A jornalista e o estudante de jornalismo que fazem esta coluna já lidaram com cifras impensáveis - de necessidade ao redor de R$ 90 bilhões só para infraestrutura - desde que a tragédia veio na forma de água para o Estado. Mas só depois de ver comparações como a do economista-chefe da casa de investimentos G5 Partners, Luis Otávio Leal, começaram a entender melhor o alcance do problema. Leal, assim como Sergio Vale, da MB Associados, usa como parâmetro para as projeções de perdas no Estado nada menos do que o furacão Katrina, que arrasou Nova Orleans e outras cidades no sul dos Estados Unidos em 2005. Nesta entrevista, Leal detalha os resultados dessa equação, com estragos no PIB, na inflação e no juro. A reconstrução do Estado passa por esses indicadores e, segundo Leal, por um investimento de R$ 85 bilhões. O valor também foi calculado com base na recuperação pós-Katrina.
Qual o impacto da tragédia no Rio Grande do Sul no PIB do Estado e do país?
Para chegar a essa conta, fizemos dois caminhos diferentes, mas encontramos os mesmos números. Em um dos caminhos, pegamos a economia do Rio Grande do Sul e analisamos os principais setores, agricultura, serviços e indústria. Chegamos a uma queda do PIB do Brasil entre 0,2 e 0,4 ponto percentual no ano. No caso do Rio Grande do Sul, queda entre 3,1 e 6,1 ponto percentual no ano.
Qual foi a outra abordagem?
É um pouco menos discricionária. Procuramos eventos semelhantes ao que está ocorrendo no Rio Grande do Sul para usar como parâmetro. Pensei nas cheias de 1941 e 1983, mas não havia dado. Cheguei a pensar no tsunami na Indonésia, em 2004, mas foi muito maior. Aí, achamos possível comparar com o furacão Katrina. Encontramos um estudo do Departamento de Comércio Americano que analisa a trajetória, trimestre por trimestre, do PIB americano na época do Katrina, e qual seria o PIB se não tivesse acontecido o Katrina. Trazendo esse estudo para o Rio Grande do Sul, o impacto da tragédia no PIB brasileiro seria de 0,3 ponto percentual no ano, muito próximo do resultado da outra abordagem. Para o Rio Grande do Sul, queda no PIB de 10,5 pontos percentuais no trimestre em que a tragédia ocorreu, ou seja, o período de abril a junho. E para o trimestre depois do evento (julho a setembro), queda de 7,5 pontos percentuais. Só haveria recuperação no último trimestre, com 7,7 pontos percentuais de alta. O PIB do Rio Grande do Sul no ano teria queda entre 4% e 6%.
O número de mortes no Katrina foi maior, mas aqui foi mais espalhado. A economia dos Estados Unidos é muito maior do que a brasileira, mas o tamanho da economia dos Estados de Louisiana e Mississipi é menor do que a do Rio Grande do Sul.
O que a tragédia do Rio Grande do Sul tem em comum com o Katrina?
Foram dois grandes eventos climáticos. No Brasil, não damos nome para tempestade, mas é similar em termos de impacto concentrado em um único lugar. O número de mortes no Katrina foi maior, mas aqui foi mais espalhado. A economia dos Estados Unidos é muito maior do que a brasileira, mas o tamanho da economia dos Estados de Louisiana e Mississipi é menor do que a do Rio Grande do Sul. É a melhor comparação que podemos fazer nesse momento.
Dá para comparar também em termos de investimento para reconstrução?
É um outro exemplo de comparação com o Katrina. Pegamos quanto os Estados Unidos gastaram para reconstruir a região de Nova Orleans. Fizemos com a proporção no PIB. Chegamos em R$ 85 bilhões para reconstrução do Rio Grande do Sul. Fiquei até satisfeito, porque um dos maiores especialistas em infraestrutura do Brasil, Claudio Frischtak, calculou em R$ 90 bilhões. A única coisa que vejo diferente é que os Estados Unidos, na época do Katrina, fez todo o investimento de uma vez só. Um ano depois, o PIB já tinha voltado para o patamar que estava antes. No caso do Brasil, com nossos limites fiscais e até governamentais, vai demorar mais tempo para as coisas voltarem ao normal. Mas o Rio Grande do Sul vai sair mais forte.
Tem um problema climático, reduz a oferta de alguns bens e puxa a inflação. Mas, por algum motivo, seja pela a reconstrução do Rio Grande do Sul, seja pelo aumento de importações do governo, a oferta vai se juntar com a demanda.
Qual o impacto da tragédia no Rio Grande do Sul na inflação e no juro?
Vai ter impacto na inflação. Em todo o país, a expectativa é de que seja um aumento próximo de 0,2 ponto percentual espalhado entre maio e junho, mas principalmente junho. O que ocorre é um típico choque de oferta. Tem um problema climático, reduz a oferta de alguns bens e puxa a inflação. Mas, por algum motivo, seja pela a reconstrução do Rio Grande do Sul, seja pelo aumento de importações do governo, a oferta vai se juntar com a demanda. Com relação ao juro, não vai ter impacto relevante. Por um lado, o Rio Grande do Sul vai puxar o PIB para baixo, o que pode fazer o Banco Central diminuir o juro para ajudar na recuperação. Por outro, tem um gasto, que, se estiver correto, é próximo de R$ 85 bilhões, quase 1% do PIB brasileiro. No fim, fica equilibrado.
Quais setores serão mais impactados pela tragédia e quais podem ser mais beneficiados durante a reconstrução?
O setor agropecuário vai sofrer bastante, principalmente agrícola. Setor de serviços também, principalmente pequenos negócios ligados ao consumo, até porque têm menos capacidade de se reconstruir rapidamente. O CPF se mistura com o CNPJ. O empreendedor perdeu a casa e o negócio juntos. Por outro lado, toda a cadeia de materiais de construção vai ter recuperação mais rápida, só podem ter problemas para repor estoque, pela logística. Outro que já está indo bem agora é o setor de alimentos, grandes supermercados, como Zaffari. O setor industrial também volta rápido, principalmente grandes empresas. Conseguem crédito barato, vão aproveitar as benesses do governo. O principal problema é como as pequenas empresas vão conseguir recursos para se recuperar.
*Colaborou João Pedro Cecchini