Conhecida por assumir empresas problemáticas e reestruturá-las, a Equatorial comprou a área de distribuição da CEEE e colheu uma onda de rejeição no Rio Grande do Sul. Terceiro presidente local, Riberto Barbanera parece disposto a mudar a má imagem e consertar os problemas concretos que levaram a essa situação. Afirma que é preciso reconhecer as falhas e que, como prestadora de serviço público, mesmo uma empresa privada deve satisfações à sociedade.
Há um certo déficit de comunicação da empresa com os usuários?
Ao dizer "um certo", você está sendo bem-educada. Cheguei em agosto e disse que temos de reconhecer as nossas falhas. É perceptível para todos que acompanharam a chegada da Equatorial em 2021, com a privatização de uma empresa que já carregava déficit enorme, em setor capital intensivo, e estava sem investimento há muito tempo. Isso em um Estado que tem crescimento natural. O setor de eletricidade precisa de investimento. É infraestrutura básica, que precisa estar à frente do crescimento. Se a demanda cresce e você não acompanha, cria gargalo. Quem paga o preço é a qualidade de fornecimento de energia. É o que aconteceu lá atrás, não agora. O setor elétrico tem certa resiliência. Não paralisa hoje e dá o sinal amanhã. Só que, quando dá sinal de que fragilizou, a recuperação também não ocorre do dia para a noite. É nessa hora que a Equatorial chega. Assumimos uma concessão muito degradada.
Qual foi o diagnóstico?
Tínhamos 800 mil postes e 560 mil eram de madeira, dos quais 70& ou 80% em apodrecimento. Encontramos 70% das nossas subestações com transformadores sobrecarregados. Em 2021, todas as agências de atendimento estavam fechadas desde a pandemia. Em julho do ano passado, começa uma frequência de temporais até então não vista. E a fragilidade aflorou. O que já se sabia ser frágil reagiu de forma esperada. Quando cheguei aqui, disse que iríamos investir, trabalhar para melhorar, mas precisaria de tempo. E tempo é o que as pessoas não tinham, o que precisamos entender. E ainda havia um problema de comunicação. Era uma empresa acuada por críticas. Ninguém sabia quem era o porta-voz. Falei que precisávamos mostrar a cara. Apanhamos e merecemos, vamos tentar sair dessa situação.
Qual é o plano?
Começamos a trazer gente que conheça o RS. Em algum momento, ignoramos a cultura gaúcha. Estávamos em um ritmo que não é o local. Não ia bater, não ia casar. Começamos a mudar. Temos uma empresa nacional, mas também precisamos de uma empresa local. Trouxemos parceiros que têm afinidade com a cultura, sabem como se comunicar, conhecem as relações. Foram duas frentes. Primeiro, o trabalho técnico e de investimento, que sustenta. Olhar para onde os problemas estão e direcionar soluções. Em paralelo, começamos a falar, prestar contas. Falo muito isso dentro da empresa: somos uma empresa privada que presta um serviço público. Devemos satisfação à população. Estamos trabalhando e ainda tem um trabalho muito grande a fazer. São três anos e cerca de R$ 2,2 bilhões investidos aqui.
Na CEEE, tenho de pegar dois eletricistas, colocar em uma caminhonete, ir até o poste, abrir a chave, voltar para a caminhonete, ir ao outro poste e fechar a chave. Nestes três anos, instalamos telecomandos, canais de comunicação.
Onde foi feito esse investimento?
O segmento de distribuição tem linhas de alta tensão, corredores que alimentam cidades, tem as subestações e redes de média e baixa tensão, que são as de calçada. Quando trabalho na linha e na subestação, consigo disponibilizar redes e equipamentos sem interferir na vida do cliente. Então, investimos muito para tirar a sobrecarga das subestações e modernizá-las e trocar postes. Em outras concessões, quando há problema de rede, um controlador do centro de operações aperta um botão, abre uma chave, aperta outro botão, fecha outra e normaliza para o cliente. Na CEEE, tenho de pegar dois eletricistas, colocar em uma caminhonete, ir até o poste, abrir a chave, voltar para a caminhonete, ir ao outro poste e fechar a chave. Nestes três anos, instalamos telecomandos, canais de comunicação. E ainda temos um plano muito arrojado.
Tem um valor? E quanto vai melhorar?
Tenho, mas não posso dizer. Neste ano, serão R$ 950 milhões, que vão se somar a R$ 1,9 bilhão até dezembro de 2023. Nossa melhor expectativa é de que são necessários cinco anos para chegar ao patamar de qualidade que queremos. O segundo semestre do ano passado e o primeiro deste ano deixaram muito claro que estamos diante de uma realidade em que ou aceleramos ou vamos perder muito tempo.
Sabia-se que era uma rede depreciada. Quando entra para começar a operar é que se vê a real qualidade do ativo.
Quando a Equatorial comprou a CEEE não sabia o que estava comprando?
Diria que em alguns temas, sim. Sabia-se que era uma rede depreciada. Quando entra para começar a operar é que se vê a real qualidade do ativo. Em julho de 2023, começa uma sequência de eventos muito diferentes do que já tínhamos visto. Primeiro, a fragilidade aflora de forma mais intensa. Segundo, os eventos contribuem para fragilizar ainda mais.
Vocês já fizeram um levantamento sobre perdas com o episódio de maio?
