As últimas duas semanas são de clima delicado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): um debate sobre reformas administrativas internas deu força a um atrito entre reitoria e professores, servidores e estudantes, o que respinga no debate sobre a realização do maior vestibular do Estado neste ano.
A discussão colocou, de um lado, o reitor, Carlos André Bulhões, e seus apoiadores e, de outro, a vice-reitora, Patrícia Pranke, e membros do Conselho Universitário (Consun), órgão máximo de tomada de decisões formado por 77 integrantes que fazem as vezes de Poder Legislativo da instituição.
A atmosfera de animosidade foi demonstrada em ato na manhã desta terça-feira (20) que pediu, no campus central, a destituição do reitor e da vice-reitora e o cancelamento da reforma administrativa. O protesto foi promovido por Diretório Central dos Estudantes (DCE), Andes (sindicato dos professores), Assufrgs (sindicato dos técnicos), Associação dos Pós-Graduandos (APG) e outras entidades.
A maior crítica à reitoria é por Bulhões ter conduzido, nos primeiros dias de mandato, em setembro do ano passado, mudanças internas na UFRGS. A decisão ocorreu sem o aval do Conselho Universitário, que representa professores, servidores e estudantes e reclama de não ter sido consultado nem recebido justificativa para as modificações.
Entre as novidades, Bulhões uniu as Pró-Reitorias de Graduação e de Pós-Graduação para criar uma única Pró-Reitoria, de Inovação e Assuntos Institucionais (PROENS); criou a Pró-Reitoria de Inovação e Relações Institucionais; e transformou a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas em Superintendência de Gestão de Pessoas.
O Conselho Universitário decidiu, em resolução, obrigar o reitor a voltar atrás nas reformas administrativas — posição endossada pela vice-reitora Patrícia Pranke, que se opôs ao chefe na votação e pediu que as mudanças fossem desfeitas. Ela chegou, na semana passada, a enviar e-mail para toda a comunidade acadêmica sustentando a posição.
No entanto, Bulhões manterá as alterações, embasado em análise da Advocacia-Geral da União (AGU) segundo a qual não há impeditivo legal para alterar a estrutura da universidade sem aval dos conselheiros.
Impacto na seleção de novos alunos
A polêmica respinga no vestibular porque, segundo conselheiros, a união das Pró-Reitorias de Graduação e de Pós-Graduação alterou fluxos internos, deslocou servidores e atrasou o envio da proposta de vestibular para análise do Conselho Universitário — o documento preliminar foi enviado pela reitoria em 16 de março para análise.
A proposta sofreu alterações e o parecer final saiu na quinta-feira da semana passada (14) _ deve ser discutido na próxima sexta-feira (23), em reunião do Conselho Universitário. Caso aprovado, o texto irá para o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, responsável por definir as datas de inscrição e início das aulas.
O último vestibular ocorreu no fim de 2019, para ingresso em 2020. Em virtude da suspensão de aulas presenciais por conta da pandemia, a instituição está, neste momento, nas aulas do segundo semestre de 2020, que devem acabar em maio.
Como noticiou GZH na semana passada, o documento a ser votado sugere, para o ingresso no primeiro semestre do ano letivo de 2021 (a ser iniciado efetivamente no segundo semestre), usar notas dos últimos quatro anos do vestibular ou do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Para o semestre seguinte, focado em estudantes que nunca fizeram a prova ou o Enem, a proposta é realizar um vestibular presencial, se a pandemia estiver controlada, ou aplicar a nota do Enem deste ano.
— A proposição de calendário para o vestibular e início das aulas sai da Pró-Reitoria de Graduação, ou seja, da administração central, que envia a proposta para o Conselho analisar. Mas agora a Pró-Reitoria de Graduação não existe mais, o que existe é uma nova pró-reitoria de onde deveria sair a proposta. A questão é que quem dava conta da graduação precisa agora dar também conta da pós-graduação — diz Pedro Costa, professor da Faculdade de Administração e representante dos docentes no Conselho Universitário.
UFRGS prevê começar ano letivo de 2021 em junho ou julho
Em nota enviada a GZH, a Secretaria de Comunicação da UFRGS afirma que não há data para o vestibular porque isso depende da aprovação feita pelos conselheiros sobre a modalidade do concurso para este ano. Ao mesmo tempo, cita que "há uma previsão de que o semestre letivo inicie no mês de junho ou até em julho, mas aguarda-se também a definição do Conselho Universitário para poder ser precisada esta data".
Questionada se é favorável à proposta de processo seletivo alternativo durante a pandemia, a reitoria diz que "a análise e votação deste parecer é atribuição exclusiva desta instância da Universidade, não cabendo à Administração Central emitir voto favorável ou desfavorável ao seu conteúdo". O reitor e vice-reitora, no entanto, fazem parte do Conselho.
Sobre a reforma administrativa, a Secretaria de Comunicação da UFRGS diz que é prerrogativa do reitor alterar a estrutura interna da universidade "tendo sido assim na gestão dos três reitores anteriores, ao que se registra".
Diz ainda que a mudança "foi respaldada pelo parecer da Advocacia-Geral da União, sendo mantida até o momento, uma vez que o procurador que o emitiu manifestou ser inviável anular a decisão tomada para se reassumir a estrutura proposta pelo Consun. De qualquer sorte, o reitor está aberto a sugestões, como sempre esteve, e estuda as questões das alterações da estrutura, destacando que já encontramo-nos no oitavo mês de gestão e não existiu solução de continuidade em nada: a universidade vem operando normalmente, o Ensino Remoto Emergencial ocorre de forma já natural, tendo sido inclusive muito bem avaliado pelos alunos".
A reitoria também sustenta que a unificação das Pró-Reitorias de Graduação e Pós-Graduação traz a "vantagem de se ter uma administração que envolva o ensino de graduação e de pós-graduação, buscando evitar uma dualidade de comando". Sobre a criação de uma pró-reitoria dedicada à inovação, afirma que "atende a uma necessidade de organização de diversos setores da UFRGS ligados à inovação e prestação de serviços, como suas incubadoras empresariais, laboratórios de inovação, Parque Zênit, Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e empresas-juniores, que antes estavam dispersos".
Por fim, a Secretaria de Comunicação da UFRGS diz que "a Superintendência de Gestão de Pessoas recebeu esta nova designação mas não perdeu o status de pró-reitoria, uma vez que continua ligada diretamente ao Reitor, e nenhum de seus departamentos foi extinto, operando também normalmente".