Os olhos do Brasil se voltaram nos últimos dias para Paris. Como num passe de mágica, os brasileiros parecem ter voltado ao passado, quando testemunharam nas quadras de Roland Garros o surgimento de um ídolo do esporte nacional. No dia 8 de junho de 1997, o catarinense Gustavo Kuerten surpreendia o mundo e, aos 20 anos, conquistava o Aberto da França, um título tão improvável quanto o Brasil ter um número 1 do mundo, algo que seria atingido por ele três anos depois. Agora, a vez é de Beatriz Haddad Maia, ou simplesmente Bia, que quando Guga venceu o torneio parisiense tinha apenas 374 dias de vida.
— A Bia foi incrível. Ela tinha 13 anos quando apareceu na minha academia (em Balneário Camboriú) pra treinar uma semana com a gente. Depois disse: "não quero mais ir embora daqui. Pai eu não quero mais ir embora". Ela foi para São Paulo e largou tudo pra voltar pra academia. E eu disse como vou fazer para atender ela aqui ? — revelou em entrevista à Rádio Gaúcha o técnico Larri Passos, que treinou Guga Kuerten em quase toda sua carreira.
Larri acabou trabalhando com a paulista canhota, que rapidamente começou a atingir ótimos resultados na categoria juvenil e, aos poucos, participar de torneios menores, na categoria profissional. Ainda no júnior, disputou duas finais de duplas em Roland Garros, em 2012 e 2013, e em ambas foi vice-campeã. A primeira com a paraguaia Montserrat González como parceira e, a segunda, atuando com a equatoriana Domenica González.
— A Bia é a nossa menina de ouro. Desde jovem, ela já tinha essa resiliência, já tinha na cabeça o que queria ser. E para o mundo do tênis, é uma menina simpática, feliz, que deve ser copiada. O trabalho que ela fez, o sacrifício, é fantástico— comemora o treinador gaúcho, que recentemente esteve em Porto Alegre em evento promovido pela Federação Gaúcha de Tênis (FGT).
E essa questão de ser resiliente, Bia tem mostrado a cada jogo em Roland Garros. Exceção ao jogo de estreia, quando precisou de apenas 64 minutos para superar a alemã Tatjana Maria, ela precisou lutar e muito para seguir no torneio e vencer suas demais partidas, sempre em três sets. No total, ela já esteve em quadra por 13h55min, o que comparado às 6h32min que duraram todos os cinco jogos disputados por sua adversária na semifinal desta quinta (8), a polonesa Iga Świątek, equivale a como se a brasileira tivesse disputado 10 partidas na competição.
Mas essa marca citada por Larri sempre esteve com a tenista nascida em São Paulo e que aos 15 anos conquistou seu primeiro título de simples em torneio profissional, ao vencer o future de US$ 10 mil disputado em Goiânia, contra a portuguesa Bárbara Luz. Apontada com o fenômeno, ela foi evoluindo e, em julho de 2013, apareceu pela primeira vez entre as 300 melhores do mundo.
Sua primeira vitória em um torneio de WTA veio aos 16 anos, mas logo depois duas lesões a deixaram fora das quadras, a primeira uma fratura no ombro direito e a segunda uma artroscopia na coluna lombar. Recuperada, começou a ganhar torneios e, em junho de 2015, pela primeira vez ingressou entre as 150 melhores do ranking da WTA.
Mas logo depois, durante os Jogos Pan-Americanos de Toronto, voltou a sentir a lesão no ombro, não pode jogar a decisão da medalha de bronze nas duplas e teve que passar por nova cirurgia. O ano seguinte foi mais tranquilo, e Bia ganhou seus dois principais títulos, ambos de U$ 50 mil disputados nos Estados Unidos. Mas pouco antes do Natal, em um acidente doméstico, sofreu fratura de três vértebras.
Em 2017, fez sua estreia em um Grand Slam, ao passar pelo qualificatório em Roland Garros, mas acabou caindo na estreia para a russa Elena Vesnina. A seguir, entrou no top 100. Como 97ª do ranking, disputou Wimbledon e quebrou um tabu de 28 anos sem vitórias do tênis feminino brasileiro no torneio britânico, mas caiu na segunda partida contra a romena Simona Halep. Nos torneios nos Estados Unidos, conquistou pontos importantes e atingiu a 58ª colocação, mas encerrou a temporada em 71º lugar.
Bia começou 2018 com mais uma marca histórica ao chegar à segunda rodada do Aberto da Austrália, algo que não acontecia com uma brasileira desde 1965, quando Maria Esther Bueno foi vice-campeã na Oceania. Porém, na sequência do ano, teve uma lesão no punho esquerdo durante torneio nos Estados Unidos. Em 2019, teve um bom início e se torna a primeira jogadora do Brasil a bater uma top 5 em 30 anos, quando surpreendeu a americana Sloane Stephens, em Acapulco. Alguns meses depois venceu a espanhola Garbiñe Muguruza em Wimbledon, mas é suspensa pela Federação Internacional de Tênis (ITF) por 10 meses, após testar positivo em um exame antidoping.
Quando a pena termina, vem a pandemia de covid-19 e o mundo praticamente para. Ao lado de outros jogadores brasileiros, ela vai para Itajaí, em Santa Catarina, para treinar.
— Foi algo que me deixou bastante com o coração partido, estar longe do circuito, de não ter jogos, um objetivo concreto. É o que todos estão sentindo agora com a pandemia, sem data para o retorno e saber o que vai acontecer. Eu consegui lidar bem, tentando buscar coisas que gosto, as pessoas que gosto. Todo atleta gosta de estar ativo, e é o que mexe conosco por dentro — disse em entrevista ao programa Gaúcha 2020, da Rádio Gaúcha, em julho de 2020.
Em setembro, voltou a jogar. Ainda sem ranking para jogar os principais eventos do circuito, Bia fez um 2021 em torneios de premiação menor e ganhou mais cinco competições, sendo a maior de US$ 60 mil. Ainda disputou alguns qualificatórios de competições de maior porte e chegou em dezembro ao 83º lugar. A virada estava finalmente próxima.
No começo de 2022, ela fica com o vice de duplas do Aberto da Austrália, atuando com a cazaque Ana Danilina. Em simples, Bia também faz boas campanhas e em junho, já como top 50, atinge o ápice ao se sagrar campeã dos WTA 250 de Nottingham e Birmingham, ambos na grama, o que a coloca entre as 30 primeiras do ranking até atingir a 15ª posição no final do ano. A brasileira encerra o ano disputando o WTA Finals de duplas, torneio que reúne as oito melhores parcerias da temporada e é eleita pela WTA como a jogadora que mais evoluiu no ano.
E finalmente chega 2023. Mesmo sem títulos, Bia faz semifinal no WTA 500 de Abu Dhabi, quartas de final nos WTA 500 de Doha e Stuttgart e no WTA 1000 de Roma, o que a manteve sempre entre aas 15 primeiras. Nas duplas, ainda vieram um vice em Indian Wells e um título em Madrid. E então chegou Roland Garros e sua magia...