Participativa e esforçada. Assim é classificada pelos professores a turma 302 da Escola Estadual de Ensino Médio Antônio Augusto Borges de Medeiros, do bairro Rondônia, em Novo Hamburgo. Liliane, Maria Eduarda, Saimon e Gabriel fazem parte da classe de terceiro ano do Ensino Médio que conta com 24 matriculados – 18 acompanham as atividades com regularidade, e a escola ainda está buscando contato com as famílias dos seis alunos que não conseguiram conexão à plataforma oferecida pelo governo do Estado.
Os quatro, acompanhados mais de perto por GZH por duas semanas, são adolescentes e jovens com perfis diferentes, mas com desafios parecidos nessa pandemia, entre eles, estudar de forma remota.
A maternidade e o Ensino Médio
Mãe do pequeno Arthur, de um ano e seis meses, Maria Eduarda Pinheiro de Souza, 18 anos, precisa conciliar a maternidade com a vida de estudante do Ensino Médio. Na hora em que o bebê dorme à noite, dedica-se aos estudos.
— Dou a janta para ele, espero ele dormir e entro madrugada adentro — conta a estudante, que relata ir das 23h até por volta de 3h fazendo atividades escolares.
O cansaço gera um outro problema para Maria Eduarda: conseguir assistir às chamadas aulas síncronas — aquelas que acontecem em tempo real por meio de alguma plataforma, no caso da rede estadual do Estado, a oferecida é o Google Classroom, do Google for Education.
— Como tem o meet, eu acabo não conseguindo participar, porque eu tenho que estudar de noite. E o meet é geralmente pelo turno da manhã. Acabo ficando cansada e não acordando — relata.
Conforme a direção da Borges de Medeiros, em torno de 60% dos estudantes da instituição têm acesso à plataforma de estudos oferecida pelo governo do Estado (Google Classroom) para as atividades remotas, 10% fazem as entregas via WhatsApp aos professores e 30% necessitam de materiais impressos. A escola sempre busca entrar em contato com quem não tem acesso. Entre os motivos apontados, está a falta de equipamentos ou de internet para as aulas.
Como não consegue participar das aulas em vídeo, Maria Eduarda se organiza para tirar as dúvidas com os professores por meio de mensagens de WhatsApp.
— Pesquiso no Google o que eu consigo. E o que eu não consigo, eu anoto e mando para os professores. Aí no outro dia eles visualizam e explicam bem — descreve a jovem.
Em 2020, Maria Eduarda desistiu de estudar no segundo semestre. A oportunidade dada pela escola para recuperação do conteúdo perdido, no entanto, permitiu que passasse de ano.
— A gente não tem computador. Mas se tivéssemos, ia facilitar bastante. E sai muito caro para comprar. No celular, a gente tem que sair de um aplicativo e entrar em outro. Quando a gente tem aulas pelo meet (aulas síncronas), tenho que sair do aplicativo para ver o que a professora mandou num PDF pelo WhatsApp — relata.
As atividades são feitas perto do filho pequeno que dorme ao lado em um berço. Quando alguma delas tem áudio, Maria Eduarda ouve sem fone. Por vezes, o menino acorda, mas logo volta a dormir com os afagos da mãe.
Na manhã desta quinta-feira, o repórter Eduardo Matos entrou ao vivo da escola. Ouça:
A internet utilizada é própria, porque diz não ter conseguido acesso a gratuita oferecida pelo governo do Estado – a partir de um acordo entre governo do Estado e Assembleia Legislativa em maio do ano passado, a Seduc passou a custear o acesso à internet a estudantes e professores. A internet patrocinada, no entanto, permite apenas acesso às ferramentas educacionais do Google: Google Sala de Aula, Google Drive, Google Meet, agenda, documentos, planilhas, apresentações, formulários, Jamboard.
Por não ter com quem deixar o filho pequeno – o marido trabalha fora ao longo do dia –, Maria Eduarda está entre os cerca de 82% dos estudantes da escola que não pretendem voltar às aulas presenciais por enquanto. O retorno estava previsto para 12 de maio para o Ensino Médio na rede estadual. No entanto, não é obrigatório para os alunos, cabendo a decisão a eles ou aos responsáveis. Quem não quiser participar das atividades presenciais deverá dar sequência às atividades propostas pelo modelo de ensino remoto.
Três turnos por uma vida melhor
Conciliar os estudos do 3º ano do Ensino Médio com a rotina de trabalho em uma rede de lanchonetes e ainda com um curso técnico é uma das dificuldades de Saimon Eduardo Lourenço, 18 anos. Com a pandemia, o pai, que é pintor, viu o serviço escassear. A renda de Saimon é usada para ajudar nas despesas da casa.
O estudante recorda que enfrentou dificuldades no início do sistema remoto, ainda em 2020. Até se adaptar à plataforma do governo, levou um tempo, mas logo conseguiu se organizar:
— Eu tento fazer o possível para concluir os estudos na parte da manhã, trabalhar de tarde e de noite fazer o curso. Mas fica bem complicado, porque a gente tem muitos trabalhos.
Na opinião do jovem, o atual formato de estudo definido pelo governo obriga os estudantes a se dedicarem ainda mais do que se dedicariam numa aula presencial.
