Prevista para ser publicada no início de maio, esta entrevista foi realizada em dois momentos. No primeiro, uma das usinas da Gerdau no Estado estava alagada pelo dilúvio. No segundo, 50 dias depois, todas as unidades estão operando, e a companhia já doou R$ 25 milhões para a reconstrução do Estado. Reflete um pouco, dessa forma, o que ocorre nas vidas de muitos moradores e investidores no Rio Grande do Sul. Gustavo Werneck, CEO da Gerdau, foi eleito pela quinta vez seguida Executivo de Valor na categoria Mineração, Metalurgia e Siderurgia. O prêmio do jornal Valor Econômico reconhece executivos que se destacam por capacidades de liderança e gestão e também pela atuação em inovação, diversidade e inclusão, sustentabilidade e responsabilidade social.
Como a Gerdau atravessou a enchente no Estado?
A primeira atitude que tomamos, visando a proteção e segurança de todos, foi paralisar as atividades das unidades de Charqueadas e Riograndense, em Sapucaia do Sul. As operações da Gerdau no Rio Grande do Sul já foram retomadas e não foram impactadas pela chuva. A empresa ofereceu o apoio necessário aos funcionários, antecipou o adiantamento quinzenal aos que trabalham no Estado, liberou a primeira parcela do 13º salário e ampliou o programa Mais Cuidado, que dá assistência psicológica e social 24 horas por dia e concedemos férias remuneradas. Além disso, a Gerdau avalia como pode contribuir com a reforma das casas dos colaboradores que foram afetados por meio de seu programa Reforma que Transforma, e está doando equipamentos de linha branca, como geladeiras e fogões para essas pessoas.
Como a companhia atua na reconstrução?
A Gerdau é uma empresa gaúcha de 123 anos e nascida em Porto Alegre. Desde o primeiro momento, dialoga com autoridades para ver como pode contribuir, não só com ações emergenciais, mas com o futuro do Estado, principalmente na frente de infraestrutura. Não vamos medir esforços para estar ao lado da população gaúcha neste momento desafiador. A Gerdau já direcionou cerca de R$ 25 milhões em iniciativas de suporte, recuperação e reconstrução. Temos os fundos RegeneraRS, com o Instituto Helda Gerdau, e outro com a Gerando Falcões. Também direcionamos R$ 5 milhões para a reconstrução de escolas atingidas pela enchente, com suporte da Brasil ao Cubo, construtech que faz parte da Gerdau Next, o braço de novos negócios da Gerdau, que desenvolve obras que não ocorrem no terreno, mas dentro de um parque fabril, com maior controle dos processos. E a companhia forneceu mais de R$ 3,5 milhões em recursos e materiais destinados a construir pontes metálicas em parceria com a Randoncorp, além da Ponte de Agudo e do Parque de Exposições da Expointer, em Esteio. E está atuando na reforma do Hospital Regional de São Jerônimo.
Estabelecer cotas de importação sobre 11 tipos de aço que, uma vez atingidas, passam a ter tarifa de importação de 25% foi um avanço importante nas condições de isonomia competitiva.
A queixa do setor siderúrgico sobre invasão de aço chinês foi atendida?
Não foi na intensidade que a gente gostaria, mas no final foi positivo, agradecemos ao Ministério do Desenvolvimento. Não foi fácil chegar a essa solução. Do ponto de vista dos interesses do setor industrial, foi um avanço muito significativo. Estabelecer cotas de importação sobre 11 tipos de aço que, uma vez atingidas, passam a ter tarifa de importação de 25% foi um avanço importante nas condições de isonomia competitiva e contempla cerca de 25% dos produtos comercializados pela Gerdau no Brasil. E tem o compromisso de que o mercado será acompanhado de perto e, dependendo do que aconteça, outros tipos de aço podem ser incluído no sistema.
Havia uma preocupação dos consumidores de aço de que o preço subisse, há esse risco?
Não, até porque os preços no Brasil continuam competitivo com preços de mercado internacional. Não existe ambiente para elevação de preços. No acordo, ficou combinado que o governo vai monitorar os preços. O maior efeito é o aumento da utilização das usinas nacionais, o que dilui custos e é positivo para nós. A expectativa é que o impacto dessas regras devem ser observados a partir do segundo semestre de 2024.
