresário está se atentando de que investir em governança ou em ESG como um todo não é questão de modismo e, sim, de sobrevivência dos negócios, reforça Katiane.
"O ESG começa pelo G. Se não houver uma governança definida, o E e o S podem acontecer de forma bem mais fraca."
KATIANE ROXO
Especialista em gestão ESG do Sistema Fecomércio-RS
Muitos dos itens de governança corporativa são exigências de mercado para as empresas de capital aberto, as listadas na bolsa brasileira, a B3. No entanto, a adoção das práticas já é vista como oportunidade para as firmas que não têm essa obrigatoriedade.
— Percebo que a exigência de formalizar as práticas de ESG está concentrada nas organizações de grande porte, que estão sujeitas a auditorias periódicas sobre as suas formas de atuação. Outras companhias de capital fechado, mas também de grande porte, percebem que há vantagens em adotar as práticas. Nem sempre essas empresas denominam as práticas de ESG, mas já o são. E as de médio porte estão seguindo para este mesmo contexto, que é de espelhar essas práticas.
Vitrine de mercado
Conforme os especialistas no tema, toda aposta em governança é investimento. Não necessariamente de capital, mas de pessoas para se dedicarem às estruturas de governança. Comprometimento com a transparência, por exemplo, traz diferencial de mercado para as empresas a partir do momento em que os consumidores sentem confiança nas ações que são publicamente divulgadas, entre uma série de outras vantagens competitivas.
Nas empresas de capital aberto, a adoção das práticas é fundamental para que os investidores tenham segurança em adquirir os papeis da companhia. Companhias com selos de sustentabilidade se destacam globalmente.
Referência no varejo e fora dele, a Renner conquistou projeção mundial ao alcançar índices de sustentabilidade, sendo pioneira em frentes de melhores práticas. Listada na bolsa, a companhia integra o chamado Novo Mercado, que considera o nível mais alto de governança corporativa.
Fabio Faccio, diretor-presidente da Lojas Renner, diz que o sistema de estruturação da companhia é constantemente revisado. Recentemente, a área de governança atualizou códigos de conduta e ampliou critérios de diversidade para o Conselho de Administração e diretoria. Já mirando o futuro, a empresa anunciou, em 2022, um novo ciclo de compromissos públicos a serem atingidos até 2030.
— O foco desta nova caminhada está em três pilares: na construção de relações humanas e diversas, na implementação de soluções climáticas, circulares e regenerativas, e na amplificação de conexões que busquem desenvolver a cadeia de valor, mitigando riscos e capturando oportunidades socioambientais com protagonismo no varejo global — afirma Faccio.
Outras gigantes gaúchas como Gerdau, Arezzo e SLC Agrícola reforçam o time de companhias listadas na bolsa com o compromisso crescente de aplicar boas práticas. Há mais de 20 anos, o Rio Grande do Sul foi o primeiro Estado a ter uma unidade própria do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), mostrando também a relevância do Estado no tema.