O Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), espécie de Legislativo da instituição, aprovou na nesta sexta-feira (13) o pedido de destituição do reitor, Carlos André Bulhões, e da vice-reitora, Patrícia Pranke. A requisição será analisada pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, que pode acolhê-la ou não. Segundo o presidente da sessão, Celso Loureiro Chaves, não há prazo de resposta do Ministério da Educação (MEC).
A justificativa formal para o pedido foi a maneira como a reitoria conduziu a reforma administrativa. Ao longo do último ano, a reitoria da UFRGS implementou uma série de mudanças internas na universidade, como a fusão de departamentos e a incorporação da Secretaria de Relações Internacionais à Pró-Reitoria de Inovação e Relações Internacionais.
Em nota, a Reitoria da UFRGS destacou resultados positivos da universidade recentemente e que "confia na capacidade e na lisura do processo na esfera federal e aguardará com serenidade a decisão da instância maior a respeito do tema".
Já Patrícia destacou que sempre teve diálogo aberto com o Consun e a comunidade universitária em geral: "Ademais, sempre me manifestei contrária justamente a essas ações do reitor, que motivam o pedido de destituição".
As mudanças foram vetadas pelo Conselho, instância máxima de decisão da universidade. Mas o reitor afirma que tem liberdade para conduzir alterações, amparado em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU).
O pedido de destituição precisava ser aprovado por dois terços dos conselheiros. Dentre 71 presentes, 59 votaram a favor da saída de Bulhões e de Patrícia, sete votaram contra e cinco se abstiveram. O Consun chegou a debater se o pedido de destituição se aplicaria também à vice-reitora. O consenso foi de que, por terem sido eleitos na mesma chapa, ambos deveriam ser alvo da solicitação de perda do cargo.
A decisão cabe ao ministro Milton Ribeiro. Caso o MEC aprove o pedido, haverá nova eleição e, durante o período desta eleição, será nomeado um reitor temporário. A reportagem contatou o MEC com questionamentos sobre o assunto e aguarda retorno.
Os próprios conselheiros reconhecem a dificuldade de o reitor perder o cargo. Bulhões ficou em terceiro lugar na lista tríplice da comunidade acadêmica, mas foi nomeado em setembro pelo presidente Jair Bolsonaro, que tem a prerrogativa de escolher qualquer nome entre os três mais votados. No dia 5, o Consun aprovou nota de apoio ao impeachment de Bolsonaro.
Esta é a primeira vez que em que um reitor da UFRGS é alvo de um pedido de destituição, segundo o conselheiro Celso Loureiro Chaves, que presidiu a votação. O reitor, que é integrante do colegiado, não participou do encontro por “questões éticas”. Ele enviou uma nota: “Quis o destino que nossa gestão, eu na condição de gestor, estar nesta situação. Chegamos a quase um ano de gestão e a UFRGS segue funcionando e avançando em pesquisas e trazendo resultado. Por razões éticas, me considero impedido de estar nesta reunião”, escreveu Bulhões.
A vice-reitora, Patrícia Pranke, afirmou que confiaria na decisão do Conselho: "Ninguém está feliz com a situação em que nossa universidade está. Deposito minha confiança no conselho criado em seus pilares fundamentais: ensino, pesquisa e extensão. A universidade deve sobreviver à universidade inovadora de gabinete", afirmou a vice-reitora. O Consun chegou a debater se o pedido de destituição se aplicaria também a ela. O consenso foi de que, por terem sido eleitos na mesma chapa, ambos deveriam ser alvo da solicitação de perda do cargo.
Na votação, conselheiros votaram pela destituição do reitor sob a justificativa de defender a democracia, o ensino público, a universidade gratuita e a autonomia universitária. Outros integrantes pontuaram que, a despeito de a reitoria ter desrespeitado as decisões do Conselho, a destituição não é a saída e que não houve oportunidade para defesa.