Como está o mercado no Brasil?
Superestável, embora não deva crescer em grandes percentuais. A demanda do mercado doméstico não é problema para nós. A construção civil continua bem, com lançamentos. O problema do Brasil não é demanda, mas o fato de que havia sido tomada por esse crescimento de importações.
Houve houve muita festa para investimentos, mas boa parte é de veículos chineses que trazem tudo de fora, em módulos. A grande frustração, do nosso lado, é não ter um programa que preveja fornecedores locais.
Uma das unidades da Gerdau no Estado produz aço para o setor automotivo e houve muitos anúncios de investidores de montadoras, isso é promissor?
Impacta na nossa demanda de aço, mas a grande preocupação é de que houve muita festa para esses investimentos, mas boa parte é de veículos chineses que trazem tudo de fora, em módulos. A grande frustração, do nosso lado, é não ter um programa que preveja fornecedores locais. Não adianta fazer anúncio de montadora se vai trazer aço, peças e pneu da China.
Existe um plano para desenvolvimento de fornecedores no Nordeste, não?
Tem de estar escrito e formalizado. Nesse momento da economia, todos os sinais são de que a China vai continuar produzindo lá para manter o emprego lá. Isso deveria estar em um acordo formalizado com o Mdic, com prazo para desenvolvimento e definição de setores. Da forma como está, não acreditamos.
E também há investimentos de montadoras não chinesas.
Sim, uma parcela virá de montadoras tradicionais, como Stellantis e GM. É um é sinal positivo. Se de fato aumentarem a produção, não é só o consumo de aço que aumenta, beneficia a todos os fornecedores. Estamos muito preparados para atender a esse crescimento. Concluímos um ciclo de investimentos em Charqueadas e Pindamonhangaba.
A unidade de Charqueadas está preparada para atender a demanda de aço para produção de carros a combustão, híbridos e elétricos. O investimento feito garante os próximos 10 anos.
Como está a produção de aços especiais no RS?
A unidade de Charqueadas está preparada para atender a demanda de aço para produção de carros a combustão, híbridos e elétricos. O investimento feito garante os próximos 10 anos. Se a demanda de hoje for mantida, tem condições de atender integralmente. Mas, neste momento, está com um problema, que é baixa produção de veículos pesados. Nossa capacidade é de 60% para caminhões e ônibus, 40% veículos leves. Esse mercado de pesados estava começando a se recuperar entre março e abril, com aumento de pedidos de clientes.
E como está a operação da Gerdau nos EUA?
Continua voando. Não se vê sinal de curto prazo de que caia a entrada de pedidos. Há pacotes de incentivos que elevam o consumo de aço. Não vemos nuvem negra para os próximos trimestres. Estamos fazendo estudo de viabilidade para uma nova planta no México para atender o crescimento da indústria automobilística.
Isso é resultado da mudança da produção na Ásia?
Sim, é o nearshoring (deslocamento para países mais próximos). A SKF está anunciando investimento no México, como BMW e Tesla. Isso nos levou a fazer o estudo, que vamos concluir até final o ano.
O Brasil está perdendo o bonde. Seria uma grande oportunidade de se posicionar como fornecedor mais relevante para esse reposicionamento da América do Norte.
O Brasil pode se beneficiar desse movimento?
O Brasil está perdendo o bonde. Seria uma grande oportunidade de se posicionar como fornecedor mais relevante para esse reposicionamento da América do Norte. O país não tem conseguido uma relação mais intensa com os EUA para poder usufruir. No final do ano passado, a secretária de Comércio (Gina Raimondo) veio ao Brasil e expressou publicamente o desejo de evoluir nas relações. Passados seis meses, pouco foi feito entre dois países.
O que deveria ser feito?
Montar grupos de trabalho entre Brasil e EUA. Temos o desafio da transição energética, poderíamos cooperar mais nessa área. Os americanos querem produção com matriz mais limpa, o Brasil poderia estreitar relações comerciais e fornecer soluções. Falta pragmatismo para colaborar.