Dos 6 milhões de participantes da última edição do Enem, apenas 77 escreveram redações nota mil. Enquanto isso, mais de 291 mil textos receberam nota zero ou foram anulados. Entre um extremo e outro, muita gente perdeu pontos por bobagens que poderiam ter sido evitadas com um pouco mais de atenção.
— Se o candidato não tem o hábito da leitura e o gosto pela escrita, dificilmente vai tirar uma nota mil. Mas pode escrever um texto honesto e garantir um bom escore — garante Luísa Canella, professora de Redação do Unificado.
Encarregada de corrigir os textos de alunos do Unificado e do Unificado Med, Luísa está acostumada a todo tipo de deslize — do uso forçoso de termos rebuscados e de clichês a repetições excessivas de termos, falta de conexão entre as ideias e erros gramaticais bobos.
Um equívoco recorrente, segundo a professora, é tentar impressionar ou enrolar a banca entregando redações baseadas em modelos ou usando palavras sofisticadas. Dificilmente funciona — o mais frequente é que resultem em textos pouco coesos e na perda de pontos preciosos.
Argumentar e propor intervenção
A premissa básica da redação do Enem é que os candidatos escrevam um texto dissertativo-argumentativo. Instituição responsável pelo exame, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) estabelece cinco competências (veja ao fim da reportagem) segundo as quais se avalia a capacidade dos participantes de articular ideias de diversos campos do conhecimento em um texto que traga não apenas argumentos, mas uma proposta de intervenção que contribua para mitigar o problema apresentado.
É claro que a língua portuguesa vem em primeiro lugar: o domínio da escrita formal é fundamental para não se perder pontos. Mas há mais coisas entre o zero e o mil do que contam as gramáticas. Com a ajuda de Luísa Canella, listamos oito erros frequentes, extraídos de redações corrigidas pela professora. Evite-os!
Os erros mais frequentes
Erros gramaticais
O candidato estava desatento ou faltou às aulas mais elementares sobre o uso da vírgula. Deslizes ortográficos como "encima" e "acensão" também ocorrem. Para tirar nota máxima no primeiro critério, o candidato pode cometer até dois deslizes gramaticais. Erros de pontuação, crase e concordância são frequentes. O uso incorreto dos conectivos também tira pontos – mas evitá-los não é uma opção.
— Daí vem a importância do aluno leitor. Textos sem erros, mas que não têm conectivo algum, também são penalizados — ressalta Luísa.
Forçar a barra no vocabulário
Ao mesmo tempo que resvalam nos coloquialismos, muitos candidatos apelam para termos rebuscados na esperança de causar boa impressão à banca.
— Corrijo textos com expressões como "destarte" e "hodiernamente". Na mesma redação, a pessoa às vezes escreve expressões coloquiais como "perder o foco". Fica uma linguagem incoerente — aponta Luísa.
Clichês e coloquialismo
Cuidado com a linguagem coloquial – uma das "marcas da oralidade" que tiram pontos nos critérios de correção do Inep. O texto é formal, não pode conter gírias, impropérios.
— Não é um texto em que se deva escrever "a gente precisa pensar". Não, "precisamos pensar", "o cidadão precisa pensar". O "a gente" é popular demais — exemplifica Luísa.
Fuga do tema
A principal causa de anulação eliminou 46 mil participantes em 2016. Às vezes, o candidato viaja na maionese: diante da proposta de um texto sobre aids, escreve sobre a dengue. Em outras, o desvio é mais sutil. Em 2016, o tema foi a intolerância religiosa. Houve redações nota zero em que o candidato abordou a intolerância sem tratar do viés religioso. Por isso, é fundamental ler atentamente o enunciado e elaborar um projeto anterior à escrita, em que sejam definidos os argumentos e o caminho pelo qual se chegará a uma proposta de intervenção clara e coerente.
