O Rio Grande do Sul conta com 768 cartórios extrajudiciais, dos quais 255 são ocupados por interinos. Nove das 50 unidades que mais arrecadaram no primeiro semestre no Estado, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), estão vagas aguardando um titular. Para que seja preenchida a titularidade é necessária a realização de concurso público. Enquanto não há essa definição, esses cartórios são chefiados por interinos nomeados pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). São concursados chefes de outros cartórios que acabam acumulando os cargos.
Os concursos públicos para chefe de tabelionatos e cartórios de registro nos Estados estão entre os mais difíceis do país. São pessoas que estudam por anos em busca desse objetivo. Entre os concorrentes, há juízes, desembargadores, promotores e procuradores de justiça, por exemplo, que já são concursados e com bons salários, mas que sabem que esses postos podem mudar radicalmente suas vidas em termos financeiros. É que, dependendo da colocação, a arrecadação é milionária. E todo o dinheiro, descontando impostos, pagamento da estrutura administrativa e de funcionários e taxas de serviço, fica com o responsável pela serventia. Mas não basta passar no concurso. É preciso ficar muito bem colocado para poder escolher entre os cartórios mais lucrativos vagos. Até porque boa parte das serventias ou não são tão lucrativas ou até dão prejuízo, tendo seus custos adicionais complementados pelo Tribunal de Justiça.
O tabelião ou registrador interino recebe um salário de até R$ 35.462,22 - que correspondendo a 90,25% do subsídio de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) -, paga todas as despesas e repassa o chamado excedente ao TJ-RS. No último semestre a corte gaúcha arrecadou R$ 49.047.399,00 com essa verba, conforme levantamento feito pelo tribunal a pedido de GZH. O total arrecadado pelos cartórios extrajudiciais de janeiro a junho de 2021 foi de R$ 657.019.608,00, sendo 23% (R$ 154.217.884,610) por interinos e 77% (R$ 502.801.723,39) por titulares.
Segundo o TJ-RS, há um concurso público em andamento desde 2019 para provimento de 165 vagas. Foi realizada a fase intermediária (prova escrita e prática) e falta a realização das provas de títulos e oral.
Campeões de arrecadação
O cartório que mais arrecadou no Rio Grande do Sul no primeiro semestre foi o Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre, que é ocupado por um titular, num total de 15.680.169,52. Ou, R$ 2.613.361,58 por mês. Já o terceiro que mais faturou no Estado foi um ocupado por interino. Trata-se do Registro de Imóveis da 4ª Zona de Porto Alegre, num total de R$ 11.940.707,13. Ou, R$ 1.990.117,85 por mês.
O TJ-RS realiza neste momento o terceiro concurso desde a resolução do CNJ que padronizou a forma dessas disputas pelo país. O primeiro começou em 2013 e terminou em no final de 2017. O segundo iniciou em 2015 com finalização em 2019. E o atual foi aberto em 2019, ainda sem previsão de término. O juiz-corregedor Maurício Ramires conta que a pandemia atrasou concursos pelo país, inclusive esse para chefe de cartórios extrajudiciais no Estado. Mas, segundo ele, esse tipo de concurso tem sido mais demorado do que a média. Conta que a peculiaridade dessa disputa é a grande litigiosidade que não existe em outros concursos.
— Se deve ao fato de a peculiaridade de concurso para cartório é que a colocação do candidato aprovado é mais importante para delegações de notas e de registro do que, por exemplo, concurso para juiz e para promotor — destaca Ramires.
Para o juiz-corregedor, o ideal seria abrir e fechar um concurso como esse em seis meses, como diz a Constituição Federal. Mas sabe que é difícil.
— Eu acho que um bom parâmetro que a gente gostaria de trabalhar é um concurso por ano — pondera.
O juiz-corregedor faz questão de ressaltar que não é interesse do TJ-RS atrasar concursos para cartório.
— Nós não trabalhamos com esse perspectiva. Nós temos sempre o objetivo de concluir os concursos o mais rápido possível, porque é do nosso interesse que todas as nossas serventias estejam preenchidas com titulares. O tribunal não vê os cartórios como uma forma de arrecadação — relata.
Há um processo tramitando há anos no STF sobre o destino do excedente de arrecadação dos cartórios extrajudiciais chefiados por interinos. Já há uma decisão definitiva de que esse dinheiro deve ser encaminhado aos tribunais enquanto a serventia estiver vaga. O que ainda segue em tramitação é o marco temporal de quando isso passa a valer. Enquanto isso, o dinheiro fica em contas judiciais dos tribunais.
Conforme o TJ-RS, há nessa conta desde 2013 R$ 333.939.420,30 aguardando o resultado do julgamento para que esse dinheiro tenha um destino.
Alvos de investigação
Nos últimos anos, cartórios extrajudiciais foram alvos de investigações no Rio Grande do Sul. Segundo o TJ-RS, das 255 vagas abertas atualmente para chefia de serventias, nove são de cargos em que o titular foi afastado por irregularidades ou ilegalidades. Atualmente, há 20 processos administrativos em andamento.
Saiba mais sobre o exercício do tabelionato
Ocupação
- O cargo de tabelião é exercido em caráter privado sob delegação do poder público por meio de concurso. Até 1988, era o governador do Estado quem nomeava os tabeliães, em geral alguém da família do tabelião anterior.
- A Constituição de 1988 e a lei 8.935 de 1994 mudaram a regra. Para ser tabelião ou oficial de registro é preciso ser bacharel em Direito e aprovado em concurso público específico, organizado pelo Tribunal de Justiça do Estado. Também se estabeleceu que cartórios não podem ficar vagos, sem abertura de certame, por mais de seis meses.
Direitos e deveres
- O cargo de titular de cartório é vitalício e dá direito ao lucro que a unidade gerar, descontado percentual repassado ao Tribunal de Justiça e impostos. O titular arca com gastos como água, luz e contratação de auxiliares, em regime de CLT – é permitido que sejam parentes.
- Em caso de afastamento do titular, o TJ nomeia substituto até que a vaga seja suprida por concurso. Nesse caso, o honorário do interino é 90,25% do subsídio de um ministro do STF, atualmente em R$ 35.462,22. O que sobrar, descontados o salário, o pagamento de taxas ao TJ e as despesas correntes, deve ser recolhido para conta judicial. O provimento número 45, norma estabelecida pelo CNJ, proíbe o interino de contratar novos servidores ou aumentar o salário deles sem prévia autorização do TJ.
Os tipos
Existem cinco. Em alguns municípios, parte deles pode funcionar em um mesmo estabelecimento.
- Registro Civil das Pessoas Naturais: Emite certidões de nascimento, casamento e óbitos.
- Registro de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas: Certifica autoria de obras literárias, contratos de parcerias e associações e documentos de estrangeiros.
- Registro de Imóveis: Registra a matrícula de casas, apartamentos e terrenos.
- Tabelionato de Notas: Lavra escrituras de compra e venda, permuta e doações de bens e testamentos.
- Tabelionato de Protestos: Cobra títulos de devedores.