Carlos André Bulhões sofre forte oposição do Conselho. No fim de julho, o colegiado havia aprovado pedido para que o MEC e o Ministério Público Federal (MPF) investigassem o reitor pela reforma administrativa.
Esta não é a primeira vez em que um reitor é alvo de pedido de impeachment. Isso já ocorreu na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) em 2019, quando o conselho da instituição entendeu que o reitor Marcelo Recktenvald também desrespeitou as decisões do colegiado. Ele foi nomeado por Bolsonaro para o cargo, após ficar em terceiro lugar na lista tríplice. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) entendeu que a forma como o pedido de destituição fora conduzido era ilegal e anulou o processo.
Contraponto
Confira a íntegra de nota oficial da Reitoria da UFRGS
"Em relação às decisões do Conselho Universitário (Consun) tomadas na tarde desta sexta-feira (13), a Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul esclarece e reitera que:
- O Reitor recebe com tranquilidade a decisão, pois tem a convicção de que a atual Reitoria tem trabalhado procurando fazer o que é certo, seguindo a Constituição e o Regimento interno da universidade, com foco nos interesses da UFRGS, do ensino superior e da prestação, com qualidade, dos serviços direcionados à sociedade;
- A modernização administrativa com alterações no organograma da Reitoria, medida que causou contrariedade do Consun, é prerrogativa do Reitor no exercício do mandato;
- Modificações como essa fazem parte da discricionariedade do reitor, conforme atestado em análise da Advocacia-Geral da União (AGU) e parecer da Procuradoria-Geral da Universidade;
- Desde 1996, ano do último regimento da UFRGS, nenhum dos reitores anteriores ao atual pediu permissão ao Consun antes de realizar alguma alteração. Várias mudanças ocorreram desde lá, sem qualquer contestação ou pedido de destituição;
- A modernização administrativa atendeu a uma necessidade de reorganização para garantir mais eficiência nas ações e economicidade no orçamento da instituição. Essa ação tornou-se ainda mais importante em um período de contingenciamento de verbas em função da crise econômica em todo o país;
- Além de acelerar processos, a medida reduziu o número de cargos vinculados à Reitoria e diminuiu despesas;
- A partir das readequações, a Reitoria tem focado em fazer mais gastando menos, priorizando o investimento naquilo que é mais essencial e garantindo a prestação dos serviços mais importantes;
- Desde as mudanças, no ano passado, até aqui, a Reitoria sempre esteve aberta ao diálogo e a qualquer sugestão. Porém, o que diversos membros do conselho fizeram até agora foi somente a contestação oposicionista, sem a disposição de dialogar ou avançar no debate de forma construtiva;
- Qualquer mudança para retomar a estrutura antiga acarretaria enormes prejuízos por conta do risco de perder programas em andamento nas novas estruturas já estabelecidas — além de prejuízos de recursos, o que seria extremamente negativo para a instituição do ponto de vista do ensino e financeiro;
- Nos últimos 11 meses, a UFRGS tem alcançado vários resultados positivos. As ações de enfrentamento à Covid-19 lideradas ou com a participação da universidade já impactaram, de alguma forma, cerca de seis milhões de gaúchos. A instituição avançou nesta semana na intenção de fabricar células para a produção do ingrediente farmacológico ativo (IFA) para vacina contra a Covid-19 produzida no Brasil, numa cooperação com a Fiocruz;
- A UFRGS tem ampliado convênios e cooperações e firmou parcerias importantes recentemente, entre elas o credenciamento do Centro de Tecnologia em associação com pool de laboratórios da Escola de Engenharia como unidade de inovação Embrapii e o edital para capacitar 380 mil agentes de saúde em todo o Brasil, com investimento inicial de R$ 200 milhões.
