Reflexo da pandemia, o afastamento de crianças e adolescentes de seis a 17 anos das escolas chegou a 6,2% em 2020 no Rio Grande do Sul, revela estudo elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ações Comunitárias (Cenpec) apresentado na manhã desta quinta-feira (29). Em números absolutos, significa que mais de 108,1 mil gaúchos tiveram negado o direito à educação.
Ainda assim, o Estado encontra-se abaixo do índice nacional, que chegou a 13,9%, equivalente a mais de 5 milhões de crianças e adolescentes nessa faixa etária fora das salas de aula.
Os dados analisados, colhidos a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/Covid-19), reforçam a preocupação de especialistas no assunto: o coronavírus aumentou a desigualdade e piorou a situação da exclusão em todo o país e, caso atitudes não sejam tomadas, tudo o que foi construído até o momento pode ruir.
O cenário de 2020 mostrou que 1,5 milhão de crianças e adolescentes não tinham vínculo com as escolas. Somaram-se a elas outras 3,7 milhões que não haviam recebido nenhuma atividade na semana anterior à entrevista. Ao subtrair aqueles que haviam concluído o Ensino Médio, chega-se a 5,1 milhões de pessoas em idade escolar fora das salas de aula no ano passado.
— O que a gente viu é que o Brasil estava avançando no acesso à educação, com redução progressiva da exclusão. Com a pandemia, esse progresso alcançado nos últimos anos de repente voltou para o patamar de décadas atrás. Esses eram números que o Brasil estava enfrentando no ano 2000 — advertiu Florence Bauer, representante do Unicef no Brasil, durante coletiva online nesta quinta.
— Essa regressão é assustadora nesse momento — completou Romualdo Portela de Oliveira, do Cenpec.
Quebra no ritmo de melhora
O fechamento das escolas e as dificuldades do ensino remoto foram cruciais para o retrocesso em um processo que, ainda que em ritmo lento, estava melhorando no Brasil: a redução do percentual de meninos e meninas entre quatro e 17 anos fora das escolas. Esse índice passou de 3,9% para 2,7% no período de 2016 a 2019.
Nesse universo de queda na taxa nacional, o Rio Grande do Sul apresentou um percentual levemente superior a essa média. Das mais de 1,8 milhão de pessoas de quatro a 17 anos, 55.706 não frequentavam a escola em 2019, chegando a um índice de 3%. No Ceará, que tem população dessa idade semelhante ao RS, o percentual daqueles que não estudavam era de 2,7%. Já o Tocantins, com população cinco vezes menor do que o Rio Grande do Sul, o percentual de crianças/adolescentes fora das escolas teve taxa igual a nossa, de 3%. São Paulo, unidade da federação que contabiliza o maior número de pessoas dessa faixa etária, teve taxa de 1,8%.
Com o pior desempenho do país, o Acre atingiu o percentual de 6,4% crianças e adolescentes longe das instituições de ensino. Na outra ponta, o Piauí apresentou a menor taxa das unidades da federação, com apenas 1,5% desse público fora das escolas, mostra o estudo.
Alerta no Ensino Fundamental
Foi nesse contexto de melhora nos índices nacionais que a pandemia surgiu e faz seus estragos. O maior percentual de crianças/adolescentes sem atividades foi encontrado na faixa dos seis aos 10 anos, com 41%, dado considerado preocupante em razão da importância das séries iniciais na formação.
— Essa faixa estava praticamente universalizada. Nos preocupa, pois é nela que ocorre a alfabetização, é quando se cria vínculo com a escola. Se não há vínculo, a chance de abandono é maior. O que vemos aqui ilustra de maneira profunda e preocupante que podemos perder uma geração— argumentou Florence.
Na faixa etária dos seis aos 17 anos, o Rio Grande do Sul tem uma população que ultrapassa 1,7 milhão. Desse total, pouco mais de 108,1 mil não tiveram acesso à educação no ano passado, chegando aos 6,2%. Com melhor desempenho na lista aparecem os vizinhos de região, Paraná e Santa Catarina, que tiveram percentual de 4,4%, cada.
O maior índice de crianças e adolescentes longe das salas de aula foi observado em Roraima, onde a taxa chegou aos 38,6% – quase três vezes a média nacional.
Vulnerabilidade
Outro dado trazido pelo estudo reforça a ideia de que aqueles que já viviam em situação de vulnerabilidade foram os mais afetados. As regiões Norte e Nordeste do país apresentaram o maior índice de crianças e adolescentes de seis a 17 anos sem acesso à educação, com 28,4% e 18,3%, respectivamente. O Sul teve percentual de 5,1% (mais de 240,8 mil crianças e adolescentes entre seis e 17 anos).
Negros, pardos e indígenas também foram mais impactados: juntos, somam 69,3% do total de crianças e adolescentes sem acesso à educação. Em contrapartida, os brancos são 9,5%.