— Para que a gente consiga se aprofundar um pouco no assunto para que o aprendizado seja válido — argumenta.
O equipamento usado para os estudos é o seu telefone celular. Para o estudante, um computador ajudaria na execução das tarefas da escola, já que o celular não tem recursos suficientes – e quando não apresenta problemas. A internet utilizada é própria.
Dos quatro alunos da turma 302 que GZH conversou, ele é o único que pretende voltar às aulas presenciais.
— Pretendo voltar pela organização do meu tempo. E por conta do ensino que se torna melhor, de forma presencial. Porque tu estando lá, tu já tira dúvida, já consegue se organizar melhor. Em casa, surgem alguns imprevistos e tu não consegue realizar as atividades no horário em que tu te programou para fazer — sustenta.
Perguntado se não teme o risco de contaminação pelo coronavírus, diz que já toma todos os cuidados diariamente na sua rotina fora de casa antes, durante e depois do trabalho. E que a volta às aulas seria inserida apenas como mais um momento de cuidados redobrados.
Saimon ainda não decidiu se pretende buscar uma vaga no Ensino Superior. Seu foco agora está na conclusão do Ensino Médio e no curso técnico de Aprendizagem Profissional em Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Caso decida pela graduação, acredita que enfrentará dificuldades pelo formato do ensino ao longo de 2020 e 2021.
Adaptação rápida ao sistema remoto
Morador do bairro Rondônia, o mesmo da escola, Gabriel dos Reis, 17 anos, conta que conseguiu se adaptar bem às aulas remotas ao longo de 2020. Por vezes, algumas atividades acabavam acumulando, mas, segundo ele, nada que uma espécie de “força-tarefa” não deixasse os afazeres em dia. Mas um ponto do ensino chamou atenção do adolescente:
— Eram atividades bem básicas, só por cima. Não chegavam a aprofundar no conteúdo.
Gabriel destina o turno da manhã para o que seria o tempo da aula, caso estivesse ocorrendo de forma presencial. Para ele, essa organização dá certo. Após as aulas síncronas, tenta fazer o máximo de atividades possíveis “para ficar livre”.
O adolescente tem computador e celular para as aulas, mas diz que prefere usar o smartphone. O quarto é o local de estudos. Mora com a mãe, o pai e o irmão mais novo. A internet da residência, bancada pela família, é considerada de boa qualidade para as tarefas escolares.
Apesar de ter essas condições, que muitos dos alunos de escolas públicas não desfrutam, é enfático ao dizer que chega no terceiro ano em condições desiguais em comparação aos estudantes de escolas privadas que disputarão uma vaga no Ensino Superior.
— Não temos um bom preparo dessa forma em que o estudo está acontecendo — sustenta, não responsabilizando os professores por isso, mas o sistema como um todo.
Gabriel pretende fazer o Enem e buscar uma vaga no curso de Engenharia Civil. A mãe é agente comunitária de saúde. O pai, que trabalhava numa empresa que fabrica componentes para calçados, perdeu o emprego durante a pandemia.
A vontade dele é voltar ao ensino presencial, mas ainda é cauteloso quando fala sobre o assunto.
O desafio para entrar na universidade
No momento em que mais precisava do notebook e do celular para as aulas remotas ao longo de 2020, os equipamentos de Liliane dos Santos Coelho, 17 anos, pifaram. A internet de sua casa também ficou instável durante um período, o que ela considera que tenha atrapalhado ainda mais a busca pelo aprendizado.
— A absorção das matérias foi bem ruim, porque não é como o ensino na sala de aula — relata.
No ano passado, chegou a se atrasar com a entrega de atividades, mas, no fim, concluiu o segundo ano. Atualmente, divide-se entre a escola e o curso técnico de Enfermagem.
— De tarde, eu costumo estudar para a escola e de noite assistir a minhas aulas do técnico e fazer minhas provas — conta a adolescente.
Liliane diz que participa das aulas síncronas quando tem dúvidas. A participação nessas aulas não é obrigatória. Mas o aluno precisa entregar as atividades. As aulas ficam gravadas e postadas na plataforma para posterior acompanhamento.
Ela se adaptou ao sistema remoto, mas considera que o presencial é melhor. O contato em horários fora do turno de aula com os professores, por meio de aplicativos como o WhatsApp, é um dos pontos positivos, acredita. Mas de outra parte, as dúvidas não conseguem ser sanadas no momento em que elas surgem.
— Porque eu não tenho aquela coisa de chamar o professor para conversar. Porque tem que ser na hora quando a gente tem dúvida. E na aula presencial, eu consigo isso. Na remota, não — pondera.
A adolescente diz que não vê a hora de voltar, mas ressalta que esse não é o momento.
— Até todo mundo aqui em casa tomar a vacina, eu não volto — frisa.
Como desafio no ingresso no Ensino Superior, Liliane soma às dificuldades de aprendizagem a concorrência com os estudantes de escolas privadas.
— Já é difícil estudar em sala de aula. Imagina estudar em casa, quando a gente não tem muito como perguntar. O ensino privado é bem melhor. Tem mais recursos — argumenta.