O Movimento União BR se define como "o maior da América Latina especializado em desastres climáticos". Já apoiou mais de 28 milhões de pessoas e 3 mil ONGs em rede. Foi criado "despretensiosamente" por sua atual presidente, Tatiana Monteiro de Barros, durante a pandemia de covid-19, em 2020. Sócia da agência Multicase, formada em Administração Empresas, tem 42 anos, é casada, com duas filhas. Foi homenageada na ONU em outubro de 2021 como case mundial de sucesso na pandemia. No dilúvio de maio de 2024, sua entidade atua como repassadora de doações de grandes empresas, depois de ter conhecido bem o Rio Grande do Sul pela atuação na enchente de setembro de 2023.
Como o movimento chegou ao Estado?
Chegamos há nove meses, com a enchente de setembro de 2023. Já estive pessoalmente no Rio Grande do Sul algumas vezes e agora já estamos familiarizados com o território. Somos apartidários, só captamos da iniciativa privada e sentamos com todas as cadeiras, porque nossa atuação envolve pessoas e vidas. E sempre trabalhamos em rede, porque é no que acreditamos. Colocamos holofote em quem faz o trabalho na ponta. Na pandemia, chegamos a fazer doações ao Rio Grande do Sul, como usinas de oxigênio para hospitais. Mas na época nossa rede era menor e atuamos menos no Estado, pelo fato de o Sul ser uma região muito estruturada, tem menos vulnerabilidade.
É, antes da tragédia, o Estado tinha muita estrutura, agora muito menos.
É, não precisava tanto de apoio, como vários outros no Norte e no Nordeste. Agora estamos aí com uma rede de ONGs e cozinhas solidárias. Também sempre atuamos junto com a Defesa Civil. Temos escuta para saber o que o Rio Grande do Sul está precisando, não o que a gente quer dar. Por isso viemos nessa trajetória, distribuindo refeições, alimentos, produtos de higiene, colchões, geradores, fogões. Já estamos atuando há 10 meses, alinhados ao Estado. O recurso que arrecadamos fica 100% no local. Fazemos concorrências e entregamos legado para a região atingida. Não damos dinheiro, nem para ONGs, nem para o setor público. Agora, amplificamos nosso trabalho, temos uma rede de 25 ONGs e 40 cozinhas solidárias em 90 municípios. O resto chega com a Defesa Civil. É importante ter capilaridade, não importa se vamos atender muita ou pouca gente. Acreditamos na união de forças.
O movimento é o primeiro a chegar e o último a ir embora. Nesses últimos dois anos, estivemos em 27 locais com catástrofe. Nos especializamos em emergências, de saúde, climáticas ou de outro tipo, como a crise dos ianomâmis.
Como surgiu a entidade?
De forma muito despretensiosa. Em 2020, montei um grupo de WhatsApp com minha irmã, depois com um grupo de amigos, porque estávamos preocupados com a centralização dos recursos de combate à pandemia no Rio e em São Paulo. Sempre atuei como empreendedora social e tinha contato com muitas ONGs. Sou de uma família de lugar de privilégio, mas educada com muita responsabilidade, com base no 'ser é mais importante do que ter'. Sou paulista, mas sabendo das necessidades, tive medo de que os recursos ficassem parados.
Qual foi o alcance na pandemia?
Começaram a aparecer chamados, e abastecemos 36 de 78 hospitais do Amazonas com usinas de oxigênio, que podem funcionar por 20 ou 30 anos. No início, não tínhamos nem CNPJ. Mas o telefone não parava, secretarias de Saúde do Brasil inteiro começaram a pedir ajuda. Aí nos formalizamos, criamos o CNPJ, fomos trocando pneu com carro andando. Ajudamos 500 hospitais com insumos no Brasil. Nunca imaginei que estaria neste lugar quatro anos depois. Agora, se há emergência, estamos lá. O movimento é o primeiro a chegar e o último a ir embora. Nesses últimos dois anos, estivemos em 27 locais com catástrofe. Nos especializamos em emergências, de saúde, climáticas ou de outro tipo, como a crise dos ianomâmis.
Mesmo quando havia vários municípios atingidos, não teve nada nem perto do que aconteceu no Rio Grande do Sul. O que conseguimos fazer é usar a experiência em outros lugares para poder ajudar com soluções já testadas, no Brasil ou até fora.
Com essa experiência em outras emergências, já havia visto algo como o que ocorreu aqui?
Não, é algo nunca antes visto no Brasil. As nossas outras experiências eram todas com problemas mais localizados. Mesmo quando havia vários municípios atingidos, não teve nada nem perto do que aconteceu no Rio Grande do Sul. O que conseguimos fazer é usar a experiência em outros lugares para poder ajudar com soluções já testadas, no Brasil ou até fora. Tivemos um centro emergencial na fronteira da Ucrânia com a Romênia na guerra, também atuamos no Chile, com insumos ou soluções específicas. Agora vamos usar barracas para abrigos, como as de uso militar, em que cabem até 15 pessoas, para abrigar farmácias, lugar para o pessoal de apoio dormir, contêineres com sanitários e chuveiros para estruturar abrigos. Também virão carretas para atendimento de saúde, com cabines para pronto atendimento, com capacidade para 12 mil atendimentos em três meses. Temos filtros para abrigos que transformam água barrenta em potável e descontaminada, que usamos no caso dos ianomâmis.
A mudança climática vai produzir eventos severos com mais frequência e intensidade, vocês estão preparados para isso?
Voltei da COP, em dezembro, já com esse olhar. Já estamos fazendo estudos até para mudar algumas diretrizes. O União BR, com outras instituições, vai se focar em fazer legado prévio, preparar melhor alguns territórios, para que ao menos as catástrofes não tenham esse tamanho descomunal. É preciso prevenir. Alguns territórios são propensos. Com tudo o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, é um alerta. Temos muito trabalho pela frente, mas nada vai sozinho. A sociedade civil organizada, o poder público, as empresas, todos têm de agir, porque isso tudo é sobre todos.