Com todas as cautelas que o momento exige, Claudio Frischtak, diretor da consultoria InterB, especializada em infraestrutura, aceitou fazer à coluna uma estimativa mais criteriosa dos recursos que o Rio Grande do Sul vai precisar para reconstruir sua infraestrutura. - estradas e redes de energia, telefonia, água e saneamento. Não entram nessa conta escolas, moradias, hospitais, nem vias e estruturas urbanas. Não porque Frischtak não as considere importantes, apenas porque não tem base de dados para elaborar a estimativa. A fórmula de cálculo é complexa, mas o especialista faz questão de explicar. Usou como parâmetro um indicador que acompanha há décadas, o "estoque de capital de infraestrutura": todos os investimentos feitos no país, com valor depreciado pelos anos de uso. Como não há separação por Estado, Frischtack estimou com base em população e participação no PIB, além do baixo volume histórico de investimentos no setor do Estado. O resultado foi o seguinte:
— Se for preciso reconstruir um terço da infraestrutura, seriam necessários R$ 70 bilhões. Se for metade, vai para R$ 90 bilhões.
Qual é o valor estimado das necessidades para recompor a infraestrutura do Estado?
Antes de mais nada, é preciso observar o alto grau de incerteza em relação ao que será necessário. Até porque não se trata só de capital, de bens coletivos, mas de capital individual (como casas e carros). Primeiro, não só as águas não baixaram, como o evento não terminou (alusão à forte chuva prevista até segunda-feira). Fazer estimativa agora é trocar pneu com carro andando.
Ainda há a questão de outras exigências de robustez, não?
Sim, não pode reconstruir nas bases antigas, porque o mundo está diferente. Infelizmente, o Rio Grande do Sul é o primeiro Estado a sofrer as consequências da mudança climática, que não ainda conseguimos conceber plenamente. Já ocorreram tragédias em cidades e em regiões, mas com esse alcance, a primeira vez é no Rio Grande do Sul. A forma de reconstruir terá de ser repensada com base no aumento de resiliência. Isso significa que vai custar mais caro. Quanto, vai depender da infraestrutura e do local. De forma muito estimada, hoje isso significaria entre 10% e 20% a mais. Então, com essas bases, se for preciso reconstruir um terço da infraestrutura, seriam necessários R$ 70 bilhões. Se for metade, vai para R$ 90 bilhões.
A situação não pode ser usada por gananciosos e oportunistas para ganhar em cima da tragédia do Rio Grande do Sul.
São números que impressionam...
Sim, mas é preciso que não sejam usados politicamente. Isso é só para a infraestrutura física, para a social nem saberia como estimar. Nesses valores, é bom lembrar que há capital privado. E isso não leva em conta as casas, as fábricas. É só para dar uma ideia da extensão da reconstrução. E tem de ser muito bem feito. A situação não pode ser usada por gananciosos e oportunistas para ganhar em cima da tragédia do Rio Grande do Sul. E também não pode ser usado por outros governos que querem repactuar suas dívidas (o governo gaúcho já obteve sinal positivo para uma revisão, com possível suspensão do pagamento). E, muito menos, estou fazendo essa conta para colocar a faca no pescoço do governo federal. Sou defensor do novo pacto de responsabilidade fiscal. Mas basta olhar historicamente para o nosso país, incluída a seca no Nordeste: não tem nada nessa escala. O Rio Grande do Sul é um caso de absoluta excepcionalidade.
Além da obtenção desses recursos, será um desafio fazer projetos e executar essas obras?
É preciso que o governo do Estado estabeleça uma estrutura de governança. É preciso olhar onde funcionou e onde não funcionou. Temos um déficit de governança muito grande no país, falo isso há anos. Fizemos uma análise de recursos do PAC, que não foi muito popular na Casa Civil (do governo federal), porque apontamos muito desperdício. As emendas parlamentares são um exemplo extremo desse déficit de governança.
Não faltam recursos humanos. O que falta é seriedade e compromisso com o bem público, com o bom governo. Se o Rio Grande do Sul conseguir demonstrar que tem isso, vai conseguir mobilizar recursos.
Como fazer isso?
É preciso ter uma estrutura de planejamento, programação, priorização, execução e avaliação de custo/benefício. Tudo isso? Tudo. Mas não é um bicho de sete cabeças. Tem como fazer. Existem experiências exitosas em outros lugares, com governança de primeiro nível.
Onde?
O Reino Unido tem uma excelente governança de infraestrutura, de investimento público e privado. A Nova Zelândia é um caso clássico, a Austrália também. Até o Chile, aqui do lado, tem excelência de governança há muitos anos. Claro, é diferente, um país menor, trabalhei com eles quando estava no Banco Mundial, podem ajudar. O Brasil não tem falta de gente competente. Não falta quem possa fazer análise de custo-benefício de qualidade, com competência e integridade. O que falta é seriedade e compromisso com o bem público, com o bom governo. Se o Rio Grande do Sul conseguir demonstrar que tem isso, vai conseguir mobilizar recursos. Tem muita gente sensibilizada com essa situação no Banco Interamericano de Desenvolvimento, no Banco Mundial, na CAF. Vai haver assistência técnica se precisar.