O lançamento de mais uma fábrica de biocombustíveis no Rio Grande do Sul, anunciado no início deste ano, em Viadutos, se juntou a uma dezena de outros projetos já existentes e a uma lista de outros que ainda devem sair do papel nos próximos anos. Esse conjunto de iniciativas representa um passo importante para uma indústria que tem potencial para se desenvolver em solo gaúcho. Representantes do segmento afirmam que o Estado tem todos os ingredientes para isso: matéria-prima agropecuária, força fabril e olhar de investimento.
No caminho irreversível rumo à energia do futuro, as iniciativas englobam um projeto ainda maior, o da sustentabilidade, que conversa com um compromisso de três letras cada vez mais forte na cultura das corporações. São as práticas ESG — sigla em inglês de Environmental, Social and Governance (Governança Ambiental, Social e Corporativa). Os fundamentos levam a um conjunto de boas práticas e aceleram a busca das empresas por ações de economia sustentável.
Na linha que compete à sustentabilidade, as indústrias de biocombustíveis estão entre as iniciativas que despontam. O setor é aposta de governo para a reindustrialização, e ganhou destaque na Nova Política Industrial anunciada no início do ano. O programa tem entre as metas ampliar em 50% a participação dos biocombustíveis na matriz energética brasileira de transportes até 2033. Atualmente, os combustíveis verdes representam 21,4% dessa matriz.
A aposta industrial acompanha um crescimento de mercado que já vem ocorrendo. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), as vendas de etanol hidratado cresceram 5,1% em 2023 (cerca de 16 bilhões de litros), depois de três anos seguidos de queda.
No Rio Grande do Sul, há um crescimento ainda mais expressivo: foram 66,8% a mais de etanol hidratado vendido nos postos, ou 55 milhões de litros. O volume, considerado ainda pequeno, foi recorde nos últimos cinco anos no Estado, pontua o economista-chefe da consultoria ES Petro, Edson Silva.
No mercado do biodiesel, a produção entregue às distribuidoras em 2023 superou em 20% o volume do ano anterior. Foram 7,3 bilhões de litros, conforme os dados consolidados da ANP.
A participação dos biocombustíveis nas bombas é significativa no momento em que amplamente se discute a transição energética e a necessidade de descarbonização dos veículos automotores.
— Em 2023, 28,2% do que foi consumido de combustíveis no Brasil foi de biocombustíveis. Teve meses, como dezembro, em que passou de 30%. Ou seja, parte importante do que foi consumido não agrediu ao ambiente. Isso é excepcional, nenhum outro país tem — avalia o consultor da ES Petro.
O que são biocombustíveis?
- Por definição, os biocombustíveis são aqueles produzidos a partir de matérias-primas vegetais ou orgânicas, podendo substituir ou complementar o uso de combustíveis fósseis, como o petróleo.
- A maior motivação para seu uso é o potencial de reduzir a emissão de gases de efeito estufa.
- Atualmente, o etanol e o biodiesel são os principais biocombustíveis utilizados pela matriz brasileira, concentrando também a maior aposta da indústria que se volta a este segmento.
- Biogás, biomassa e biometanol são outros exemplos de produtos já desenvolvidos.
O etanol
Fabricado a partir da cana-de-açúcar, do milho, ou de cereais como o trigo, o etanol é uma opção de substituição à gasolina, principal motor dos veículos leves. Foi a partir da primeira crise do petróleo, na década de 1970, que a sua produção ganhou maior importância. No Brasil, a criação do programa Pro-Álcool, nessa mesma época, foi uma das primeiras políticas a introduzir a produção do biocombustível em larga escala na matriz energética, incentivando, sobretudo, o etanol de cana-de-açúcar no país.
No Rio Grande do Sul, a produção de etanol tem ganhado maior destaque nos últimos anos como alternativa rentável para as safras de inverno. O Estado não tem produção de cana, mas é solo fértil para as culturas do trigo, do sorgo, do triticale e da cevada, que permitem gerar etanol.
Já são cinco projetos de usinas de etanol licenciados pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) no RS em vias de sair do papel. Liderando em iniciativas, a região norte do Estado caminha para ser referência na produção gaúcha. Três projetos ficam nessa porção geográfica: em Passo Fundo, Viadutos e Carazinho. Os demais estão em Júlio de Castilhos e Santiago, na região central.
O biodiesel
Mais recente na indústria, mas não menos relevante, o biodiesel é alternativa ao diesel, principal combustível utilizado por caminhões, ônibus e veículos pesados, bem como na geração de energia, com a alimentação de geradores. Suas principais matérias-primas são os óleos vegetais, extraídos de grãos como a soja, e as gorduras animais.
Adicionado ao diesel, o biocombustível permite reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa. A mistura atual, definida pelo Conselho de Política Energética, determina o uso de 12% de biodiesel em cada litro de óleo diesel. A partir de março, esse teor aumentará para 14%, e para 15% em março de 2025.
A variação na mistura tem o objetivo de ampliar a produção brasileira e o uso dos combustíveis sustentáveis. O Rio Grande do Sul é o maior produtor nacional do biocombustível, e concentra aqui empresas que colocam a fabricação brasileira na referência mundial. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de biodiesel, atrás de Estados Unidos e Indonésia.
