Os resultados do levantamento realizado pela organização Todos Pela Educação, com foco na rede pública municipal de Porto Alegre, indicam que há deficiências no ensino que precisam ser investigadas e melhoradas. Conforme a pesquisa, que contou com dados da Pnad Contínua do IBGE e outros índices educacionais, apenas 75% dos jovens completam o Ensino Fundamental até 16 anos na Capital.
O dado é importante e deixa clara a defasagem idade-série, na avaliação de Juliana Massena, doutora em Educação e pesquisadora de política educacional na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). No entanto, ressalta que é preciso considerar que os jovens permanecem na escola e que suas vidas foram atravessadas por uma pandemia e uma enchente histórica.
A rede municipal tem menor cobertura em comparação à estadual – a maior parte das matrículas do Ensino Fundamental está na rede estadual, lembra Mateus Saraiva, professor da Faculdade de Educação da UFRGS. A comparação com redes de outros municípios, portanto, pode não ser adequada. Além disso, os alunos da rede municipal estão, principalmente, nas periferias da Capital.
Saraiva aponta que há variação significativa nos dados, com percentuais entre 60% e 85% em diferentes anos. Saraiva ressalta a importância de investigar o motivo, bem como os problemas específicos das comunidades. A questão da reprovação, por exemplo, voltou a ser recorrente a partir de 2022, e não acontecia nos anos de pandemia, diz Saraiva.
Tanto o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) quanto a Associação dos Trabalhadores(as) em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa) atrelam o desempenho insatisfatório aos impactos da pandemia, que exacerbou desafios existentes, especialmente para famílias de periferia. Além disso, as entidades apontam os desafios sociais enfrentados pelos alunos, que começam a trabalhar cedo para complementar a renda familiar.
— As famílias estão empobrecidas, não há busca ativa, toda a rede de atendimento totalmente esfacelada, então as crianças saem para ajudar os pais a trabalhar e não retornaram — diz a diretora da Atempa, Isabel Medeiros.
A pesquisa aponta que 50% das crianças de zero a três anos frequentam escolas de Educação Infantil em Porto Alegre – à frente da média nacional e das capitais. O estudo também mostra que apenas 79% das crianças de quatro a cinco anos frequentam a escola – ficando abaixo da média nacional, apesar de a frequência ser obrigatória.
Isso pode ter impactos no trabalho da mãe, que pode ter de ficar em casa para cuidar do filho, ou na vida dos irmãos, podendo ser preciso largar os estudos para começar a trabalhar ou para ficar em casa com ele, aponta o professor e diretor financeiro do Simpa, Assis Brasil Olegário Filho.
Nos Anos Iniciais da rede municipal no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), Porto Alegre está na 19ª posição entre 26 capitais. Nos Anos Finais, a cidade fica na 13ª posição, entre 22 capitais. Juliana observa que a rede da Capital tem uma concepção mais abrangente, que engloba projetos educacionais como o da Orquestra Villa Lobos, por exemplo, não computados pelo Ideb.
Falta de professores
É unânime, entre os especialistas e entidades consultados por Zero Hora, a afirmação de que faltam recursos humanos nas escolas da rede municipal – principalmente professores de português e matemática. Isso gera impacto negativo na qualidade do ensino. O Simpa afirma que há deficiência na contratação de docentes. A estimativa repassada pelo Município é de que faltem cerca de 150 professores, mas, em consulta às escolas, o sindicato afirma que o número é maior. Isabel acrescenta que há falta de planejamento, vinculada aos contratos temporários, que leva a outro impacto: alunos sem aprendizado adequado.
Ainda que o estudo posicione Porto Alegre em primeiro lugar entre as capitais em remuneração média de professores, com R$ 10,7 mil, o dado gera controvérsia entre entidades e especialistas. O dado é uma média que inclui profissionais de longa data e novos – com uma média salarial baixa, ficando abaixo dos R$ 5,7 mil da média brasileira. O Simpa afirma que houve defasagem salarial desde o fim do plano de carreira, em 2019. Os salários, portanto, não correspondem mais à realidade de 2020, evidenciando precarização, frisa a pesquisadora da UFRGS.
