Pelo menos três municípios gaúchos anunciaram, nesta semana, que não será necessário comprovar vacina contra a covid-19 para a matrícula nas escolas. O debate surgiu após a inclusão da dose no cronograma do Programa Nacional de Imunizações (PNI). A partir de 2024, o imunizante passa a fazer parte das vacinas obrigatórias do calendário vacinal, bem como a proteção contra sarampo, caxumba, rubéola e poliomielite, por exemplo.
A decisão foi divulgada pelas prefeituras de Caxias do Sul, Farroupilha e São Marcos, que assinaram decretos dispensando a apresentação do comprovante de vacinação contra a doença. “Fica dispensada a obrigatoriedade de apresentação de atestado de vacinação com a indicação da aplicação da vacina contra a Covid-19, dentre as vacinas obrigatórias à criança ou adolescente, no ato da matrícula ou rematrícula”, diz o texto assinado pelo prefeito Fabiano Feltrin (PP), de Farroupilha, na segunda-feira (5).
O Sindicato dos Enfermeiros no Rio Grande do Sul (Sergs) publicou nota de repúdio a respeito. “É um movimento contrário à ciência, contrário aos dados epidemiológicos e contrário à determinação Federal e Estadual de manter os calendários vacinais de nossa população atualizados”, diz a nota.
Em comunicado, a prefeitura de Farroupilha diz que a decisão tem como base "o direito de decisão dos pais em vacinar, ou não, seus filhos". A nota ressalta que a norma é exclusiva para a vacina da covid-19, não entrando no mérito dos demais imunizantes que compõem o "quadro vacinal estipulado".
Em entrevista ao ao Gaúcha Atualidade nesta quinta-feira (8), o governador Eduardo Leite foi questionado sobre a obrigatoriedade de apresentação da carteira de vacinação das crianças na hora da matrícula. Leite respondeu que não tem nenhuma razão para deixar de seguir a orientação do Ministério da Saúde, que prevê a vacinação obrigatória das crianças.
Os governadores Jorginho Mello, de Santa Catarina (PL) e Romeu Zema, de Minas Gerais (Novo) tomaram medidas semelhantes. O governador mineiro compartilhou nas redes sociais, no último domingo (4), um vídeo anunciando que instituições de ensino de MG não exigirão a carteira de vacinação no ato de matrícula. Jorginho Mello também divulgou a decisão pelas redes sociais, afirmando que "nenhuma criança ficará fora da escola por não ter se vacinado contra covid-19".
O que diz a lei
A obrigatoriedade de apresentação do comprovante vacinal nunca foi um impeditivo para as matrículas e rematrículas, já que não é compulsório. O mesmo vale para a vacina contra o coronavírus. Conforme informou a Secretaria da Educação do RS, no Estado, há uma lei que dispõe sobre a obrigatoriedade da apresentação da carteira de vacinação no ato de matrícula ou rematrícula de alunos nas escolas das redes de ensino público e privado do Estado.
Sancionada pelo governador Eduardo Leite (PSDB), a Lei 15.409/2019 estabelece que pais e responsáveis que não apresentarem a carteira ou se estiver desatualizada, devem ser alertados pelas escolas para regularizar a situação em prazo de até 60 dias. A legislação entende como carteira atualizada "aquela que contar com todos os registros prescritos, conforme a idade, no Calendário Nacional de Vacinação emitido pelo Ministério da Saúde."
Caso não o façam, o estabelecimento de ensino poderá denunciar ao Conselho Tutelar para as devidas providências, "sem quaisquer prejuízos à efetivação da matrícula”, diz a lei. Fica a critério da instituição de ensino o controle da entrega desta documentação, conforme a Seduc.
— Nenhuma criança deixou de estudar por não estar com a carteira de vacinação em dia. Não podemos deixar as crianças sem saúde e sem educação. A exigência desse documento na matrícula não é para limitar o acesso, mas sim uma maneira de conscientizar, uma oportunidade de atualização para quem não está com a vacinação em dia — explica o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também conta com um dispositivo que trata sobre o tema. “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”, diz o artigo 14 da Lei 8.069/1990, que dispõe sobre o ECA.
A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre informou, em nota, que “não há exigência de vacinação no momento da matrícula”. No texto, a pasta diz que orienta que todas as vacinas obrigatórias sejam realizadas. "Em parceria com a Secretaria de Saúde, atuamos para promoção de campanhas que estimulem a vacinação”, completa.
De acordo com a Secretaria de Saúde do RS, a pasta “tem atuado com Ministério Público e demais órgãos com a assinatura do Pacto Nacional de Consciência Vacinal demonstrando evidências científicas da importância, resultados tanto no aspecto individual como no da coletividade”, em relação à vacina contra a covid-19.
Importância da vacinação infantil
Em 1º de janeiro de 2024, a vacinação contra a covid-19 de crianças a partir dos seis meses até os cinco anos entrou no Calendário Nacional de Vacinação. O Ministério da Saúde classificou a doença como importante causa de infecção respiratória grave e morte nesta faixa etária.
Conforme dados da pasta, até novembro de 2023, foram registrados no Brasil 5.310 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por covid-19 e 135 óbitos neste grupo. Entre as crianças, as menores de um ano apresentaram maior incidência e mortalidade de SRAG pela doença.
Renato Kfouri diz que, independentemente de a criança estar ou não na escola, as vacinas do PNI são obrigatórias, e o mesmo vale para o imunizante contra covid-19. Os governos que estão dispensando a obrigatoriedade do comprovante de imunização estão fazendo “uso político” dessa questão, avalia o médico pediatra infectologista.
— É um uso político desse fato em um momento de polarização no nosso país. Estes governos estão fomentando uma discussão desnecessária e absolutamente inócua. As crianças só perdem para os maiores de 80 anos no número de hospitalizações por covid a cada 100 mil habitantes. Não temos que discutir se precisa ou não de vacina, as vacinas são obrigatórias, não tem dúvidas sobre essa indicação — diz o especialista.
Questionado a respeito das decisões pontuais de prefeituras no RS sobre a exigência da carteira de vacinação, o Ministério da Saúde decidiu não se pronunciar. O Ministério Público, em nota, afirma que "não apenas a imunização contra a Covid-19, mas todas as demais incluídas no PNI, sob os mesmos fundamentos, devem ser exigidas pelas autoridades competentes, ainda que contra a vontade dos pais ou responsáveis, considerando o dever de proteção da criança e do adolescente pela Sociedade e pelo Estado, previsto no art. 227 da Constituição. O descumprimento da lei deve ensejar, por parte das escolas, notificação aos órgãos competentes, em especial ao Conselho Tutelar. Mas, em nenhuma hipótese, pode significar a negativa da matrícula ou a proibição de frequência à escola, em razão do caráter fundamental do direito à educação".