Beatriz Johannpeter é uma das diretoras do Instituto Helda Gerdau, nome de sua avó. A entidade foi criada em 2022, com a finalidade de usar filantropia no apoio a negócios com foco em impacto socioambiental positivo. Essa origem ajudou a definir as bases do fundo RegeneraRS, criado pelo instituto e pela maior empresa brasileira de siderurgia, a Gerdau, que ambiciona alcançar R$ 100 milhões para uma reconstrução mais sustentável do Rio Grande do Sul. Família e empresa já doaram R$ 30 milhões. Beatriz afirma que não haverá sobreposição de fundos privados: o RegeneraRS vai inclusive apoiar iniciativas do ReconstróiRS, liderado pelo Instituto Ling.
Por que a família decidiu doar uma soma elevada para a reconstrução do RS?
Participamos de operações emergenciais, ainda só com o instituto. Apoiamos o Movimento União BR, que estava na ponta, fazendo o resgate. Logo identificamos que aquele momento ia passar e não poderíamos perder a emoção das pessoas com o olhar voltado para o Estado. era preciso ajudar a encontrar um canal confiável de doação. Já abrimos uma conta para ações emergenciais, com doações de pessoas físicas da família. Nem todos ainda moram em Porto Alegre, mas esse é o berço da família e da empresa. Aí decidimos juntar o instituto com a Gerdau em um fundo filantrópico e trouxemos uma organização específica, a Din4mo, (especializada em negócios com impacto socioambiental positivo) para dar conta do desafio que será o RegeneraRS. A ideia é um fundo de fundos, aberto a todos, com forte governança para escolher as iniciativas que serão apoiadas.
Ninguém teve muito tempo para organizar essa retomada, que precisa de soluções mais resilientes, até porque o poder público ainda tem de dar conta das situações emergenciais.
Como vai funcionar?
Não vamos operar, vamos apoiar as iniciativas não só financeiramente, mas também com governança e tecnologia. Teremos um conselho deliberativo e um fiscal que vão atuar em cada tema, escolher projetos e empoderá-los. Sabemos da importância da participação da iniciativa privada e do terceiro setor, mas tudo é pequeno perto da relevância do que precisa ser feito. Vamos ajudar a estruturar, depois vamos financiar os programas. Vamos captar mais recursos, e parceiros maiores poderão ter assento na governança. Também vamos atuar com crowdfunding (financiamento coletivo) em plataformas e outros canais digitais. Vamos somar esforços e dar luz às melhores propostas. Ainda não houve muito tempo para organizar essa retomada, que precisa de soluções mais resilientes, até porque o poder público ainda tem de dar conta das situações emergenciais. Queremos ser referência em soluções mais sustentáveis, agora que a mudança climática está abrindo os olhos de muitas pessoas.
Como serão gerenciadas as outras doações ao fundo?
Os valores menores, em parceria com plataformas já reconhecidas, como Vakinha e Benfeitoria. Um dos nossos objetivos é incentivar a cultura da doação, que não é muito grande no Brasil. Agora queremos aproveitar o aprendizado da dor para que cada um coloque a mão no bolso, conforme as suas possibilidades. No Regenera, os conselhos vão examinar cada iniciativa, avaliar se as propostas vão obter os melhores resultados e garantir sponsors (espécie de padrinhos) ativos nas diferentes frentes.
Em infraestrutura, vamos apoiar a iniciativa do Instituto Ling, entendemos que lá haverá maior expertise nesa área.
Como serão abordadas cada uma das áreas?
Na habitação, vamos atuar com o fundo da Gerdau com a Gerando Falcões e outras iniciativas-âncora. Em soluções urbanas, vamos atuar com o Pacto Alegre, que tem medidas já traçadas na Porto Alegre Resiliente. Em infraestrutura, vamos apoiar a iniciativa do Instituto Ling, entendemos que lá haverá maior expertise nesa área. Em educação, já estamos em contato com a Secretaria de Educação do Estado e com o Movimento Brasil Competitivo (MBC), para atuar de forma bem focada, olhando mais para saúde mental de alunos e professores. Em negócios, vamos trazer apoiadores nacionais, como o Sistema B (comunidade global de líderes de empresas focada em mais inclusão, equidade e regeneração para pessoas e planeta), com alguma soluções já testadas na pandemia. Uma das possibilidades é usar recursos para dar crédito em condições facilitadas.
Ter mais de um fundo permite atuações mais focadas ou embute risco de sobreposição?
A ideia é tentar ter múltiplas iniciativas que sejam mais escaláveis e mais sustentáveis, cada uma na sua comunidade. Não podemos ter a pretensão de conhecer melhor as realidades locais, mas podemos ajudar com governança mais robusta, ajudando a identificar problemas e oportunidades com helicópteros e técnicos. Assim, é possível potencializar boas experiências, sem sobreposição. Um ajuda o outro no que tem mais capacidade. Há pressão para fazer da maneira mais rápida, mas às vezes não adianta ser mais rápido. Está faltando aprender com essas situações. As pessoas que estão limpando a lama e botando a mão no tijolo estão neste momento com mais dificuldade de ter um olhar de longo prazo. Podemos ajudar respeitando a comunidade local e estando abertos para escuta.
Governança e transparência são imprescindíveis. Teremos gestor de portfólio, tesouraria e controladoria, aos cuidados da Din4mo, que é especializada na área.
Como vê a tese de que até recursos privados usados na reconstrução devem ter acompanhamento público?
Sem dúvida, governança e transparência são imprescindíveis. No Regenera, teremos gestor de portfólio, tesouraria e controladoria, aos cuidados da Din4mo, que é especializada na área. Nem um centavo será aplicado sem esse cuidado. Como vamos receber recursos de outros atores privados, faremos tudo com absoluta transparência.
Será mesmo possível ter um Estado melhor do que era depois da reconstrução?
O RS pode se tornar referência em reconstrução mais sustentável. Não podemos só olhar com desespero uma situação assustadora. Precisamos acreditar que temos um projeto e podemos buscar soluções mais regenerativas, vem daí o nome do fundo. É uma oportunidade de mudar a mentalidade sobre questões ambientais e sociais. Hoje estamos enfrentando as consequências de decisões tomadas lá atrás, quando não se tinha a consciência da importância desses temas. Infelizmente, o aprendizado está ocorrendo pela dor. Então, que ao menos faça com que estejamos mais atentos, com olhar mais consciente. Estamos concretando cidades inteiras. Precisamos de cidades mais permeáveis e respeitar a área do rio. O mundo não é mais de quem ganha dinheiro depois doa dinheiro. Já é preciso fazer negócios com consciência social e ambiental.