Enquanto mundialmente se discute a urgência por uma transição energética, despontam as iniciativas brasileiras por novos modelos de energias renováveis. Referência global no uso das energias limpas, o Brasil tem projetos de grande relevância, em especial no Rio Grande do Sul, que se destaca nacionalmente pelas empreitadas.
O espaço conquistado é resultado de uma renovação da matriz brasileira nos últimos anos. Depois de longo período na dependência dos mesmos recursos, o país diversificou a geração e atualmente conta com ao menos 10 fontes de energia, sendo seis delas renováveis, com destaque para a geração eólica e solar, que crescem a cada ano.
Ainda que os grandes cata-ventos e as placas solares ganhem preferência nos investimentos em energia, a geração hídrica (via usinas hidrelétricas) também é considerada uma fonte de energia renovável, e ainda é a principal matriz energética brasileira, com 53% da capacidade instalada. Eólica e solar representam 11,5% e 11,8% da capacidade do país, respectivamente, conforme dados oficiais do Sistema Interligado Nacional.
No Rio Grande do Sul, o cenário é promissor. Cerca de 84% da eletricidade é gerada via fontes renováveis, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Somente na modalidade solar, o Estado responde sozinho por 10,3% de potência instalada, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).
Na avaliação de especialistas do setor, é um caminho sem volta.
O investimento em novas fontes de energia está alinhado a compromissos que passam a ser cada vez mais exigidos pelo mercado. Mais do que uma escolha sustentável, passou a ser um diferencial no mundo corporativo com as práticas em ESG. A sigla em inglês para Environmental, Social and Governance (Governança Corporativa, Ambiental e Social) norteia grande parte dessas frentes, e firma uma posição de comprometimento das companhias com o futuro.
Para Edilson Deitos, coordenador do Grupo Temático Energia e Telecomunicações do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), o setor industrial vem criando um diferencial em termos de ESG propiciado pela própria matriz brasileira:
— Empresas que estão no mercado livre podem optar pelo seu fornecedor de energia e isso já cria um diferencial. A indústria brasileira como um todo tem que saber vender que os nossos produtos são feitos com energia verde. É um distintivo que a indústria nacional tem e que precisa explorar.
Energia do sol para usar e vender
É dos pomares de maçãs no município de Bom Jesus que vem um dos exemplos que conectam a agricultura e a produção à eficiência energética no Rio Grande do Sul. Há três anos, toda a operação da Coopermaçã é gerada por placas solares. A empresa da serra gaúcha produz 10 mil toneladas de maçãs ao ano, fornece as frutas para todo o Brasil e ainda exporta para dois países.
A energia gerada pela usina, com capacidade para 839,27 kWp (quilowatt-pico), reduz em até 60% os custos com luz, e ainda gera energia limpa excedente para ser comercializada no mercado livre. O principal impacto é na alimentação das câmaras frias. As estruturas com porte para armazenar até 10 mil toneladas de frutas eram o que mais demandava consumo energético pela empresa.
A opção pelo sol, além de trazer retorno financeiro, trouxe novo posicionamento para a marca. Depois que implementou as placas, a Coopermaçã conquistou certificações de gestão sustentável.
— No selo, diz que conseguimos reduzir 116 toneladas de CO² por ano a partir da energia solar. Então, além da redução de custo, estampa o nosso compromisso ambiental. É algo que valoriza demais o nosso produto — diz Artur Michelon, diretor-presidente da Coopermaçã.
Terceiro Estado no ranking nacional, o Rio Grande do Sul encerrou 2023 com mais de 2,5 gigawatts de potência de energia solar gerados. Desde 2012, quando se iniciou a implementação das placas, a geração solar já atraiu mais de R$ 13,1 bilhões em investimentos no RS, segundo mapeamento da Absolar. A radiação também gera empregos: foram mais de 75,6 mil postos criados neste período.
Coordenadora da Absolar no Rio Grande do Sul, Mara Schwengber destaca que a geração distribuída está presente hoje em todos os municípios gaúchos, e que grande parte deste boom foi propiciada pelas linhas de financiamento. O empurrão do crédito, junto com a necessidade global de transição, ajudou no crescimento das energias renováveis.
— Por opção de ESG, muitas empresas compram geração renovável. Essa indústria nem sempre olha com o olhar financeiro, ela analisa a responsabilidade ambiental e uma exigência mundial por essas práticas. A energia solar é a mais barata, a mais simples de ser instalada, então acaba sendo a principal opção para uma energia renovável — avalia Mara.
