Nos prédios da Escola Municipal de Ensino Fundamental Neusa Goulart Brizola, onde antes da pandemia de coronavírus circulavam diariamente 400 alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, o silêncio e o vazio imperavam na manhã do sexto dia de aulas presenciais de 2021.
As aulas na rede municipal retornaram de forma presencial em 29 de abril, em calendário escalonado que segue até 31 de maio. Os primeiros a voltar foram os alunos da Educação Infantil e de primeiro e segundo anos do Ensino Fundamental.
De acordo com a direção da escola, até a primeira semana escolar, somente 12 dos 400 estudantes decidiram retornar às salas para aulas com turno de três horas diretas, sem recreio. Na turma A12, do primeiro ano do Ensino Fundamental, duas alunas de seis anos disputavam a atenção da professora Adriana Paza.
Em classes com distanciamento de quase três metros uma da outra, Clara Montardo Lima e a colega Valentina Silva Scola, ambas com seis anos, mantiveram as máscaras durante os exercícios envolvendo palavras e desenhos para testar o conhecimento, além de brincadeiras. A porta da sala manteve-se aberta, assim como as janelas. Mesmo com a temperatura por volta dos 17°C, de acordo com os protocolos da instituição, é necessário manter o ambiente aberto para o ar circular.
Como se estivesse com os 19 alunos da turma, a professora demonstrava entusiasmo a cada explicação feita no quadro. Na entrada da sala, as fotos e os nomes dos estudantes que fazem parte da A12. O mesmo cartaz havia passado os primeiros meses deste ano pendurado na porta de entrada do quarto onde a professora e o marido dormem em casa.
Tanto esforço, escondido sobre uma máscara cirúrgica e uma PFF2, acabou causando tosse na docente depois de duas horas de explanação para manter a atenção das alunas. Foi preciso reduzir a voz para não secar de vez a garganta e evitar mexer nas máscaras para beber água.
Como não tem hora do recreio, a professora liberou o lanche na sala de aula. Antes, acompanhou as alunas até o banheiro mais próximo para que fizessem a higienização das mãos. E mesmo orientando que mantivessem o distanciamento, foi preciso alertar mais de uma vez para que continuassem distantes uma da outra no momento de se aproximarem da pia.
Atenta aos protocolos de combate à covid-19, Valentina fez questão de colocar uma nova máscara depois de comer uma maçã. E cada vez que tocava em algo que não era seu, como as fichas usadas em uma das atividades, corria para o tubo de álcool disponibilizado na entrada da sala. A menina foi quem pediu aos pais para voltar às aulas presenciais porque sentia falta da escola.
— Queria vir logo porque não aguentava mais ficar em casa. Depois que eu fazia as tarefas, ficava entediada. Também estudo à noite mais um pouco, quando os meus pais chegam do trabalho — contou.
Clara, por sua vez, contava os dias para rever os amigos.
— Eu esperava voltar para estudar e brincar — comentou Clara, que reaprendeu a escrever o próprio nome nos primeiros dias de aula.
Em uma das atividades que exigia trabalho em equipe, Adriana fez uma mesa com três classes para evitar a aproximação das alunas. Em poucos minutos, porém, Valentina e Clara começaram a erguer-se da cadeira e a aproximar-se sobre a mesa, até serem chamadas para voltarem a sentar. Na sequência, as duas alunas, preocupadas por terem tocado numa mesma ficha de trabalho, correram para o álcool gel mais uma vez.
Pouco antes de irem para o almoço, que ocorre às 10h45min, e voltarem para casa, as duas alunas, acompanhadas da professora, foram até a pracinha da escola. Depois de 10 minutos no local, brincando a distância, começaram a correr uma atrás da outra e acabaram se tocando no pega-pega. Imediatamente, foram acionadas mais uma vez pela professora.
— Me desculpa, eu esqueci — comentou Valentina, já se afastando da colega, e indo lavar as mãos no banheiro mais próximo.
Pelo menos mais três alunos devem se juntar às aulas presenciais da turma A12 nos próximos dias.
Mesma turma, mas com metodologia de ensino diferente
No pátio da casa da família, Davi Gonçalves da Costa, seis anos, auxiliado pela mãe, a dona de casa Denise Carvalho Gonçalves, 35 anos, tenta equilibrar o celular de Denise sobre uma mesa improvisada entre as plantas. A hora da aula com a professora Adriana Paza, por volta das 10h, está prestes a começar. No mesmo dia, mas à noite, Sophia Leite da Silva, seis anos, aguarda na casa dos avós a chegada da professora particular, que lhe auxiliará com os temas propostos pela professora Adriana. Davi e Sophia são alunos da turma A12, da EMEF Neusa Goulart Brizola, estão em aulas a distância, ainda não se conhecem e os pais de ambos não pretendem enviá-los à escola até a pandemia apresentar números reduzidos de pacientes.