Infraestrutura
As entidades ressaltam, ainda, que há problemas de infraestrutura escolar, como falta de manutenção dos prédios, problemas elétricos, estruturas interditadas. Elas criticam a redução de investimentos na construção de novas escolas e o fechamento de turmas.
Conforme o levantamento do Todos Pela Educação, apenas 40% das escolas têm biblioteca e 21% têm laboratórios de informática – ficando abaixo das outras capitais. A Secretaria Municipal de Educação (Smed) nega o dado e afirma que 100% das escolas próprias têm bibliotecas ou espaços de leitura. A diretora da Atempa pontua que a orientação é que os laboratórios de aprendizagem, projetos e bibliotecas só funcionem se houver professor em sala de aula, o que leva à escassez de ações de apoio.
A falta de orientação educacional também frustra famílias, que podem optar por inserir o jovem no mercado de trabalho. A pasta reconhece que a localização de algumas escolas dificulta o remanejo ou alocação de professores, como no Extremo Sul e na Restinga.
Estudos indicam que nas escolas com mais condições democráticas e pedagógicas, materiais, estruturais, políticas e institucionais, os alunos apresentam melhores resultados, evidenciando a relação positiva entre ambientes democráticos e de aprendizagem estudantil. Talvez o caminho seja por aí.
JULIANA MASSENA
Pesquisadora de política educacional no pós-doutorado na UFRGS
Como mudar?
Há uma série de caminhos e ações que podem ajudar a melhorar a qualidade do ensino na rede municipal, conforme os especialistas e entidades. Entre elas:
- chamada professores aprovados em concurso público
- promoção de campanhas contra a evasão e para aumentar a adesão à Educação de Jovens e Adultos
- necessidade de valorização salarial dos professores, para atrair e reter bons profissionais
- ampliação da rede e vagas de Educação Infantil
- retomar investimentos massivos em infraestrutura
- necessidade de melhorar a formação continuada dos professores
- realização de concursos públicos
- busca ativa de estudantes
- apostar na construção de escolas – sem comprar vagas
Para Juliana, também são necessárias estratégias como projetos de recuperação das defasagens de aprendizagem, pensando em currículos inclusivos; a democratização da gestão da escola, buscando parceria com a comunidade escolar; e o monitoramento e avaliação do planejamento.
Já o professor da UFRGS entende ser preciso uma rede de políticas que incluam assistência social e saúde, para além da educação – com busca dos alunos junto a órgãos como Ministério Público e Conselho Tutelar. Saraiva cita, ainda, a importância da parceria entre as redes estadual e municipal, além de cooperação com o governo federal.
Propostas do município
A Smed têm realizado ações para melhorar o ensino na rede, conforme a diretora pedagógica Izabel Abianna:
- Desde 2022, a pasta trabalha na correção de fluxo, com turmas especiais de alunos com distorção de idade-série. Há turmas com trabalho de consolidação da alfabetização para estudantes dos anos finais
- A Smed afirma que tem atendido a totalidade de vagas dos quatro a cinco anos. No caso de a escola não ser próxima, o Vou à Escola Educação Infantil garante as passagens. Para vagas de zero a três anos foi feito novo credenciamento na rede privada para 1,5 mil vagas
- Em relação a obras, a Smed esclarece que investiu R$ 32 milhões junto à Unesco, na contratação de projetos e retomada de obras de escolas inacabadas: Clara Nunes, Moradas da Hípica, Colinas da Baltazar, Raul Cauduro e Jardim Leopoldina II. Os projetos estão em fase de contratação para iniciar ainda no segundo semestre
- A alfabetização vem sendo trabalhada por meio de dois programas: Alfabetiza POA e Alfabetiza Tchê (vinculado ao Estado), desde 2022. Uma avaliação diagnóstica interna já tem demonstrado avanços na alfabetização e no 5º e no 9º anos. Nos anos finais, o RecomPOA avançou na oferta de aprendizagem no contraturno
- A pasta esclarece que destinou seus esforços à ampliação de nomeações de professores efetivos. Foram 1.539 professores e 419 monitores nomeados desde 2021
- Com a previsão de encerramento de contratos temporários, um novo concurso está sendo planejado para o final de 2024 e início de 2025