Em vez de andar para a frente, vamos ter de voltar umas casas para trás. Temos uma solicitação ao Ministério de Minas e Energia. Vamos ter de achar uma renegociação, discutir como resolver sem onerar o cliente. Estamos fazendo uma inspeção. Tivemos 126 mil clientes desligados na concessão toda, com medidores de energia elétrica submersos. Grande parte está queimada. Tive duas subestações aqui em Porto Alegre totalmente alagadas. Na minha frota operacional, 43 veículos afundaram. A sede da empresa ficou submersa.
A percepção que tenho, falando de quem chegou de fora, é que o gaúcho quer ver segurança na pessoa que está do outro lado. E quando a empresa ali atrás se fechou, gerou maior desconfiança.
O gaúcho é mais exigente do que os outros clientes da Equatorial?
Tenho um ano e meio de Equatorial, não posso falar muito sobre isso. Mas acho que é mais exigente, sim. E, mais do que exigente, é um povo litigante, gosta do bom debate. A percepção que tenho, falando de quem chegou de fora, é que o gaúcho quer ver segurança na pessoa que está do outro lado. E quando a empresa ali atrás se fechou, gerou maior desconfiança. Foi um combustível (para a má imagem). Transparência sempre é importante.
Fiação subterrânea é viável?
Em janeiro deste ano, quando teve um temporal muito forte em Porto Alegre, árvores de grande porte tombaram. Gerou-se uma discussão enorme. O problema não é o galho que bate na rede, tem de podar. O problema é que árvores de grande porte caíram na rede. Caiu poste, cabo, rompeu tudo. Porto Alegre tem uma característica de vegetação bem diferente e muito bacana. Mas precisamos buscar melhor convívio com a rede elétrica. Naquele momento, a solução teórica era rede subterrânea para tudo. Em maio, veio a enchente e o Centro Histórico, que só tem rede subterrânea de qualidade fantástica, foi o mais prejudicado, porque 500 quilômetros de rede subterrânea e 300 quilômetros de transformador colocados embaixo da terra foram 100% alagados. E agora, rede subterrânea é bom ou é ruim? A solução é a melhor tecnologia para a situação que se tem. É viável a rede subterrânea? Tem aí, instalados, 500 quilômetros. Mas é 10 vezes mais cara que a rede tradicional. Agora, vai para um enterramento de rede que hoje é aérea no Moinhos de Vento, por exemplo. Não tem mapa de esgoto e água. Ou seja, tem custo altíssimo e risco de quebrar instalações.
Não há arrependimento, de forma alguma. O que há é uma motivação enorme para vencer esse desafio.
Na enchente, aconteceu tanta coisa que a Equatorial não foi assunto. O que foi diferente?
Fomos melhores na resposta técnica e de comunicação, levando informação para as pessoas em tempo real. Quer dizer que podemos ficar tranquilos, que estamos preparados para o próximo temporal? Não, tem muito por fazer ainda. . E a característica desse evento, que não tem vento, não tem descarga atmosférica que cai na rede, contribui.
A Equatorial se arrepende de ter comprado a CEEE?
De jeito nenhum. Na privatização, nenhum outro grupo do setor elétrico brasileiro se propôs a comprar a CEEE. Isso, por si só, já deve despertar a pergunta: por que será? A Equatorial é conhecida no setor como um grupo de transformações. Pega concessões difíceis e transforma. Não há arrependimento, de forma alguma. O que há é uma motivação enorme para vencer esse desafio. Esses dias saiu o ranking da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a CEEE está na penúltima posição. Mas subiu uma. No ranking dos últimos oito anos, a CEEE estava em última. É uma realidade da concessão há muito tempo. Mas vai sair disso.
A rede é projetada para suportar ventos de 100 km/h. Mas aqui já chegou a 130 km/h. Para construir redes mais resilientes, o investimento é maior e rebate na tarifa.
Na reconstrução da rede, haverá reforço?
No ano passado, abrimos na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e da Abradee (Associação Brasileira das Distribuidoras) uma discussão de que as redes precisam ser construídas em outro patamar de resiliência. Os eventos têm se tornado mais frequentes. A rede é projetada para suportar ventos de 100 km/h. Mas aqui já chegou a 130 km/h. Para construir redes mais resilientes, o investimento é maior e rebate na tarifa. Não é uma solução que possa ser adotada de ponta a ponta. Não é viável no modelo setorial de hoje, em que cada centavo investido vira tarifa.
Quanto maior seria o custo?
Todo esse desenho começa agora nesses estudos. Mas já estamos trabalhando para uma estrutura mais resiliente por critério de projeto, não por padrão construtivo. Reconhecemos necessidade de mudar, mas não tudo. As mudanças estruturais passam pela discussão setorial.
Vieram equipes da Enel, de São Paulo, e da Light, do Rio de Janeiro. Como se equaliza isso depois?
Isso não é previsto na regulação. São as duas empresas no Brasil com maior expertise em rede subterrânea. Foram equipes dedicadas ao atendimento que tivemos que fazer no Centro Histórico. Tivemos de fazer uma medida inédita, abrir a malha do reticulado. Assumimos o risco de fazer. Quando você abre, você corre o risco de deixar uma carga incompatível com a quantidade de transformadores. Pode gerar uma sobrecarga. Ao gerar uma sobrecarga, os cabos queimam e derretem. Aí, teriam sido seis meses sem energia no Centro Histórico. Mas conseguimos energizar a parte alta, mantendo só a parte baixa, alagada, no escuro.
*Colaborou João Pedro Cecchini