Vínculo com a comunidade, disciplina, investimento em educação de qualidade e herança germânica. Esses são os segredos por trás do sucesso de Westfália na alfabetização de sua população. Com apenas 28 anos e pouco mais de 3 mil habitantes, o município apresenta o melhor índice de alfabetização do Rio Grande do Sul – e o segundo melhor do país, motivo de orgulho dos moradores.
Os dados são do último Censo Demográfico, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora seja pequena e pouco conhecida pelos próprios gaúchos, a cidade do Vale do Taquari mostra que o tamanho não a impediu de tornar-se referência em educação.
Quase todos os 3.098 moradores do município com 15 anos ou mais sabem ler e escrever, conforme o levantamento do IBGE realizado em 2022. Isso representa uma taxa de 98,9%. Das 20 cidades mais bem-sucedidas do país na alfabetização, 11 delas estão no Rio Grande do Sul.
Além de Westfália, Teutônia está na lista, também no Vale do Taquari, com índice de 98,6%. Westfália é um município "filho" de Teutônia, que apresenta bom desempenho na taxa de alfabetização do IBGE desde a década de 1980.
Vínculo com a comunidade
Diversos fatores refletem nos bons resultados, incluindo aspectos que remetem à história da cidade e de seus fundadores. Embora tenha sido fundada em 1996, Westfália só se emancipou de Teutônia em 2001. O então prefeito, Alcido Lindemann, teve a preocupação de manter as escolas na zona rural abertas, mesmo com poucos alunos.
Na contramão do processo de nucleação das escolas do campo, em ascensão na década de 1990, o primeiro prefeito do município decidiu preservar as instituições, evitando o deslocamento das crianças para locais distantes de suas comunidades. Segundo a professora Glaci Sieben, que atua há mais de 50 anos e foi secretária municipal de Educação, esse é um dos grandes diferenciais de Westfália.
Quando a escola deixa de estar vinculada à comunidade, parece que a comunidade perde o calor, perde a vibração. As escolas são motores para o desenvolvimento das comunidades onde estão inseridas. Onde tem escolas tem mais vida
GLACI SIEBEN
Professora mais antiga da cidade
Segundo ela, o engajamento das crianças é fundamental no processo de aprendizagem, especialmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, durante a alfabetização, tendo em vista que uma base educacional com deficiências pode prejudicar toda a trajetória escolar.
Westfália conta com seis escolas, todas públicas – uma creche comunitária de Educação Infantil, a Escola Estadual de Ensino Médio Westfália e quatro escolas municipais de Ensino Fundamental. Destas unidades, três delas ficam distantes do centro urbano: a Emef Rio Branco, que fica na linha Paissandu, a Emef Bandeirantes, na linha Frank, e a Emef Olavo Bilac, na linha Berlim. A única que fica inserida na área urbana é a Emef Vila Schmidt, a maior da cidade.
A opção por manter as instituições do campo perto de onde as pessoas moram e o esforço de atrair profissionais para essas localidades vem demonstrando resultados.
As escolas no Interior tinham poucos alunos, algumas delas tinham menos de 10 crianças matriculadas antes de 2010. Gradativamente, o número de estudantes aumentou. Hoje, há cerca de 30 alunos em cada uma das instituições. No total, Westfália conta com 548 alunos em suas escolas.
Nos últimos três anos, a evasão escolar foi praticamente nula, conforme dados da prefeitura – quatro alunos do Ensino Fundamental abandonaram os estudos em 2023, sendo que em 2021 e 2022 não houve desistências. Para o prefeito de Westfália, Joacir Docena, um dos fatores que contribui para o forte vínculo com a escola é a proximidade do ambiente escolar das residências dos alunos.
— A comunidade preserva sua cultura através da escola. Quando mantemos as escolas do interior, temos uma maior valorização das pessoas por aquele local. As pessoas passam a ter orgulho daquele espaço e trabalhar incessantemente para mantê-lo — afirma.
