As metas são ousadas, mas, aos poucos, um grupo de voluntários vem construindo pontes para pavimentar um futuro mais próspero aos estudantes da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Dois anos e meio após o início dos trabalhos, o Fundo Centenário, criado por ex-alunos, capta recursos para garantir investimentos e oportunidades aos futuros engenheiros.
O projeto se baseia em um modelo conhecido internacionalmente como endowment fund, ou fundo patrimonial — sem fins lucrativos. Do início do projeto até agora, os integrantes do programa conseguiram captar quase R$ 1 milhão. O montante não pode ser mexido, mas um conselho de gestão utiliza os valores de rendimentos para reinvestir e aumentar o capital inicial ou fornecer incentivos a alunos. O grupo sonha alto, com projeção de montante na casa dos R$ 4 milhões a R$ 5 milhões em dois a três anos. Com isso, pretendem comprar equipamentos para a universidade e auxiliar aquelas "mentes brilhantes" que aparecem e nem sempre podem se manter.
— Não é coisa para agora, e a gente sabe disso. Do valor arrecadado e encaminhado para o montante, só mexemos com uma parte dos rendimentos, para que daqui a 50 anos, os estudantes de Engenharia enxerguem esse resultado — diz Vitório Canozzi, diretor do Fundo Centenário e ex-aluno de Engenharia de Produção da UFRGS. As doações são feitas por empresas, ex-alunos e, mais recentemente, uma campanha de crowdfunding foi lançada nas redes sociais do fundo.
Apesar de estarem distantes das marcas almejadas, já que a Engenharia da UFRGS tem mais de 7,5 mil estudantes atuando em 13 áreas de graduação e oito de pós-graduação e avanços dependerem de grandes aportes, o Fundo Centenário já começa a dar resultados no cotidiano dos alunos. De 2019 para cá, o projeto de bolsas de permanência ganhou fôlego e já ajuda 14 alunos com ótimo desempenho e que precisam de apoio financeiro.
As adversidades da pandemia fizeram o subsídio ser mais do que bem-vindo para Gabriela Pereira Henrique. Aos 22 anos, ela está no nono semestre no curso de Engenharia Física. O pai perdeu o emprego recentemente, e ela cogitou trancar a graduação para ajudar a família, o que a deixou preocupada. Mas, com excelente conceito de notas e serviços prestados de monitoria, Gabriela foi agraciada com uma bolsa de permanência, tornando-se substancial para dar sequência aos estudos.
— Eu me inscrevi no projeto antes da pandemia. Mas, se não fosse esse apoio da bolsa de permanência, talvez eu tivesse que parar de estudar para ajudar minha família. Meu pai perdeu o emprego na pandemia. Então, esse valor permite que eu ajude em casa. É fantástico — disse a jovem, que recebe uma bolsa de R$ 800.
Entusiasta do Fundo Centenário, a diretora da Escola de Engenharia da UFRGS, Carla Ten Caten, diz que já enxerga os resultados das ações e torce para que as doações avancem e os valores sejam revertidos em melhorias na entidade em poucos anos. Conforme ela, os repasses federais que chegam à instituição pagam somente o custeio das atividades, o que impede investimentos. Sendo assim, o engajamento de ex-alunos ao Fundo Centenário se torna ainda mais essencial.
— É um projeto jovem, com uma cultura jovem. A gente tem que inovar em todas as situações. E ver algo assim motiva bastante. Não só para mim, mas também para quem doa. Para quem já se formou, doar também é uma forma de agradecer. Muita gente tem gratidão pelo período na Escola e pelo quanto o diploma fez diferença — frisou Carla.
Claudio Berquo é um desses egressos que têm gratidão pela universidade que o formou. Nascido em Encruzilhada do Sul, filho de um agricultor e de uma professora, deixou o município do interior gaúcho para cursar Engenharia Civil na UFRGS no final da década de 1970. Formado em 1984, ele chegou a trabalhar no ramo, mas logo depois migrou para o setor corporativo, onde obteve sucesso. Atualmente, atua como sócio e diretor de expansão no BTG Pactual. A carreira não o fez deixar de lado o carinho pela UFRGS.
— Tem gente de engenharia que atua em muitas áreas. A faculdade apenas abre a tua cabeça. Comigo foi assim — citou ele, que atuou em entidades financeiras como o Citibank e o JP Morgan. — Esse fundo é muito importante para ajudar alunos brilhantes, com ideias brilhantes, Daqui a 50 anos, vai haver essa sucessão e nova leva preservar isso e carregar esse legado — complementou Berquo, que integra a direção do Fundo Centenário.
Mentoria e networking entre academia e mercado
Além das ações financeiras, a estrutura criada a partir do projeto Fundo Centenário permitiu, desde 2020, uma aproximação entre estudantes e profissionais das 21 faculdades de engenharia. O chamado programa de mentoria teve mais de 200 inscritos, entre mentores e mentorados. Inicialmente, a ideia foi promover encontros entre profissionais que passaram pela universidade com aqueles que ainda se dedicam aos estudos de graduação.
— A gente faz o contato, mas deixa essa relação meio livre. Muitas vezes, os alunos só querem sanar dúvidas sobre uma determinada área. Então, esse contato com o profissional é importante. Em outras, os alunos até se aprofundam nos estudos do tema e querem tentar até uma vaga no mercado — comenta Vitório Canozzi.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
A pandemia dificultou um pouco a interação, fazendo com que os encontros ocorressem de forma virtual. Mas nem isso foi empecilho para que a rede de contatos tivesse êxito. Luiz Guilherme Aquino, 22 anos, está no quarto semestre do curso de Engenharia de Controle e Automação. O jovem ponderou que a mentoria é importante não só para trilhar os destinos profissionais, mas saber se portar diante de situações comuns a qualquer área do mercado.
— No início, eu foquei em perguntar mais sobre questões técnicas, em saber o que estudar. Mas, na última reunião com o meu mentor, por exemplo, eu disse que queria participar de estágios e perguntei para ele como me comportar em uma entrevista de emprego — disse o estudante.
Para a diretora da instituição, o contato de profissionais do mercado egressos da instituição com os alunos possibilita um intercâmbio produtivo, que certamente vai gerar frutos para a Escola de Engenharia no futuro.
— Ter esse networking é de grande valor. Eles estão trabalhando para aumentar ainda mais essa conexão, formar profissionais melhores e integrá-los à Escola mesmo quando eles deixam a instituição — complementou Carla.
As doações ao Fundo Centenário podem ser feitas por qualquer pessoa por meio deste link ou em contato pelo e-mail fundocentenario@fundocentenario.com.br
Como funciona o endowment fund
- Doações feitas pela população ou por empresas são gerenciadas por um grupo voluntário ou estrutura administrativa sem fim lucrativos, e tem como destino auxiliar uma entidade pública, como universidades.
- Os valores arrecadados ficam perpetuamente aplicados em fundos do mercado financeiro, sem previsão de saque, com objetivo de garantir rendimentos
- Já proventos desse montante podem ser utilizados para alavancar o valor inicial ou para ajudar a custear projetos ligados à universidade, como bolsas de permanência
- No Brasil, projetos de endowment desenvolvidos paralelamente às universidades federais são feitos em instituições como a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e a Universidade Federal do Rio de Janeiro
- No Exterior, práticas de endowment são comuns. Na Universidade de Harvard, no Estado de Massachussetts (EUA), um fundo do gênero impulsionado por ex-alunos e já atingiu quantias superiores a US$ 40 bilhões