Está sendo difícil porque não sou professora, mas tenho que tentar achar um meio de ajudar a reforçar o que a professora está ensinando. Ela está muito esforçada, tentando de tudo. (...) Davi está tranquilo, porque ele segue interessado em aprender e está conseguindo entender o que eu ensino
DENISE CARVALHO GONÇALVES
Mãe de Davi, aluno da A2 que estuda em casa
Percebendo o interesse do filho em buscar conhecimento, Denise preparou cartazes com o alfabeto e a família silábica e os colou nas paredes do quarto. Diariamente, ela auxilia o filho na memorização das letras. Ela também conseguiu com um familiar livros usados do primeiro ano do Ensino Fundamental e os usa para reforçar as lições do filho. A dona de casa reconhece não ter a didática necessária, mas acredita que, com o próprio esforço e a ajuda da professora, tem ajudado o menino a ser alfabetizado.
— Antes das aulas, ele sempre teve interesse em aprender. Fazíamos por brincadeira, no tempo dele. E foi bom porque o Davi chegou à escola sabendo o alfabeto. Agora, mesmo a distância, ele já sabe a família silábica — comemora Denise, que optou por não trabalhar para permanecer perto de Davi e da filha Natally, 12 anos, também estudante do Neusa Goulart Brizola.
Como não tem condições de imprimir os exercícios repassados de forma online, Davi faz as tarefas da escola no próprio celular, escrevendo com o dedo sobre a tela. Temendo que o filho não aprenda a ter contato com lápis e caderno, Denise também reserva horas diárias para ele exercitar a escrita no papel. A dona de casa não pretende enviar os filhos à escola enquanto continuar a pandemia de coronavírus.
— Está sendo difícil porque não sou professora, mas tenho que tentar achar um meio de ajudar a reforçar o que a professora está ensinando. Ela está muito esforçada, tentando de tudo. É uma excelente professora. Davi está tranquilo, porque ele segue interessado em aprender e está conseguindo entender o que eu ensino — comenta Denise.
A mesma disposição de Davi com os estudos, Sophia também demonstrou para a mãe, a secretária Cristiane Ribeiro Leite, 42 anos. Quando precisou retornar ao trabalho presencial, Cristiane optou por deixar a filha de segunda a sexta na casa dos avós maternos, Marilei e João Carlos Leite, de 71 e 75 anos, respectivamente. E foi com o apoio deles que Cristiane contratou a professora de séries iniciais Nathalia Becker para aulas particulares três vezes por semana, sempre no final da tarde ou no início da noite.
— Como trabalho o dia todo, eu não teria como ajudá-la nas tarefas. E as crianças da escola não têm aulas online. A alfabetização é um dos níveis mais importantes da criança e, infelizmente, isso não está acontecendo a distância na escola. Não tem como termos a didática sem as crianças estarem em aula. Estamos fazendo o possível. Meu irmão tem impressora e eu também imprimo algumas coisas no trabalho, mas muitos pais e mães não têm. Alguns nem celular com internet têm para pegar os exercícios. Está muito difícil mesmo — diz a mãe de Sophia.
Cristiane, assim como Denise, fazem parte do grupo de pais que, junto com a professora Adriana, buscaram a melhor alternativa para que as aulas continuem mesmo com distanciamento. Desta forma, definiram que as tarefas deverão ser distribuídas via rede social para facilitar aos que não têm acesso a pacote de dados de internet. O mesmo grupo apoiou a ideia de, uma vez por semana, a professora dar uma aula online via WhatsApp para dois grupos, pela manhã e pela noite, para que as crianças possam interagir. Com o reinício das aulas presenciais, Adriana pretende manter apenas uma turma no período da noite, pois pela manhã está na escola.
Três vezes por semana, a professora particular auxilia Sophia nas tarefas repassadas por Adriana e reforça algumas atividades com a menina. Sophia conta com entusiasmo a experiência de ter aula a distância, mas revela o anseio de ter aulas na escola.
— Estou aprendendo as vogais e a palavra mais difícil que eu aprendi até agora foi o nome da minha avó. Faço os temas com a profe em casa e também pego os temas que a minha professora da escola está me dando. Tive aula com ela pelo telefone e foi boa, mas travava muito. Eu gosto da aula com a profe em casa, mas estou com muita vontade de voltar porque sinto falta dos colegas e da escola.
Para o líder de políticas educacionais do Todos Pela Educação, Gabriel Corrêa, os efeitos que o fechamento prolongado das escolas têm nas crianças e nos adolescentes e nos jovens são muito severos e duradouros. Gabriel destaca que, neste momento, é preciso fortalecer as estratégias de ensino remoto. Onde não há acesso à conectividade ou a dispositivos, que sejam enviados materiais impressos, que ocorra algum contato da escola com estes alunos e, principalmente, um planejamento para o retorno presencial de todos.
— Este fechamento prolongado das escolas, muito causado pela incompetência do Brasil em lidar com a pandemia, vai afetar fortemente esta geração de crianças e adolescentes que estão nas escolas. Por exemplo, um aluno que está em período de alfabetização ser alfabetizado pelo celular, de forma remota, é muito difícil, praticamente impossível. Já passamos mais de um ano do fechamento de escolas e a gente enxerga que muitas prefeituras, muitos governos estaduais ainda não fizeram o básico para garantir uma qualidade mínima deste ensino — declara.