- As ações citadas nos últimos dois itens acima são algumas das demonstrações do protagonismo da universidade, que pulou da 13ª para a 8ª posição na mais recente edição do The Times Higher Education Latin America University Rankings, entre as melhores da América Latina;
- Por fim, a Reitoria reitera que respeita as manifestações de todas as instâncias democráticas da universidade, entre elas o CONSUN, mas, novamente, lamenta a postura de conselheiros motivada simplesmente por questões ideológicas e por terem sido contrários à indicação do atual reitor, ocorrida com base na lei;
- O que mais atrapalha o bom andamento das atividades e prejudica a universidade são exatamente esses movimentos com base apenas em questões políticas e ideológicas que, mesmo quase um ano depois escolha da atual reitoria, ainda não foram superadas;
- O encaminhamento dado hoje pelo CONSUN ficará sob responsabilidade do Ministério da Educação. A Reitoria confia na capacidade e na lisura do processo na esfera federal e aguardará com serenidade a decisão da instância maior a respeito do tema;
- A atual Reitoria tem atuado de forma republicana e segue disposta a dialogar sobre todas as sugestões que sejam no sentido de garantir uma universidade aberta e disposta ao debate construtivo, em favor do ensino de qualidade e de uma instituição a serviço da sociedade."
Confira a íntegra da nota de Patricia Pranke, vice-reitora da UFRGS
"Diante da decisão do CONSUN de 13/08/2021, incluindo meu nome na proposição de destituição junto com o reitor, gostaria de ratificar, uma vez mais, que sempre tive diálogo aberto com o CONSUN e a comunidade universitária em geral, bem como pautei todas minhas ações de acordo com as leis que nos regem, particularmente o Estatuto e Regimento da UFRGS. Ademais, sempre me manifestei contrário justamente a essas ações do reitor, que motivam o pedido de destituição.
Destaco ainda, conforme bem colocado por alguns conselheiros, entre eles, o conselheiro Gabriel de Freitas Focking e a diretora da Faculdade de Direito da UFRGS, professora Cláudia Lima Marques, que durante a reunião do CONSUN, defendeu “... que todos os números do Parecer 80, do 1,2,3 e 4 se referem sempre ao Reitor professor Dr. Carlos André Bulhões Mendes e fazem referência ao descumprimento da Resolução 062/2021 , de forma que não vejo porque o último item, justamente o mais gravoso, o de maior repercussão, deva ser diferente do que foi enviado ao Ministério Público, dos materiais levantados pelo Parecer 80; realmente, na redação, está sempre mencionado o Reitor e o nome professor Carlos André Bulhões Mendes...”
O plenário pediu que, antes da votação de pedido da destituição, fosse feita uma votação se votariam o nome do reitor apenas, ou se deveriam incluir os dois, reitor e vice-reitor, porque entraram juntos, mesmo a vice-reitora não tendo realizado nenhum ato irregular.
Em uma atitude monocrática e impositiva, o então presidente da sessão, o decano professor Celso Loureiro Chaves, não deixou que se levasse esse ponto para votação, alegando erroneamente a existência de uma chapa, enquanto que, na verdade, os processos de eleições à reitoria quanto às candidaturas, eleições e nomeações tiveram votos uninominais, isto é, individuais para reitor e vice-reitor. Esse fato, demonstrou, portanto que a sua posição era política e não pelas razões legais, visto que eu, como vice-reitora não sou apontada por absolutamente nenhum ato irregular.
Devido esse motivo, inclusive, a professora Cláudia, bem como outros conselheiros entendiam que a votação deveria ter sido feita apenas no nome do reitor sem incluir a vice-reitora. Por isso, a professora inclusive declarou sua abstenção no voto, decorrente da inclusão do meu nome no pedido de destituição a ser encaminhado ao MEC.
Por isso sigo com a convicção de que jamais me afastei dos princípios que devem nortear a atuação de todo servidor público e de que de forma alguma contribuí para nenhum dos atos do reitor que são os alvos dos questionamentos do CONSUN. Muito pelo contrário, sempre fui contra esses atos, inclusive me manifestando publicamente nesse sentido."