Menos de dois meses depois do incêndio na boate Kiss, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas. No total, o documento divulgado em 22 de março de 2013 responsabilizava 28 pessoas, entre as quais o então prefeito de Santa Maria e ex-secretário estadual da Segurança Pública, Cezar Schirmer.
Passados 11 dias, veio a decepção para sobreviventes e familiares das vítimas da tragédia. Em 2 de abril daquele ano, o Ministério Público (MP) apresentou denúncia contra apenas oito envolvidos, transformados em réus pela Justiça no dia seguinte. Os agentes públicos ficaram de fora.
De lá para cá, apenas um dos denunciados pelo MP foi condenado, mas, após recursos, teve a penalização extinta por prescrição. Em paralelo, na Justiça Militar, três bombeiros também receberam sentenças. Mas todos seguem recorrendo, em liberdade. Nenhum dos apontados pela tragédia que resultou na morte de 242 pessoas está preso.
Confira abaixo a situação atual de todos os processos criminais relacionados à tragédia da Kiss:
Processo principal
Acusados por homicídio doloso qualificado, os sócios da Kiss Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão foram pronunciados em 27 de julho de 2016 pelo Juiz Ulysses Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, para ir a Júri Popular. Tiveram recurso negado ainda na primeira instância e recorreram ao Tribunal de Justiça (TJ).
Em 1º de dezembro de 2017, 1º Grupo Criminal do TJ, que reúne desembargadores da 1ª e 2ª câmaras criminais, decidiu que os réus não deveriam ir a júri. Ao julgar pedido de afastamento da qualificação das mortes no incêndio como homicídio com dolo eventual, houve empate em 4 a 4 entre os desembargadores, e o entendimento final foi de benefício aos réus para serem julgados por outro crime, como homicídio culposo e incêndio, por um juiz criminal de Santa Maria.
Em 2 de março de 2018, o 1º Grupo Criminal negou recurso do MP e manteve a decisão. O MP fez nova apelação e, em 13 de julho do mesmo ano, o TJ-RS aceitou a admissibilidade do recurso, e a decisão sobre o dolo eventual ficará a cargo do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ação contra bombeiros
Na denúncia original do MP, dois bombeiros foram acusados por fraude processual em documentos do inquérito sobre o incêndio. Em 1 de setembro de 2015, Gerson da Rosa Pereira, ex-chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros (4º CRB), foi condenado a seis meses de detenção, convertidos em prestação de serviços comunitários. No TJ, teve negado pedido para reverter a pena em pagamento de multa. Recurso contra a condenação foi negado pela 4ª Câmara Criminal do tribunal.
A defesa recorreu ao STJ, que acolheu parcialmente o pedido, convertendo a pena em pagamento de multa. Os advogados de Pereira entraarm, então, com novo recurso na 4ª Camara Criminal, alegando prescrição do caso, e a tese foi acolhida por unanimidade, extinguindo a condenação. O outro denunciado, Renan Severo Berleze, fez acordo com a Justiça teve o processo suspenso.
Falso testemunho sobre sociedade da Kiss
Completavam a lista original do MP Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e Volnei Astor Panzer, contador da boate. A acusação era de falso testemunho sobre a composição societária da casa noturna mas, em dezembro de 2014, os promotores fizeram aditamento mudando o crime para falsidade ideológica e incluindo outros nove réus, entre os quais Kiko, a mãe e uma irmã dele. O processo realizou audiências no em novembro do ano passado e segue em tramitação.
Falsidade ideológica em consulta popular
Também no último mês de 2014, o MP fez nova denúncia por falsidade ideológica, desta vez relacionada à fraude em assinaturas de uma consulta popular sobre a abertura da Kiss em 2009. A Justiça aceitou a acusação contra 34 pessoas. Depois, o processo foi dividido. Em uma parte, 14 dos acusados fizeram acordo com a Justiça e tiveram a punibilidade extinta. Seguem tramitando outras duas ações: a original, com 11 réus, e uma segunda, com nove acusados.
Ação contra três bombeiros na Justiça Militar
Na Justiça Militar, houve duas condenações em 3 de junho de 2015 pelo crime de inserção de declaração falsa, relativo à concessão irregular de alvará da Kiss. E, em dezembro daquele ano, a segunda instância aumentou as penas e sentenciou um acusado que havia sido absolvido na primeira instância.
Os três recorreram ao pleno do Tribunal de Justiça Militar (TJM), que em outubro de 2016, tomou a decisão mais recente. Moisés Fuchs, tenente-coronel da reserva e ex-comandante do 4º CRB, teve fixada pena de um ano e três meses de reclusão, o capitão Alex da Rocha Camillo recebeu pena de um ano, e o tenente-coronel da reserva Daniel da Silva Adriano voltou a ser considerado absolvido.
Houve novos recursos de Moisés, Alex e do MP à vice-presidência do TJM, que acolheu o pedido e remeteu o caso ao STJ. O agravo em recurso especial aguarda julgamento do relator, ministro Rogerio Schietti, desde 8 de maio de 2018.
Agentes públicos
Em março de 2016, a promotoria de Santa Maria recomendou arquivamento do inquérito que apurava responsabilidades de Schirmer — então secretário Estadual da Segurança Pública —, dois secretários municipais e dois servidores da prefeitura na época do incêndio. Em novembro de 2016, o Conselho Superior do Ministério Público acatou a sugestão e sepultou a investigação.