Um ano, três meses e 16 dias depois, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) concluiu a investigação sobre a conduta de três policiais que demoraram 85 horas para registrar o acidente que causou a morte de Bárbara Andrielli Mendes de Moraes, 15 anos, na freeway.
A colisão foi provocada por um médico que, segundo o Ministério Público (MP), estava bêbado, mas não foi submetido ao teste do bafômetro. A conclusão da PRF é de que os agentes descumpriram o manual de acidentes da corporação ao não registrarem o fato imediatamente. A corporação diz que isso ocorreu “devido a troca de plantão” dos agentes.
Ainda segundo a PRF, o teste do bafômetro não foi realizado no local em função do atendimento médico. A corporação acrescenta que, no hospital, o procedimento deixou de ser feito por falta de meios da instituição de saúde.
Foi determinada a suspensão de dois dias para um dos agentes que atenderam a ocorrência no local. O outro recebeu suspensão de um dia. Para o terceiro, que coordenava a guarnição desde a base, a punição foi uma advertência. A definição da punição foi do superintendente da PRF no Rio Grande do Sul, Luis Carlos Reischack Júnior.
O término da investigação foi adiado cinco vezes. Em nota, a corporação disse que o trabalho foi "minucioso" e desenvolvido por uma comissão interna, composta por policiais considerados de conduta isenta. A PRF garante que foram ouvidos "todos os envolvidos e testemunhas apontadas" e respeitado o contraditório e a ampla defesa".
Segundo a PRF, ainda cabe recurso da determinação do superintendente pelos agentes - que não tiveram os nomes informados pela corporação.
Um dos policiais chegou a ser indiciado pela Polícia Civil por prevaricação — quando um funcionário público deixa de realizar sua função. Depois, o nome dele foi retirado do processo principal para que responda ao judiciário federal. No indiciamento, o delegado Valdernei Tonete disse que o policial foi maleável em razão do motorista ser um médico.
O Ministério Público Federal (MPF) afirma que o caso está em análise no órgão.
Fatos investigados
À época do acidente, GaúchaZH confirmou que não foi feito o teste do bafômetro no motorista, o médico Leandro Toledo de Oliveira, nem no local do acidente e nem no hospital de Santo Antônio da Patrulha, onde ele foi levado para atendimento após apresentar um ataque de asma. Em depoimento, depois de serem investigados, os policiais declararam que ele recusou o teste. A informação, no entanto, não consta no boletim de ocorrência, registrado na Polícia Civil 85 horas após o acidente.
Em 19 de junho de 2019, a Justiça de Santo Antônio da Patrulha tornou o médico réu por homicídio doloso eventual — quando se assume o risco de matar — duplamente qualificado e outras três tentativas de homicídio. Segundo a denúncia, "bêbado e em alta velocidade", o acusado atingiu duas motocicletas na BR-290, a freeway, no dia 3 de março de 2019, causando a morte de Bárbara Andrielli Mendes de Moraes, 15 anos.
O processo sobre o acidente ainda está em fase inicial e não foi realizada nenhuma audiência. Um outro processo, movido pela família, busca reparação por danos causados pelo acidente.
A batida do carro do médico com as duas motos também feriu o pai, a mãe e um amigo da família da adolescente, que viajavam juntos e foram arremessados com a força da colisão. A mãe da vítima quebrou os ossos de uma das pernas e até hoje não conseguiu voltar ao trabalho.
O médico responde em liberdade. GaúchaZH procurou nesta segunda-feira (22) a advogada dele, Karina Mombelli Sant'ana. Para ela, não há "nenhum elemento probatório capaz de comprovar o estado etílico do réu no momento do acidente, sendo infundada a afirmação de que ele estava embriagado na ocasião do sinistro".
Os pais de Bárbara têm sequelas da colisão até hoje. A mãe não consegue mais trabalhar. O pai, Douglas Samuel Ozório de Moraes, é motoboy e segue trabalhando apesar das dores no corpo.
Linha do tempo
3/3/2019 – Batida na freeway mata Bárbara e fere seu pai, mãe e amigo. Testemunhas dizem que o motorista apresentava sinais de embriaguez. Médico, com CNH suspensa, declara ter crise de asma, é levado para hospital e liberado sem sequer comparecer em uma delegacia ou passar por bafômetro
6/3/2019 – Enquanto GaúchaZH procurava informações sobre o acidente com autoridades, o caso é registrado pela PRF na Polícia Civil, 85 horas depois. Nem sequer a assessoria de comunicação da corporação no Rio Grande do Sul sabia do ocorrido. A reportagem tem acesso ao documento e percebe que o médico não foi submetido ao teste do bafômetro. A PRF diz que vai abrir sindicância para apurar os fatos
7/3/2019 – Procurado pela reportagem, o delegado responsável pela investigação, Valdernei Tonete, afirma que o caso não será prioridade e será apurado "na medida do possível"
8/3/2019 – Após a entrevista, a chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Nadine Anflor, determina que a delegacia priorize a investigação, diz que o delegado se enganou e oferece agentes para reforçar a equipe
14/3/2019 – Os três policiais rodoviários que atenderam o acidente prestam depoimento em sindicância interna para esclarecer o motivo na demora para registrar a ocorrência e de não submeter o motorista ao bafômetro
20/3/2019 – Defesa diz que médico envolvido em acidente com morte na freeway não sabia que estava com CNH suspensa e que ele não havia bebido
22/3/2019 – Mãe de adolescente recebe alta do hospital. Em junho, ela ainda apresenta dificuldades de locomoção
9/4/2019 – Médico é indiciado pela Polícia Civil, um mês e seis dias depois do acidente. Apesar de constatar embriaguez, polícia entende que o caso é um homicídio culposo – sem intenção de matar. Policial rodoviário é indiciado por prevaricação
12/4/2019 – Quatro dias após indiciamento, reportagem de GaúchaZH tem acesso ao inquérito. Até então, delegado não havia detalhado a investigação para a imprensa. Documento aponta que médico voltava de festa, supostamente embriagado e em alta velocidade
8/5/2019 – PRF entende que houve "possível erro de conduta" de agentes e abre processo que pode resultar em demissão de policiais. O prazo da apuração termina em julho
11/6/2019 – Ministério Público diverge da polícia e diz que médico cometeu homicídio com dolo eventual – assumindo o risco dos seus atos
19/6/2019 – Justiça torna réu motorista por homicídio qualificado com dolo eventual e três tentativas de homicídio
8/7/2019 - PRF pede 60 dias para finalizar processo contra policiais
10/9/2019 - Após seis meses, PRF pede mais 60 dias para terminar a investigação interna
6/11/2019 - Investigação contra policiais por demora de 85 horas para registro de acidente com morte é novamente adiada
20/1/2020 - Após 10 meses, PRF colhe depoimentos de agentes que demoraram 85 horas para registrar acidente com morte
3/3/2020 - Após um ano da morte, família da menina ainda aguarda término da investigação contra policiais e longo processo na Justiça
21/05/2020 - Após mais de um ano, PRF finaliza apuração contra agentes que demoraram 85 horas para registrar acidente com morte. Punição ainda não havia sido aplicada.
19/06/2020 - PRF determina suspensão a policiais.