O paulista Marcel Fukayama atua em economia de impacto há 23 anos. Foi cofundador do Sistema B no Brasil e, há 12 anos, criou a Din4mo, que já movimentou R$ 200 milhões para negócios com resultados sociais e ambientais positivos. Agora, está mais perto do Rio Grande do Sul para gerir o fundo RegeraRS. Seu propósito é buscar bem-estar e dignidade coletivos por meio dos negócios. Marcel inteegra o Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) e o Comitê da Estratégia Nacional da Economia de Impacto do Ministério do Desenvolvimento (Mdic).
Como começou sua jornada nos negócios de impacto positivo?
Comecei a empreender com 17 anos, em lan houses. Era o ano 2000, e meu objetivo era democratizar o acesso à internet. Sete anos depois, um relatório do Comitê Gestor da Internet mostrou que, de fato, lan houses representavam metade dos canais de acesso. Sempre atuei no campo do impacto, que não é filantropia. São modelos de mercado para resolver problemas sociais.
E de onde veio essa vocação?
Muito ligada a um chamado interno de sempre pensar em como resolver problemas sociais e ambientais. Desde pequeno estive envolvido com voluntariado, com a criação de bens públicos. Pesou nisso ter enfrentado um câncer aos 23 anos. Foi impactante, percebi que a vida era finita e morte, real e possível. Nessa época, já estava atento ao que o (Muhammad) Yunus e o Graamen Bank estavam fazendo (Yunus ganhou um Nobel da Paz com seu trabalho de redução da pobreza com financiamento de pequenos empreendimentos), um caminho que seria percorrido globalmente. Tenho atuado no Brasil e internacionalmente.
O país inaugurou, com a calamidade no RS, uma nova era de eventos climáticos extremos com consequências devastadoras. Vai exigir reconstrução com uma mobilização de capital financeiro sem precedentes.
O RegeneraRS já começou a desenvolver projetos?
Sim, já foram deliberados apoios ao 2 por 1 do Sinduscon e ao Supera do Sebrae. Em educação, estamos apoiando o projeto do Refundar e do MBC. E temos novos projetos para aprovar, sempre nas quatro áreas predefinidas, educação, habitação, apoio a negócios e soluções urbanas. Já fizemos o primeiro encontro com o ecossistema, para apresentar e construir caminhos colaborativos.
Ainda há muitas empresas dispostas a ajudar?
Me preocupa a percepção que tenho colhido de que 'já passou'. Menos no RS, mais no restante do país, claro. Também há uma percepção de que tenha sido 'mais uma enchente'. O país inaugurou, com a calamidade no RS, uma era de eventos climáticos extremos, com consequências devastadoras. Vai exigir reconstrução com uma mobilização de capital financeiro sem precedentes. Não é só mais uma enchente. Estamos lidando com algo que não tem literatura, não tem precedentes. É preciso movimentar pessoas, capital público e privado, construir uma aliança estratégica para isso. As nossas quatro áreas temáticas são pontos de acupuntura para reconstruir.
Como assim, acupuntura?
A habitação é central para a solução dos problemas sociais, como define a ONU. Educação é geracional, precisamos repensar. Devemos impedir que a calamidade no RS não acentue ainda mais as desigualdades. Para isso, precisamos gerar emprego e renda, apoiando negócios. E essa, infelizmente, não será a última calamidade, então precisamos reconstruir de maneira resiliente e responsiva. Precisamos de bilhões de reais para reconstruir, mas, sobretudo, para regenerar, em nova lógica.
Agora, as pessoas viveram na prática a correlação da emergência climática com o dia a dia. E os riscos que isso gera. É preciso transformar essa vivência em mudança de paradigma. Não basta mais apenas mitigar e compensar os efeitos negativos.
O que quer dizer "regenerar", desse ponto de vista?
Falamos muito de economia inclusiva, equitativa e regenerativa. Agora, as pessoas viveram na prática a correlação da emergência climática com o dia a dia. E os riscos que isso gera. É preciso transformar essa vivência em mudança de paradigma. Não basta mais apenas mitigar e compensar os efeitos negativos. Há uma mudança estrutural. É preciso gerar impacto positivo no curso da atividade lucrativa da empresa, não apenas compensar e mitigar carbono.
As empresas estão preparadas para isso?
Está na visão do Fórum Econômico Mundial, a economia de stakeholders. As empresas viram, agora, colaboradores que perderam casas, cadeiras de valor dizimadas. É preciso atuar com a visão de que os negócios envolvem todos esses atores - colaboradores, fornecedores e comunidade. Não dá mais para continuar a olhar só o ebitda (sigla em inglês para indicador de lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) como medida de sucesso. É importante, mas não suficiente. É preciso que tanto o poder público quanto o privado usem ferramentas de gestão para dar transparência ao que estão fazendo. Isso muda comportamentos.
E como lidar com empresas que não acham que precisam mitigar efeitos negativos?
Neste momento, há três grupos de empresas. Um pequeno já atua atua com impacto positivo. Um segundo, maior, já está mudando por conveniência, porque tem tem valor para os investidores, que querem mitigar riscos. O terceiro só vai mudar por constrangimento, da lei, da pressão popular, da perda de valor. Vem aí um tsunami regulatório. Quem não liderar essa mudança vai ser mudado.
O que será essencial para não deixar a meio caminho a reconstrução e a regeneração?
A ação coletiva, a colaboração, a cooperação. O Regenera está totalmente aberto a cooperar com outras iniciativas, como já faz com o Reconstrói, e o Transforma. É fundamental também a coordenação com o poder público. Precisa ser intersetorial - poder público, sociedade civil e empresas - e também vertical, os âmbitos federal e local precisam atuar de maneira coordenada na mesma direção para não desperdiçar tempo, dinheiro e pessoas.