Faltando poucos dias para o final do ano letivo da rede, professores das escolas estaduais têm relatado um sentimento de pressão para aprovarem seus alunos. Há, hoje, dois instrumentos que geram essa sensação. O primeiro é focado na recuperação da aprendizagem, que oferece reforço e novas oportunidades de realização de avaliações aos estudantes a cada trimestre, e o segundo é destinado à compensação de faltas, para aqueles que registraram frequência inferior a 75% das aulas, que podem entregar atividades para abonarem suas ausências.
A secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira, nega que essa pressão aconteça, e destaca que há uma preocupação da pasta em permitir que as crianças e os adolescentes terminem o ano tendo aprendido o que estava previsto.
Um docente destacou à reportagem, por exemplo, que na instituição onde leciona, no Norte, a orientação recebida foi de que as faltas devem ser abonadas, caso o aluno entregue algum trabalho. O mesmo educador relatou sentir um clima de "pressão para aprovar todos os alunos" durante live da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) do dia 29 de novembro.
Outra professora, que atua no Ensino Médio, diz que cada escola tem sua norma e regimento, mas que, ultimamente, tem percebido, na instituição em que atua, uma pressão para aprovar mesmo os estudantes com dificuldades acumuladas desde o Fundamental e, em especial, os infrequentes (que excedem os 25% de faltas permitidos em cada ano).
— Nos é "sugerido" que façamos a prova da prova, da outra prova, para recuperar os alunos, sendo que, muitas vezes, o aluno se nega a fazer, porque ele sabe que, de alguma forma, vai aprovar — conta a docente.
A educadora considera que a preocupação é com a melhoria de indicadores como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que leva em conta as taxas de reprovação e abandono em seu cálculo – e tem uma nova edição em andamento em 2023 – e reduzir a evasão. Não entende, porém, que esse é o caminho.
Uma terceira professora diz ter pedido transferência de uma instituição onde lecionava, após ter sofrido insistências para mudar notas de estudantes, no final do ano.
— Dou todas as oportunidades, mas não altero notas — pontua, lamentando que, se o aluno é reprovado em até três componentes curriculares, dependendo de quais eles forem, ainda assim pode ser aprovado no conselho escolar.
Não se trata de compensar atividades perdidas, mas de garantir a aprendizagem, do contrário, corremos o risco de fragilizar os índices relativos à frequência, evasão e rendimento.
FÁTIMA EHLERT
Presidente do Conselho Estadual de Educação (CEEd)
Presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa, a deputada estadual Sofia Cavedon (PT) afirmou que recebe, com frequência, depoimentos de comunidades escolares sobre a sensação de que há uma pressão para evitar reprovações, o que, por si só, não está errado.
— Existe um hiper esforço para resgatar os alunos e o conhecimento deles. São movimentos estruturais que a Seduc faz, que não criticamos de todo. O esforço para manter os alunos é importante, mas não pode ser mecânico: tem que ser um projeto pedagógico, continuado, sem falta de professores — defende a parlamentar.
Sofia cita, por exemplo, a redução na oferta de passagens de ônibus gratuitas em Porto Alegre, o que incidiria na frequência dos alunos, bem como problemas estruturais que desmotivam as turmas, tais quais o impedimento no uso de equipamentos como Chromebooks, devido a limitações na banda da internet, e de aparelhos de ar-condicionado, em função de quadros de distribuição da energia defasados.
A presidente do Conselho Estadual de Educação (CEEd), Fátima Ehlert, observa que a permissão de entrega de atividades compensatórias das ausências em sala de aula tem amparo nos pareceres emitidos pelo órgão. Reitera, no entanto, que essa prática não pode ser constante, "pois é durante o ano que a busca ativa e a recuperação das aprendizagens precisam ser garantidas".
— É importante garantir no decorrer do ano estratégias efetivas de busca e permanência. Não se trata de compensar atividades perdidas, mas de garantir a aprendizagem, do contrário, corremos o risco de fragilizar os índices relativos à frequência, evasão e rendimento — salienta Fátima.
"O aluno reprovado fica desanimado", diz secretária
A secretária de Educação defende que a reprovação "não é uma alternativa para a aprendizagem", e que o objetivo maior é fazer o aluno aprender.
— Nos países desenvolvidos, inclusive, o nível de repetência e de reprovação é praticamente zero. No Brasil, o índice de reprovação é alto, e, no Rio Grande do Sul, é o dobro da média nacional. E, contrariamente ao que algumas pessoas pensam, o aluno reprovado fica desanimado, perde a confiança nele, perde o interesse e acaba abandonando. É isso que a gente não pode deixar acontecer — analisa Raquel.
Se, até 2022, havia flexibilizações dos Conselhos de Educação relativos a infrequências e baixos desempenhos dos estudantes, hoje não há mais, garante a secretária. O que existe, desde fevereiro, é o programa Estudos de Aprendizagem Contínua, ocorrem no fim de cada trimestre e visam um acompanhamento mais próximo do desempenho nas turmas.
— Todo aluno é aprovado pelo Conselho Escolar, então não existe a Secretaria aprovar aluno. É o professor junto com o Conselho Escolar que aprova — assegura a gestora.
Sobre a permissão de os infrequentes entregarem atividades compensatórias de suas ausências, Raquel lembra que o instrumento tem como base regramentos de 1997 e 2015.
— Eu sou favorável à cobrança de frequência e luto muito pelos 75% de frequência. Agora, se você tem um aluno que está seguindo bem, mostrando desempenho e teve um problema de falecimento do pai, teve que ajudar a mãe e quer voltar e se esforçar, a minha tendência é ajudar esse aluno a recuperar. A escola tem que ser acolhedora e apoiadora da aprendizagem do aluno sempre, o que é muito diferente de você fazer aprovação automática.
No entendimento da secretária, a escola precisa ser sensível às demandas do aluno, criando oportunidades de aprendizagem, mas não aprová-lo sem essa aprendizagem, o que seria injusto com o próprio aluno, que "vai pensar que está preparado e não está".