A chegada da pandemia de covid-19 afetou diretamente a educação no mundo. Com escolas fechadas às pressas devido ao risco sanitário foi preciso mudar o processo de ensino sem qualquer preparação prévia. Da noite para o dia, milhares de estudantes passaram a estudar de forma remota. Muitos, sem acesso à internet, pelo agravamento da situação de pobreza, entre outros fatores, acabaram perdendo o vínculo com a escola.
Para tentar mostrar como essa realidade se debruçou sobre estudantes nas duas pontas da Educação Básica no RS, os repórteres de GZH Aline Custódio e Eduardo Matos acompanharam, por duas semanas, a rotina de estudos de duas escolas públicas gaúchas.
Em Porto Alegre, a professora Adriana Paza enfrenta horas a mais de trabalho para poder atender os 19 alunos da turma A12, do 1º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Neusa Goulart Brizola, no bairro Cavalhada, na Zona Sul. Em Novo Hamburgo, os 24 alunos da turma 302 da Escola Estadual de Ensino Médio Antônio Augusto Borges de Medeiros, no bairro Rondônia, enfrentam o desafio de concluírem a distância o último ano do Ensino Médio com o auxílio de 14 professores.
Risco de regressão no acesso à educação
Segundo o relatório do Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef) Cenário da Exclusão Escolar no Brasil, em novembro de 2020, mais de 5 milhões de meninas e meninos de seis a 17 anos não tinham acesso à educação no Brasil. Desses, mais de 40% eram crianças entre seis e 10 anos, faixa etária em que a educação estava praticamente universalizada antes da pandemia. Conforme a representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer, o país corre o risco de regredir mais de duas décadas no acesso à educação.
Pesquisa realizada pela União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com apoio do Unicef e do Itaú Social, entre janeiro e fevereiro deste ano, mostrou como estava o planejamento na área da educação em 3.672 municípios brasileiros. Para 22,9% deles, o calendário letivo de 2020 foi reorganizado para 2021.
Em 7,2% dos municípios, o calendário 2020 estava em processo de reorganização e 69,8% informaram ter concluído o ano letivo de 2020. As principais estratégias não presenciais adotadas pelas redes municipais foram o uso de materiais impressos (95,3%) e orientações pelo WhatsApp (92,9%). A preparação para o ano de 2021, no momento das consultas, havia sido realizada e concluída por 26,4% das redes.
Calendário
As aulas na rede municipal da Capital retornaram de forma presencial em 29 de abril, em calendário escalonado que segue até 31 de maio. Os primeiros a voltar foram os alunos da Educação Infantil e de primeiro e segundo ano do Ensino Fundamental.
Já na rede estadual, as aulas presenciais foram retomadas em 3 de maio, começando também pela EI e os dois primeiros anos do EF. Quando esta reportagem foi feita, os alunos do Ensino Médio ainda não haviam retornado presencialmente. Pelo cronograma, a volta estava marcada para 12 de maio.
Abrangência das redes
A rede estadual do Rio Grande do Sul tem 790 mil alunos. Destes, 82% acessaram a plataforma de atividades remotas do governo a partir de março de 2020. Em Porto Alegre, 68.300 estudantes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental da rede municipal passaram a estudar em casa.
Com a liberação da volta às aulas presenciais no final de abril deste ano, parte deles decidiu voltar ao ensino em sala de aula, mas o comparecimento das crianças às escolas ainda é facultativo para as famílias com filhos matriculados nas redes municipal e estadual. Segundo a Smed, até 10 de maio, 8.043 de 31 mil estudantes (25 mil crianças na Educação Infantil e 6 mil no Ensino Fundamental da rede do município de Porto Alegre) retornaram à escola presencialmente. De 222 escolas – no total, são 309 – que responderam ao levantamento da prefeitura, até 10 de maio, 94,7% das instituições já estão abertas. Algumas ainda não abriram porque precisaram de reformas.
Na rede estadual, de 2.378 escolas gaúchas, 1.540 estão recebendo estudantes para aulas presenciais, segundo a Secretaria Estadual de Educação (Seduc).
5 passos para o enfrentamento da exclusão escolar, indicados pelo Unicef
1. Busca ativa de crianças e adolescentes que estão fora da escola
Encontrar cada um dos mais de 5 milhões de crianças e adolescentes que estão fora da escola, ou não conseguiram se manter aprendendo na pandemia, não é uma tarefa simples. É fundamental que haja um esforço conjunto, unindo profissionais da educação, saúde, assistência social, com apoio de organizações da sociedade civil, empresas, instituições religiosas e toda a sociedade.
2. Comunicação comunitária
A organização de campanhas públicas para a realização de matrícula a qualquer momento do ano letivo, com a utilização de mídias como o rádio, a TV e as redes sociais, e também os encontros em praças e parques, quando isso for possível, podem ser um estímulo ao ingresso ou ao retorno à escolarização e, ainda, desencadeadores do debate de toda a sociedade sobre a importância da escolarização na idade certa, o que não é pouco.
3. Garantir acesso à internet
Com a permanência do Brasil na pandemia, que se anuncia longa, é ainda mais urgente investir em políticas de conectividade para as escolas e acesso à internet para estudantes e professores.
4. Mobilizar as escolas
Os dirigentes escolares, docentes e técnicos das secretarias municipais e estaduais responsáveis pelo acompanhamento das escolas precisam ser apoiados para realizar de forma eficaz o acompanhamento e monitoramento das trajetórias dos estudantes e também pelas iniciativas de redução do abandono.
5. Fortalecimento do sistema de garantia de direitos
As políticas públicas de proteção integral às crianças e aos adolescentes precisam, neste momento, ser ativadas e amplificadas. Trata-se da mobilização intersetorial, da sociedade civil e de cada família. As políticas de transferência de renda nos cenários da exclusão escolar são essenciais e, neste momento de pandemia, isso parece ficar ainda mais evidente.