Educação como prioridade
Mesmo com poucos alunos e em áreas distantes do Centro, as escolas do campo contam com estrutura de qualidade e equipes multidisciplinares, incluindo profissionais para dar suporte à aprendizagem, como psicólogos e psicopedagogos, e monitores de educação inclusiva.
Neste ano, foi reinaugurada a Emef Bandeirantes, que fica a 2 quilômetros do Centro. A escola passou por ampliação para aumentar a oferta de vagas na rede municipal. Recebeu novas salas, mobiliário e chromebooks. Foram investidos mais de R$ 700 mil na reforma.
Segundo a economista Fernanda Cristina Wiebusch Sindelar, Westfália é um dos municípios com maior arrecadação por habitante no Vale do Taquari. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita da cidade chega a quase R$ 90 mil, acima da média nacional. Em 2021, alcançou R$ 86,9 mil. Para Fernanda, isso contribui com a manutenção de uma educação de qualidade.
É um círculo vicioso. Quando há um nível educacional mais elevado, vai se criando uma massa mais crítica, que busca maior qualidade de vida, que busca trabalhar e se qualificar cada vez mais. O capital humano é fundamental. À medida que investimos em capital humano, contribuímos para haver um crescimento mais sustentável a longo prazo
FERNANDA CRISTINA WIEBUSCH
Economista e professora da Universidade do Vale do Taquari (Univates)
Apesar de ter participação forte da agropecuária, os setores de serviços e industrial contribuem com a economia local. Por isso, é uma cidade que tem condições de manter abertas as escolas do campo, que muitas vezes são fechadas para reduzir gastos e concentrar os custos em unidades maiores, no caso de municípios com menos recursos.
O contador Evair Volnei Brune, que nasceu em Westfália e conduziu toda sua caminhada escolar na rede pública no município, mantém laço forte com a comunidade e acredita que a educação teve papel fundamental em sua trajetória.
Tenho muito orgulho desse resultado. Desde muito cedo fui incentivado a estudar. Os professores sempre destacavam a importância de continuar estudando, de cursar Ensino Superior para abrir portas. Hoje estou onde estou por conta disso, em grande parte. O povo de Westfália é muito trabalhador, e isso acaba repercutindo nos alunos
EVAIR VOLNEI BRUNE
Gerente
Morador de Boa Vista do Sul, Evair tem 31 anos e é gerente em uma instituição financeira cooperativa em Teutônia. Ele estudou Ciências Contábeis na Univates e diz que pretende seguir no Vale, uma vez que quer ter filhos e confia que nas escolas de qualidade na região para matricular as crianças.
Influência alemã
Outro aspecto elencado pelos moradores são as raízes germânicas do município, que permitiram colocar a educação e a religião como pilares fundamentais para a população. Antes da fundação de Westfália, as famílias alemãs que colonizaram a região levaram essas tradições ao local, implantando escolas e igrejas, o que fortaleceu o senso de comunidade e a valorização da educação.
A cidade conta com seu próprio dialeto, por exemplo, chamado “Sapato de Pau”, que se tornou símbolo do município. Segundo a professora Glaci Sieben, ao fundarem a antiga vila, os alemães criaram uma associação batizada de Sociedade Escolar Picada Schmidt, que durou cerca de cem anos e deu origem às escolas que estão lá hoje.
Embora o prédio não exista mais essa herança é preservada: disciplina e rigidez nas escolas. Outra prática que se mantém é o engajamento das famílias na educação dos filhos. Por estarem perto, os pais acompanham as atividades e constroem junto das escolas eventos e ações.
Segundo o secretário da Educação, Gustavo Sieben, isso também vem contribuindo para uma educação de qualidade e bom desempenho das crianças. Segundo ele, as escolas são parte importante da identidade dessas comunidades, e estar perto das famílias é um fator importante para fortalecer a educação nessas áreas.