Citações gratuitas ou fora de contexto
Citações e referências mostram que o candidato tem repertório de informações e as relaciona ao problema apresentado – ou ao menos deveria. Há textos repletos de referências a personalidades tão diversas quanto o sociólogo Émile Durkheim, o escritor Dante Alighieri e o filósofo Friedrich Nietzsche. Mas as ideias não se conectam, nem umas às outras, nem à proposta da Redação.
— Não adianta citar autores sem nunca tê-los lido — pondera Luísa. — Recomendo aos alunos que citem filmes, seriados, algo atual, que eles consigam contextualizar.
Intervenção sem explicação
— Dizer que o esporte deve ser incentivado é o óbvio. O Enem quer o detalhamento, o como, o porquê dessa proposta. Deve ser uma proposta clara, detalhada e possível. Não adianta falar que vai distribuir tênis esportivos para todo mundo — brinca Luísa.
Não esqueça que, na UFRGS, não é pedida proposta de intervenção.
Ideias soltas, parágrafos desconexos
Há textos em que um parágrafo termina e o seguinte inicia como se fosse outra redação. Falta a chamada "frase de transição".
— Os assuntos devem ser relacionados, é fundamental para a coesão do texto. Às vezes, há uma série de citações sem que se estabeleça um nexo entre elas. Por que, afinal, ele foi até a Grécia? — questiona Luísa, sobre o exemplo reproduzido acima.
Repetir, repetir, repetir... e repetir
Há termos que é inevitável repetir: em um texto sobre a condição feminina, por exemplo, é aceitável que se repita a palavra "mulher".
— Mas há textos em que a palavra-chave não aparece, ou começam a inventar sinônimos esdrúxulos. Ao mesmo tempo, repetem-se palavras secundárias, a palavra "pois" repetida três vezes em um mesmo parágrafo. A banca espera que o candidato tenha vocabulário — diz a professora.
Novo cronograma tem ônus e bônus
A partir de 2017, as provas de Redação e Linguagens serão aplicadas junto à de Ciências Humanas. Os participantes terão 5 horas e 30 minutos para escrever o texto e ainda responder às 90 questões objetivas, em geral com bastante demanda interpretativa. Para Luísa Canella, a mudança traz vantagens, mas também pode ser desgastante.
— Tem um lado bom: o fato de que a prova de Ciências Humanas pode despertar lembranças e ideias para o texto. Mas, nos simulados que temos feito, os alunos têm ficado muito cansados com a quantidade de texto. Pode ser que a prova de Linguagens venha um pouco menos extensa para compensar — pondera.
Diante da incerteza, a recomendação é de que os candidatos iniciem a prova lendo atentamente o enunciado da Redação e, a partir dele, esbocem um projeto de texto, com os argumentos e a proposta de intervenção. Daí, partam para a leitura e a resolução das questões objetivas, de onde pode surgir, inclusive, alguma ideia que enriqueça o texto.
As 5 competências
O Inep estabelece cinco critérios segundo os quais a banca avalia os candidatos na Redação.
1) Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa.
2) Compreender a proposta de Redação e aplicar conceitos das áreas do conhecimento dentro dos limites do texto dissertativo-argumentativo.
3) Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.
4) Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.
5) Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos
Enem 2017
De 17 até 26 de outubro (com exceção de sábado e domingo), GaúchaZH publicará uma reportagem por dia sobre o Enem 2017. As provas estão marcadas para 5 e 12 de novembro.
Veja o que foi publicado e o que está previsto:
17/10 – Confira sete assuntos que podem cair nas provas
18/10 – Veja como evitar oito erros comuns na Redação
19/10 – Quais são as características de cada prova e os conteúdos que nunca ficam de fora
20/10 – Datas, horários e as informações que você precisa saber sobre os dias de provas
23/10 – Veja apps e ferramentas que ajudam nos estudos
24/10 – Cuidado com a interpretação! Dicas para ler os enunciados com atenção
25/10 – Como funciona a TRI, sistema de correção que detecta chutes
26/10 – Professor dá dicas para enfrentar as últimas semanas com serenidade