Seis anos depois de o incêndio da boate Kiss deixar 242 mortos e 623 feridos, não há qualquer perspectiva de os quatro réus no principal processo criminal sobre a tragédia receberem veredito. Sequer está decidido se o caso irá ao Tribunal do Júri — quando um grupo de pessoas da comunidade decide se os acusados são culpados ou inocentes — ou se será um julgamento simples, em que apenas um juiz decide o destino dos réus.
Acusados por homicídio doloso qualificado, com pena pode chegar a 30 anos de reclusão, os sócios da Kiss Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão foram pronunciados em 27 de julho de 2016 pelo Juiz Ulysses Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, para ir a júri. Tiveram recurso negado ainda na 1ª instância e recorreram ao Tribunal de Justiça (TJ).
Em 1º de dezembro de 2017, 1º Grupo Criminal do TJ reverteu a decisão. Ao julgar pedido de afastamento da classificação das mortes no incêndio como homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar, mesmo que sem intenção), houve empate em 4 a 4 entre os desembargadores, e o entendimento final foi de benefício aos réus, para serem julgados por outro crime, como homicídio culposo e incêndio, por um juiz criminal de Santa Maria. A pena, nesses casos, seria de um a três anos de detenção, mas que pode ser agravada.
Em 2 de março de 2018, o 1º Grupo Criminal negou recurso do Ministério Público (MP) e manteve a decisão. O MP fez nova apelação e, em 13 de julho do mesmo ano, o TJ aceitou a admissibilidade e remeteu o caso para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). No momento, a decisão sobre o dolo eventual está com o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz. Após parecer, ele enviará o processo a plenário para sentença coletiva. Não há prazo previsto.
Muita gente acredita que há demora demasiada para o julgamento. Mas o próprio advogado da Associação de Familiares de Vítimas da Boate Kiss, Pedro Barcelos Junior, considera que o processo transcorre dentro de prazo normal para casos desse tipo:
— São quatro réus, mais de 800 vítimas (entre mortos e feridos) e mais de 300 testemunhas. Difícil ir ligeiro com uma ação dessa envergadura. Além disso, questões vitais não foram definidas, como quem irá julgar. É preciso lembrar que cada decisão pode ser questionada por muitos recursos, da defesa e da acusação. Essa é a lei brasileira. Acabei de absolver um réu de homicídio em que só uma pessoa era acusada, só uma era vítima, e o processo levou cinco anos.
Demais processos também sem decisão
Além dos quatro réus, a denúncia original do MP citava outras quatro pessoas. Dois bombeiros foram acusados por fraude processual em documentos do inquérito sobre o incêndio. Um fez acordo com a Justiça e outro, após uma série de recursos, obteve recentemente na 4ª Câmara Criminal do TJ decisão confirmando que sua possível pena havia prescrito. Completavam a lista dois nomes ligados à boate, acusados de falso testemunho sobre a composição societária da casa noturna. Mas, em dezembro de 2014, os promotores fizeram aditamento: mudaram o crime para falsidade ideológica e incluíram nove réus, entre os quais Kiko, a mãe e uma irmã dele. Esse processo segue em tramitação.
Há ainda outra denúncia por falsidade ideológica, relacionada à fraude em assinaturas de consulta popular sobre a abertura da Kiss em 2009. A ação, também de 2014, foi dividida. Em uma parte, 14 dos acusados fizeram acordo com a Justiça e tiveram a punição extinta. Seguem tramitando outras duas: a original, com 11 réus, e uma segunda, com nove acusados.
Na Justiça Militar, processo criminal contra três bombeiros também segue sem decisão definitiva. O recurso mais recente aguarda julgamento do relator no STJ, Schietti, desde maio de 2018.