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), cada ponto percentual a mais de mistura representa aumento de 650 milhões de litros no volume de produção. O teor maior deve demandar a produção de 8,9 bilhões de litros de biodiesel em 2024.
Pioneirismo no RS
Pioneira na produção de biodiesel há mais de quatro décadas, a gaúcha Oleoplan acompanha a evolução do mercado desde cedo. Inaugurou a primeira planta de produção do biocombustível no Rio Grande do Sul, em Veranópolis, na Serra, quando o teor de mistura ao diesel ainda era de 2%, logo que a lei tornou a adição obrigatória no país, em 2005.
De lá para cá, cresceu e concentra cerca de 10% da fatia de mercado nacional de biocombustíveis. São três unidades fabris além da gaúcha, uma na Bahia, uma no Pará e outra em Rondônia.
A produção se dá, principalmente, a partir do esmagamento de grãos de soja, mas já tem olhado para outras alternativas, como a palma. O Grupo Oleoplan tem capacidade de produção de 1,4 bilhão de litros de biodiesel por ano. Foram 715 milhões de litros produzidos em 2023, mais de 200 milhões deles produzidos no Rio Grande do Sul.
Segundo a empresa, o desenvolvimento da cadeia do biodiesel nos últimos 20 anos no país permitiu acompanhar não só a evolução do compromisso com a pauta ambiental, mas também a agregação de valor para as cadeias agroindustriais. Utilizar os grãos e os cereais para gerar biocombustíveis fomenta não só a indústria, mas a produção agropecuária e a agricultura familiar.
O movimento de interligar os elos de maneira sustentável é também um dos pilares da pauta ESG, conforme Irineu Boff, fundador e atual presidente do conselho da Oleoplan. O compromisso com esses temas fez com que o grupo se posicionasse como empresa de energia renovável no seu planejamento de longo prazo.
— A palavra preço sempre surge como preponderante. Mas, cada vez mais, a palavra preço vem sendo substituída pela palavra valor. Não basta comparar preço do diesel com o do biodiesel. O que está sendo incluído não é só a capacidade de virar motor, mas de gerar emprego, de verticalizar cadeias, de descarbonizar. Este é o valor do ESG — acrescenta Leonardo Zilio, diretor de relações institucionais da Oleoplan.
Do RS para o mundo
É também a partir do Rio Grande do Sul que a produção brasileira de biodiesel ganha o mundo. No mercado há quase duas décadas, a Be8 (antiga BSBios), com sede em Passo Fundo, lidera o mercado nacional do segmento e há 11 anos fez a sua primeira — e pioneira — exportação para a Europa. No ano passado, a companhia concluiu sua primeira remessa aos Estados Unidos, ampliando mercado.
Além do biodiesel processado a partir da soja e outras gorduras, a empresa tem investido forte em projetos para a produção de etanol a partir de trigo e triticale. A ideia é que a sua unidade fabril seja flexível também a outras culturas como sorgo, milho e arroz. A nova usina, prevista para operar a partir de 2025, em Passo Fundo, deve produzir até 220 milhões de litros do combustível.
A diversidade de matérias-primas na fabricação de biocombustíveis, disponíveis em potência no Rio Grande do Sul, é destacada pelo fundador e presidente da Be8, Erasmo Battistella, como opção de manter rentabilidade durante o ano todo ao conciliar produção agropecuária e produção fabril:
— Estamos encaixados no sistema produtivo do Estado, e isso é um benefício muito bom também para o agricultor, que pode ter comercialização 12 meses ao ano, já que as fábricas não param.
Além das unidades locais, a empresa possui operações internacionais no Paraguai e na Suíça. Para Battistella, a produção dos combustíveis sustentáveis é oportunidade de desenvolver todas as frentes que conversem com o ESG: os compromissos ambientais, a inclusão social e a geração de emprego. Mas também de ser acessível em um momento de mudanças.
— O fato é que, além de todas as externalidades positivas de poluir menos, de gerar mais emprego e renda, de ser uma produção local, de beneficiar a agricultura, ou seja, de ser um combustível ESG, nós também somos competitivos. Muitas vezes o biodiesel e o etanol são mais baratos que o diesel e a gasolina, e isso é excelente, porque também queremos que a transição energética tenha impacto zero em preço e em inflação — diz o empresário.
ESG na prática, o que é
- Sigla em inglês para Environmental, Social and Governance (Governança Ambiental, Social e Corporativa), o termo ganhou o mundo corporativo nos últimos anos.
- Na prática, representa um conjunto de diretrizes utilizadas para orientar empresas e investimentos em ações de impacto na sociedade e no meio ambiente.
- A adoção de práticas ESG se tornou um diferencial para as companhias. Elas demonstram o compromisso das empresas com a sustentabilidade, com o desenvolvimento responsável e a transparência das suas ações.
- Além das diretrizes relacionadas à questão ambiental, o conceito inclui ações de governança das empresas, como os compromissos com a diversidade nas equipes e a geração de valor na sociedade.