A atenção para a questão energética vem desde a formação. Em Porto Alegre, no Colégio João XXIII, tradicional pelo modelo educacional que aplica, o tema faz parte da sala de aula e da alimentação da própria escola. Desde 2022, cerca de 60% da demanda energética da instituição é abastecida por placas solares instaladas no colégio. Só não foi possível ampliar porque a estrutura predial não permitiu.
Para Éder Dorneles, subgerente administrativo do João XXIII, a escolha tem a ver com propósito.
— A escola tem um cunho humanista pioneiro, então essas práticas estão no cerne. É um assunto que priorizamos muito e que hoje é exigência no mundo. Claro que trouxe um ponto financeiro, mas executamos por convicção. São práticas estudadas no dia a dia, não apenas em momentos específicos, porque presamos muito pensar a transição energética — diz Dorneles.
Motor que vem do vento
Com características naturais de vento e olhar de investimento propício, o Rio Grande do Sul atraiu nos últimos anos iniciativas dispostas a explorar a força eólica como oportunidade de diversificar a geração de energia. Em âmbito nacional, os investimentos estão focados no nordeste e no sul do país, dois extremos estratégicos que garantem ao Brasil um dos maiores potenciais de geração eólica do mundo.
Prestes a completar 20 anos, o Parque Eólico de Osório foi pioneiro no Brasil na geração de grande porte de energia vinda dos ares. Sua implementação deu a largada na geração eólica gaúcha e abriu as portas para outros projetos no Estado. A potência instalada atual chega a 375,4 mw no complexo.
— É um parque que é muito representativo. Hoje, a energia eólica é a segunda fonte de geração de grande porte do Brasil e a que mais cresce, junto com a solar. É uma fonte barata e bastante competitiva, que vai seguir crescendo — diz Elbia Gannoum, presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica).
São 1,8 gigawatt (gw) de capacidade instalada em 80 parques gaúchos, o que torna o Rio Grande do Sul o quinto em potência eólica nacional. Já a potência do país é superior a 30 gw e cresceu muito nos últimos 10 anos, segundo a Abeeólica.
— Em termos de perspectivas, temos alguns caminhos importantes e a energia eólica vai seguir crescendo porque é resposta para a diversificação da matriz energética. E o potencial do RS é muito grande. O último atlas eólico diz que o potencial gaúcho é superior a 150 gw, sendo que hoje tem só 3 gw. Não tem limite para o crescimento do lado da oferta e do recurso — analisa Elbia.
O motor captado pelos grandes cata-ventos também tem potencial para colocar o Rio Grande do Sul e o Brasil como players de referência no hidrogênio verde, ainda incipiente por aqui. Apontada como uma das chaves para o desenvolvimento de novas fontes de energia limpa, a tecnologia já tem projetos encaminhados e legislação em curso no país.
Segundo a Abeeólica, a utilização do hidrogênio verde poderia dobrar a capacidade eólica instalada atualmente no Brasil. O produto é considerado o combustível do futuro e deve se tornar um importante recurso energético até 2050. Entidades como o Sindicato da Indústria de Energias Renováveis do Rio Grande do Sul (Sindinergia-RS) lideram as discussões para a implementação da energia no Estado. Conforme a entidade, a indústria poderia gerar mais de R$ 800 bilhões em investimentos e milhares de empregos.
Para Edilson Deitos, do grupo temático de energia da Fiergs, é importante que as matrizes sejam complementares umas às outras. Depender somente de uma fonte renovável poderia deixar o país sujeito a apagões, por isso a importância dos investimentos em várias frentes. Segundo os especialistas, mais de 90% da energia brasileira vem de origem limpa e renovável.
ESG na prática, o que é
- Sigla em inglês para Environmental, Social and Governance (Governança Corporativa, Ambiental e Social), o termo ganhou o mundo corporativo nos últimos anos.
- Na prática, representa um conjunto de diretrizes utilizadas para orientar empresas e investimentos em ações de impacto na sociedade e no meio ambiente.
- A adoção de práticas ESG se tornou um diferencial para as companhias. Elas demonstram o compromisso das empresas com a sustentabilidade, com o desenvolvimento responsável e a transparência das suas ações.
- Além das diretrizes relacionadas à questão ambiental, o conceito inclui ações de governança das empresas, como os compromissos com a diversidade nas equipes e a geração de valor na sociedade.