Um dia, um professor de redação disse à gaúcha de Porto Alegre Mahysa Silva Camargo, 21 anos, que os temas das dissertações nunca eram para surpreender. Bastava que os alunos estivessem ligados no que estava acontecendo no mundo para saber o que escrever. O resto era prática.
Essa foi a dica valiosa que a estudante tomou como um mantra para o estudo da matéria mesmo dois anos depois de ter deixado o cursinho pré-vestibular, onde ouviu a orientação. Sem deixar as obras literárias de lado, passou a incluir na rotina a leitura de notícias e a pesquisar os assuntos que estavam em alta na mídia, conhecimento que servia de base para o treino das redações. A dedicação deu resultado: a aluna foi uma das 77 pessoas no país a obter a nota máxima na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2016. O seleto grupo que tirou nota 1.000 representa 0,001% dos 6 milhões de candidatos que realizaram a prova.
Aplicada em duas datas por causa da ocupação de algumas escolas do país, movimento em que os alunos reivindicavam maior investimento em educação, a redação do Enem teve dois temas no último ano: "Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil" e "Caminhos para combater o racismo no Brasil". O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) não revelou quantos dos 77 nota 1.000 escreveram sobre cada tema, nem o número de candidatos que atingiram o melhor desempenho por Estado. No Rio Grande do Sul, são pelo menos duas: Mahysa e Caroline Marson Dal Más, 19 anos, de Veranópolis, na Serra. Ambas escreveram sobre intolerância religiosa.
Leia mais:
Combate à intolerância religiosa é o tema da redação no Enem 2016
Combate ao racismo é o tema da redação na segunda aplicação do Enem 2016
Formada no Ensino Médio em uma escola estadual em 2012, Mahysa matriculou-se em um cursinho pré-vestibular em 2014, depois de perceber que havia passado três anos sem receber o conteúdo ideal de língua portuguesa, literatura e redação. No local, passou um ano fazendo pelo menos duas redações por semana. Antes dos simulados, escrevia uma por dia, prestando atenção em cada erro apontado pelo professor nas correções.
Nesse ano, fez a redação do Enem pela primeira, mas a inexperiência a deixou nervosa. Teve de dissertar sobre "Publicidade infantil em questão no Brasil" e acabou escrevendo 100 linhas no rascunho – 70 a mais do que o permitido na prova.
– Foi horrível. Eu escrevi muito e, depois, tive que resumir. Acabei tirando apenas 680 – conta a estudante.
No ano seguinte, em 2015, ingressou no curso de Direito no Centro Universitário Metodista (IPA) com auxílio do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), mas não parou de treinar a dissertação. Passou a acompanhar as postagens do professor de cursinho no Facebook, em que ele costuma comentar possíveis temas das redações. Em um post, ele fez referência justamente à intolerância religiosa, o que motivou a estudante a pesquisar sobre o tema.
– Usava também o material do cursinho e as minhas redações para estudar. Revisava as anotações que o professor havia feito nos meus textos – afirma.
Passou o ano de 2015 sem fazer o Enem, mas resolveu realizar o teste novamente em 2016. O objetivo é conseguir uma vaga no curso de Direito em uma universidade federal pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) ou uma bolsa do Programa Universidade para Todos (Prouni) em uma particular. Quanto à redação, a rotina de estudos foi essencial para que ela estivesse mais tranquila no Enem de 2016.
– Comecei a prova pela redação, com a mente relaxada. Como eu já havia pesquisado sobre o tema, foquei na prática da escrita – afirma.
Foi para casa, em Eldorado do Sul, achando a dissertação "uma barbada", mas não imaginava que iria atingir a nota máxima. Quando olhou o resultado da prova, tomou um susto.
– Eu olhei 1.000, mas o site do Enem saiu do ar, acho que por causa da quantidade de acessos. Não estava acreditando, então passei duas horas dando F5 na página até conseguir confirmar que era aquilo mesmo, a nota máxima – lembra.
Em dezembro de 2016, Mahysa foi morar com os avós em Imbituba, no litoral de Santa Catarina, para fugir da criminalidade gaúcha. Com cerca de 700 pontos na média geral do Enem, tentará uma vaga na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ou uma bolsa na unidade da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) em Tubarão.
Incentivo à leitura na infância contribuiu para o bom desempenho
É às feiras semanais de livros que participava na infância, em uma escola particular, que Mahysa atribui o início do amor pela leitura. A instituição incentivava que as crianças levassem de dois a três livros por semana para casa, para depois contar as histórias aos colegas em sala de aula.
– Isso foi me encantando para eu gostar de ler e escrever. Costumava escrever muitas poesias quando era criança – conta a fã de Mario Quintana.
O apoio da família também contribuiu para o incentivo à leitura. A mãe da estudante tinha o hábito de presenteá-la com gibis da Turma da Mônica antes de cada viagem, para que ela pudesse ler durante o deslocamento.
– Às vezes, eu até ficava um pouco enjoada de ler no ônibus ou no carro, mas não desgrudava do gibi – relata.
Até hoje, a jovem não consegue passar perto de uma livraria sem entrar e comprar uma obra. Conta que devorou os livros da série Harry Potter quando era adolescente, mas agora gosta mais das biografias e dos livros que inspiraram filmes. Além do estudo, ela acredita que o amor pela literatura contribuiu para a nota máxima na redação do Enem, graças ao incentivo desde a infância.
A dica da estudante para aqueles que planejam fazer a dissertação neste ano é não se preocupar com o tema e focar na prática da escrita. Assim como a orientação passada pelo professor de cursinho, ela acredita que, se os alunos estiverem de olho nos acontecimentos atuais, a proposta do texto não irá surpreendê-los.
– O mais importante é a prática, é saber como escrever uma boa redação – orienta.