Enquanto na esfera judicial a volta às aulas presenciais permanece suspensa, o retorno é tema de debate e divide profissionais da área médica pediátrica. Os contrários à medida afirmam que é preciso ter segurança no retorno, já que o avanço da pandemia no Rio Grande do Sul, registrado, principalmente, em fevereiro e março, superlotou leitos clínicos e as Unidades de Terapia Intensiva. Já os favoráveis defendem que as crianças têm prejuízos emocionais, cognitivos e físicos com os colégios fechados.
No último dia 6, a Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS) publicou nota afirmando que é favorável à volta das atividades escolares presenciais, mas no momento certo e que “nenhum país do mundo, que adotou política de escolas abertas durante o período de pandemia, o fez com tal cenário de transmissão”.
Juarez Cunha, membro do Comitê de Infectologia da SPRS, pontua que, recentemente, o Estado vem apresentando queda no número de infectados e na demanda por leitos de UTI e, quando o sistema de saúde tiver mais fôlego, pode-se entrar em discussão a inclusão das escolas no plano de reabertura:
— Essa é uma discussão permanente e precisa ser firmada na situação epidemiológica do momento. Mas entendemos, agora, que a sinalização de bandeira preta significa uso intenso da rede de saúde, beirando a exaustão. E esse contexto não oferece subsídio para retorno das atividades presenciais, não neste momento. Lugar de criança é na escola, não temos dúvida disso, mas não a qualquer custo.
Cunha ressalta ainda que a pressão para retomada das aulas é compreensível em um contexto em que o governo do Estado emite, segundo ele, sinais desconexos em relação ao limite imposto pela bandeira preta e a gravidade do que a classificação significa. Contudo, destaca que, enquanto houver bandeira preta, é porque Rio Grande do Sul tem percentual elevado de leitos de UTI ocupados e deve manter restrita a circulação de pessoas.
Favorável à retomada, a pediatra e neonatologista Roselaine Losch explica que o que incomoda os profissionais pró-aulas presenciais é o fato de as escolas estarem fechadas e outros setores em funcionamento. Além disso, afirma que a escola é importante para o desenvolvimento das crianças:
— Têm ótimas janelas de aprendizado sendo perdidas. Esse isolamento, além de atrapalhar o aprendizado, afeta o desenvolvimento cognitivo e social das crianças. Percebo também que a volta dos pais para o trabalho presencial fez com que eles procurassem creches clandestinas. São lugares que não apresentam qualquer tipo de cuidado nutricional e sanitário, o que é muito mais perigoso do que manter as crianças em uma escola regular que segue os protocolos. Faz muito tempo que as crianças estão fora da sala de aula. A vacina é importante, porém, essa volta não pode estar atrelada à imunização. Tem que haver um planejamento ou perspectiva de retomada.
Especialistas apresentam conceitos de segurança diferentes
A ala favorável ao retorno se apoia ainda no fato de que a ciência não conseguiu reunir dados que estabeleçam a taxa de transmissão de coronavírus entre crianças — o que é sinalizado em pesquisa liderada por pesquisadores do University College London, do Reino Unido, e publicada na revista Jama Pediatrics, focada em estudos da saúde de crianças e adolescentes. Na pesquisa, foram revisados 32 artigos sobre a prevalência de vírus no público infanto-juvenil, mas não se chegou a uma conclusão. O estudo apenas apontou que o risco de as crianças pegarem covid-19 é 44% menor do que o de pessoas com mais de 20 anos.
— Sou totalmente a favor da abertura dos colégios, muitos países de fora, mesmo em lockdown não paralisaram as aulas, como na Alemanha. A volta deve acontecer, e as instituições precisam seguir os protocolos sanitários, porque eles são o grande aliado contra a covid. Mas, claro, que é preciso que as entidades públicas, principalmente, tenham condições de seguir esse regramento — afirma Náthalie Konarzewski, pediatra e atuante na Emergência pediátrica do Hospital Regina, em Nova Hamburgo.
O pediatra José Paulo Ferreira observa que o fechamento dos colégios impacta na vida dos pequenos, porém, afirma que não é possível medir com a mesma régua a situação do Brasil e de países europeus. Isso porque, segundo ele, nenhum país do velho continente chegou ao pico da doença registrado em território brasileiro:
— Nenhum país ofereceu retomada das atividades presenciais quando as emergências e UTIs estavam lotadas. Tivemos oportunidade de volta às aulas em meados de fevereiro, mas, logo em seguida, veio a conta das aglomerações de férias e Carnaval e explodiu tudo. O retorno exige bom senso e segurança, não só de respeito a protocolos, porque a criança na escola demanda a movimentação de toda uma comunidade que faz aquele ambiente funcionar. E isso pode voltar a exigir do sistema de saúde o que ele não terá como oferecer.