2013
Em 27 de janeiro, em Santa Maria, ocorreu a maior tragédia da história do Rio Grande do Sul. O incêndio na boate Kiss matou 242 pessoas. Tudo começou quando músicos que se apresentavam acenderam sinalizadores, feitos para ambientes externos, que provocaram fogo na espuma de isolamento acústico do teto. Altamente inflamável, a espuma gerou uma fumaça preta e tóxica, que tomou conta do local - acionados, extintores não funcionaram. Desesperadas, centenas de pessoas que se divertiam na festa tentaram fugir pela porta da frente da boate - único acesso, e ainda obstruída por barras de ferro. Muitas não conseguiram.
Além de superlotada, a Kiss havia passado por reformas realizadas sem projeto aprovado por autoridades e sem responsável técnico. O inquérito sobre o incêndio apontou também falhas na fiscalização do local e na emissão de alvarás.
O amanhecer de domingo foi de angústia para famílias que tentavam localizar os seus em hospitais e postos de saúde da cidade:
Um velório coletivo foi organizado no ginásio do Centro Municipal de Desportos, o Farrezão - em um salão ao lado do qual famílias ainda faziam o reconhecimento de corpos. A então presidente, Dilma Rousseff, foi a Santa Maria encontrar familiares de vítimas da tragédia.
No dia seguinte, Mauro Hoffmann, um dos sócios da boate Kiss, foi preso. Em dois meses, a Polícia Civil responsabilizou 35 pessoas por falhas que levaram ao incêndio – 16 por crimes comuns (incluindo homicídio), 10 por crimes previstos no Código Militar e os demais por omissões que caracterizam improbidade administrativa. Apenas quatro foram presos: além de Hoffmann, seu sócio, Elissandro Spohr, e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha de Leão, que acenderam o sinalizador causador do fogo. Eles seriam soltos em maio daquele ano.
A pedido de Zero Hora, familiares escreveram cartas às vítimas 30 dias depois da tragédia:
2014
Homenagens e protestos marcaram o primeiro aniversário do incêndio:
A limpeza e descontaminação do prédio da boate Kiss foi realizada um ano e nove meses depois da tragédia. Foi preciso uma semana para remover parte da estrutura que sustentava o forro, o mobiliário e equipamentos eletrodomésticos.
Lei Kiss: o Diário Oficial do Estado publicou a regulamentação da lei de prevenção a incêndios do Rio Grande do Sul em setembro de 2014. A Lei estadual 14.376, a chamada Lei Kiss, estava em vigor desde dezembro de 2013 e, na prática, já era tida como base para as exigências dos bombeiros.
2015
Marcelo de Jesus dos Santos, Luciano Bonilha Leão, Elissandro Spohr, e Mauro Londero Hoffmann, são acusados por homicídio com dolo eventual (quando a pessoa assume o risco de matar) qualificado (por asfixia, fogo e motivo torpe) de 242 pessoas e tentativa de homicídio de outros mais de 600 feridos. Spohr, conhecido como Kiko, foi interrogado em Santa Maria em dezembro de 2015 e se defendeu das acusações.
— O que causou o fogo foi a brincadeira errada. Foi um erro o Marcelo (de Jesus dos Santos, vocalista de uma banda) ter usado o artefato luminoso que causou o incêndio. Mas ele não queria matar ninguém. Com certeza, não. Ninguém queria - disse, em lágrimas.
Mauro Hoffmann foi interrogado no Foro Central de Porto Alegre e direcionou as causas da tragédia ao uso de artefatos explosivos pela banda Gurizada Fandangueira e à omissão das autoridades que fiscalizaram a casa noturna, principalmente o Ministério Público.
— Falar agora é fácil. Estava tudo aprovado, tudo certo. Eu estou aqui porque confiei no Ministério Público. A última palavra que precisava foi dada através de um termo assinado (o TAC). O acidente teria sido muito mais violento com a planta original. O que motivou o incêndio foi o fogo de artifício. Sem ele, ninguém estaria nessa situação — disse.
Ato promovido pela Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia lotou ginásio do Colégio Franciscano Sant'Anna, em Santa Maria, e teve chuva de pétalas e balões brancos no céu.
2016
O Ministério Público reduziu o número de responsabilizados de 35 para apenas oito (quatro por homicídio doloso qualificado, dois por fraude processual e dois por falso testemunho). A lentidão nas punições é uma grande frustração para os parentes das vítimas.
Em novembro, o MP também arquivou o inquérito civil instaurado para investigar a responsabilidade do prefeito de Santa Maria à época do incêndio, Cezar Schirmer, e de outros agentes públicos municipais. As investigações concluíram que houve falhas dentro da prefeitura, como a falta de comunicação entre o cadastro imobiliário (que expediu o alvará de localização da danceteria e o renovou duas vezes) e a Superintendência de Análise de Projetos e Vistorias (que não autorizou reforma predial na boate). No entanto, o MP não entendeu que tais falhas tenham sido responsáveis pelos fatos que levaram ao incêndio.
2017
Quatro anos anos após a tragédia, três pais e uma mãe de vítimas da boate Kiss foram processados por "calúnia e difamação", por terem ligado promotores e advogados às causas da tragédia. Sérgio Silva, Flávio Silva, Paulo Carvalho (no detalhe) e Irá Beuren acabaram absolvidos a pedido do Ministério Público.
Flávio Silva, pai de Andrielle, vítima da tragédia de Santa Maria, guarda as chaves do prédio onde morreram 242 pessoas em 27 de janeiro de 2013. Pelos olhos dele, ZH mostrou o interior da casa noturna, mais de quatro anos depois do incêndio:
2018
As tatuagens que eternizam os mortos: matéria especial de GaúchaZH retratou mães, pais, irmãos, primos, amigos e sobreviventes enlutados que exibem nomes, frases e rostos gravados pelo corpo, cinco anos depois.
Por meio de um concurso nacional de arquitetura foi escolhido um projeto para o memorial que deve ser construído onde ficava a boate. O projeto vencedor é do arquiteto Felipe Zene Motta, de São Paulo. Apesar do projeto arquitetônico estar pronto, ainda faltam recursos e a demolição do prédio – o que só irá ocorrer após o desfecho judicial do caso. Por enquanto, a Kiss segue em ruínas.
2019
Programação de homenagens: para este fim de semana, quando a tragédia completa seis anos, um calendário de programação foi montado pela Associação de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM). As atividades começam neste sábado (26), com a realização de um seminário, no auditório da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que falará sobre segurança, tecnologia e normas técnicas na prevenção de tragédias evitáveis.
Às 21h será o início da vigília, na tenda dos familiares que fica na Praça Saldanha Marinho e às 23h, cavalarianos de São Gabriel que estão em percurso desde o dia 23, chegarão em frente à boate, na rua dos Andradas, em forma de homenagem às vítimas.
O domingo (27) contará com o lançamento do projeto de reestruturação da tenda onde são realizadas as vigílias pelos familiares de vítimas - na Praça Saldanha Marinho. Ainda que não dê mais detalhes sobre como será a renovação do espaço que é ponto de encontro para lembrar e homenagear os jovens mortos no incêndio, no centro da cidade, o vice-presidente da associação adianta que o projeto da estrutura – elaborado por uma equipe de professores e alunos da Universidade Franciscana (UFN) – evidenciará a importância daquele local seguir como referência para lembrar a tragédia: