A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) está em negociações com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para auxiliar na produção, possivelmente a partir de março do ano que vem, do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) para vacinas da AstraZeneca contra a covid-19.
Na quarta-feira (11), representantes da universidade estiveram na Fiocruz, no Rio de Janeiro, para manifestar oficialmente a intenção de fabricar parte do insumo principal do imunizante da AstraZeneca. O encontro contou com a participação da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, e do reitor da UFRGS, Carlos André Bulhões.
O IFA é o ingrediente principal da vacina. O plano é que a universidade fabrique parte do insumo no novo prédio do Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS), que está em fase final de obras, na Rua Ramiro Barcelos com a Avenida Ipiranga. A previsão de inauguração do prédio é para novembro. Atualmente, o ICBS funciona no campus central da universidade.
Segundo a bióloga e diretora do ICBS, Ilma Brum, a Fiocruz recebeu bem a ideia de abrir parceria com a universidade. O próximo passo será dado em setembro, quando a vice-diretora de Qualidade da Fiocruz, Rosane Cuber, visitar o novo prédio do ICBS para conferir os laboratórios e sugerir eventuais alterações necessárias.
Segundo Ilma, as negociações ocorrem com a perspectiva de que seja necessário tomar vacinas contra a covid-19 ao menos anualmente para reforçar o sistema imune. Para se antecipar à maior demanda, a ideia é aumentar a capacidade produtiva do Brasil e evitar a dependência de importação, o que afetou a produção da AstraZeneca e da CoronaVac no início da campanha de vacinação.
— Por enquanto, não temos dados mostrando quanto tempo duram os anticorpos das vacinas, mas a premissa é de que vai ter repetição de aplicação, assim como a vacina da gripe. Além disso, não podemos ser surpreendidos novamente pela alteração desse vírus (novas variantes) — afirma Ilma.
Após o aval da Fiocruz, a universidade precisaria da autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
— Depende da burocracia, mas, por março do ano que vem, a gente poderia arriscar como prazo para estar produzindo IFA — afirma a diretora do ICBS.
Tecnologia de vetor viral
A vacina da AstraZeneca usa a tecnologia de vetor viral: um pedacinho do Sars-CoV-2 é colocado dentro da carcaça de um adenovírus (vírus do resfriado). Quando os dois entram no organismo, ensinam o sistema imune a se defender mais tarde, no caso de encontrar o coronavírus de verdade.
Mas vírus não crescem sozinhos – precisam de hospedeiros. Portanto, o primeiro passo para produzir IFA da AstraZeneca é cultivar e multiplicar, em laboratório, as células que, mais tarde, serão hospedeiras da carcaça do adenovírus com o pedacinho do Sars-CoV-2. A parceria em negociação é para a UFRGS participar desse primeiro passo: o cultivo de células que seriam enviadas ao Rio de Janeiro para a Fiocruz usá-las para introduzir os vírus.
A parceria pode ser expandida também para outras vacinas produzidas pela Fiocruz, como para rubéola, sarampo e febre amarela, segundo Ilma. O novo prédio, de seis andares e 19,8 mil metros quadrados, terá espaço também para a produção de IFA de vírus inativado – no futuro, uma parceria com o Instituto Butantan, para ajudar na fabricação da CoronaVac, também é cogitada.
Reportagem de GZH publicada na última semana mostrou que o ritmo da compra de novos equipamentos para o novo prédio do ICBS foi afetado pelo corte na isenção para importação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Ilma diz que a liberação de mais verba do CNPq, anunciada pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, ainda não está disponível, mas que a reitoria da universidade está buscando verba junto ao Ministério da Educação e ao Ministério da Saúde.
— A reitoria está se mobilizando para conseguir fonte extra. Estamos aguardando que isso aconteça. O dinheiro não está em caixa ainda, mas temos grandes possibilidades de consegui-lo. Também poderia vir de emenda parlamentar — acrescenta Ilma.
O que diz a Fiocruz
Contatada pela reportagem, a Fiocruz afirmou por meio de nota que o encontro com a UFRGS foi para "debater possibilidades de cooperação nos setores biológico e educacional" e que uma das frentes foi o "desenvolvimento de um setor na universidade para a produção de células, certificadas com boas práticas de fabricação, que pudessem ser fornecidas à Fundação para usos diversos, incluindo o uso na fabricação de Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), pela própria Fiocruz".
A instituição acrescenta que "caso a cooperação avance, a fabricação do IFA nas instalações de Bio-Manguinhos/Fiocruz, no Rio de Janeiro, poderá contar com o fornecimento de células produzidas na UFRGS".
Sobre a visita em setembro, a Fiocruz diz que "caso a cooperação seja formalizada, a Fiocruz será responsável pelo assessoramento técnico para a construção do espaço dedicado à produção de células".