Em um dos mais antigos e tradicionais cartórios do Rio Grande do Sul, o 2º Tabelionato de Notas de Porto Alegre, teria sido identificada a maior fraude registrada até hoje no serviço notarial do Estado. Conforme apuração do Ministério Público (MP) e da Corregedoria-Geral de Justiça, tabeliães que comandavam essa unidade teriam se envolvido em desvio de dinheiro de clientes e de impostos. Até o momento, o cálculo é de que o golpe tenha resultado em prejuízo de R$ 1 milhão.
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Já foram identificadas 39 vítimas, mas o total de pessoas lesadas pode passar de cem. Os crimes teriam acontecido entre 2011 e 2015. Na época, esse cartório faturava cerca de R$ 1 milhão mensais. Os principais prejudicados seriam clientes que pagaram por contratos ou escrituras falsos, sem qualquer valor legal. A fraude aconteceria de três formas:
1 - Documento inválido: o cartório chancelava contratos de particulares (compra de imóveis e carros, em geral), carimbava os papéis, mas não informava o poder público da existência desse negócio. Tabeliães deixariam de fazer registro no livro-tombo. Com isso, legalmente, o negócio ficava sem valor.
2 - Registro inexistente: outra forma, um pouco mais sofisticada, consistiria em recolher dinheiro para registrar a venda de um imóvel (não um simples contrato, mas o registro definitivo, com matrícula). Sem que os envolvidos no negócio suspeitassem, esse registro seria falsificado, e o dinheiro, desviado.
3 - Sonegação de imposto: o cartório deixaria de repassar ao poder público valores do recolhimento de taxas e impostos pagos pelos clientes, como o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
– Eles simplesmente ficavam com o dinheiro do imposto e o município não recebia nada. Nos contratos, não davam para as partes nenhum tipo de documento ou, quando davam, era falso – resume o promotor Flávio Duarte, que liderou a investigação.
O principal envolvido era o tabelião substituto Dirceu Campos do Amaral, que morreu recentemente. Ele foi denunciado por 39 crimes, de peculato (servidor que se apropria de recursos públicos), estelionato e lavagem de dinheiro. Conforme o MP, ele teria recebido valores de pagamento de ITBI sem fazer a quitação na prefeitura, embolsando o dinheiro. Em decorrência da morte, o réu não chegou a ser julgado.
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Dezenas de vítimas pedem indenização
O outro acusado é Luiz Carlos Weizenmann, que na época dos desvios era titular do 2º tabelionato. Ele assegura que não tomou parte nas ilegalidades e que afastou Amaral. Mas o MP achou assinaturas de Weizenmann em papéis invalidados e, por isso, ele foi denunciado por falsidade ideológica. Com a morte do interino, caberá a ele responder ainda a dezenas de processos com pedidos de indenização das vítimas.
O 2º Tabelionato de Notas está sob intervenção do Tribunal de Justiça (TJ). Em alguns casos, o próprio cartório está devolvendo dinheiro aos lesados e providenciando documentos autênticos. Em outros, o prejudicado teve de recorrer à Justiça.
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CONTRAPONTOS
O que diz Luiz Carlos Weizenmann:
O advogado José Antônio Paganella Boschi afirma que o cliente foi induzido ao erro por Dirceu Campos do Amaral. Diz que Weizenmann assinou, na confiança, a chancela de contratos e escrituras e calcula que, em dois anos, ele avalizou em torno de 10 mil documentos. Assegurou que estão sendo providenciadas novas escrituras às vítimas.
"Weinzenmann não tinha dever de assinar todas as escrituras, o subordinado fazia isso e ele confiou. Estão cometendo uma injustiça", afirmou Boschi.
O que diz a advogada de Dirceu Campos do Amaral, Árima da Cunha Pires
"Ele assumiu os desvios, tudo o que fez. E se propôs a colaborar com o Ministério Público, talvez numa delação premiada. Estava assustado com as indenizações milionárias que as vítimas estavam pedindo. Aí, ficou doente e faleceu."