Na economia mundial não se fala em outro assunto. O tema do momento é o hidrogênio verde (H2V), a energia renovável que desponta para conduzir a transição da atual matriz fóssil, poluente, para uma em que as fontes limpas, sem emissão de CO2 (gás carbônico), sejam predominantes.
O principal apelo vem dos setores em que a demanda por eletricidade é mais intensiva, razão pela qual a maior feira de tecnologia industrial do planeta, realizada em Hannover, na Alemanha, no final do mês passado, foi dominada por essa pauta. E o Rio Grande do Sul não quer ficar de fora das movimentações de cenário. Para isso, conta com algumas cartas na manga e a intenção de protagonizar o processo no país.
Recentemente, o governo estadual apresentou um planejamento, encomendado a uma consultoria internacional, para elencar as oportunidades. A ideia é de que com os investimentos necessários, cerca de R$ 62 bilhões, possam ser agregados à economia gaúcha. Significaria acréscimo de 11% sobre o atual Produto Interno Bruto (PIB).
Antes, é necessário destravar o potencial eólico, considerado o diferencial do Rio Grande do Sul, uma vez que a produção do H2V consiste em separar o hidrogênio da água com o uso de uma corrente elétrica vinda de energia limpa, caso da gerada pelos ventos ou a solar, por exemplo.
A forma mais eficiente e também a que depende de níveis elevados de investimento é a offshore (em alto-mar), pois conta com ventos constantes, mas nem sequer está regulamentada no Brasil. Um projeto de lei, o PL 576, de 2021, tramita no Congresso com o objetivo de regrar a exploração e o desenvolvimento desse tipo de geração.
Enquanto isso, o Estado já contabiliza 22 projetos em análise no Ibama, quantidade idêntica à do Ceará, que anunciou investimento de R$ 42 milhões em uma usina com previsão de operar em 2023.
Apesar de maior visibilidade de empreendimentos estimados para o Nordeste, sobretudo, em razão do Centro de Desenvolvimento de Exportação, no porto de Suape, em Pernambuco, com investimento estimado em US$ 100 milhões e que esteve nos centros das atenções em Hannover, o RS não está atrasado.
É o que garante a secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Marjorie Kauffmann, ao afirmar que, diferentemente de outras unidades da federação, o Rio Grande do Sul é o único que, além da demanda externa, oferece melhores condições de infraestrutura e potencial de consumo interno para subprodutos do H2V, caso da amônia (para fertilizantes) ou do metanol (para o biodiesel).
Ela ressalta que há áreas no distrito industrial, em anexo ao porto de Rio Grande, com vocação para a instalação de empreendimentos. Outro destaque: o Estado é o único que possui estudo técnico com padrões internacionais, capaz de dar previsibilidade e opções de demanda para o mercado interno aos interessados.
— Não vamos perder para Suape (o porto de Pernambuco). Vamos puxar a fila do hidrogênio verde no país — garante Marjorie.
Potencial
Não é coincidência que, no Rio Grande do Sul, esteja um terço dos 74 projetos nacionais no aguardo da regulamentação federal. E os valores impressionam. Juntas, as intenções de investimentos em parques offshore gaúchos somam R$ 880 bilhões.
Algumas justificativas para o volume: antes de instalar uma turbina em alto-mar é feita análise complexa dos ventos em plataforma fixa dentro do oceano, e apenas uma pá tem o tamanho de um A-380, o maior avião em atividade no planeta, que mede 72 metros e custava mais de US$ 432 milhões antes de ser descontinuado por sua fabricante, a Airbus, conforme explica Bruno Tersatti, gerente de tecnologia e diretor de negócios do Senai-RS.
Para se ter uma ideia, a consultoria estratégica alemã Roland Berger considerou, no início deste ano, que o Brasil irá liderar as vendas globais de hidrogênio e que o mercado nacional atingirá US$ 150 bilhões por ano, dos quais US$ 100 bilhões virão das exportações. Entre as razões, está a abundância de recursos hídricos.
Outra projeção, desta vez da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), indica que 40% da demanda europeia por energia, até 2030, pode ser suprida pela produção brasileira. A ressalva: isso só irá ocorrer se a totalidade do potencial eólico offshore para o H2V for, de fato, colocada em funcionamento.
Necessidade de regulação e recursos em infraestrutura
Bernd Rustemberg, CEO da RWC, uma consultoria alemã fundada em 1994 e hoje especializada em questões que envolvem recursos hídricos e energias renováveis, assistiu, em Hannover, a um evento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que buscava investidores para projetos voltados ao hidrogênio verde. Embora tenha gostado do que viu, fez um alerta:
— O potencial está com vocês (Brasil), mas precisa ser trabalhado de forma que alguns riscos possam ser reduzidos.
A frase do Rustemberg, que já atuou em projetos no Brasil e no Oriente Médio, tem relação com a necessidade de regulação e investimentos de infraestrutura. Segundo o CEO da RWC, restrições de legislação são o principal entrave para que o país ainda não ocupe um papel de destaque para o qual as fontes naturais o credenciam.
Na comparação, a Alemanha, por exemplo, que enfrenta neste momento uma crise energética pela dependência do gás natural vindo da zona de conflito entre Rússia e Ucrânia, lidera um grupo de países (com Irlanda, Reino Unido, Holanda, Dinamarca, Bélgica, França, Noruega e Luxemburgo) num ambicioso projeto de usinas eólicas offshore no mar do Norte.
Anexação
O engajamento no país é tamanho que no ano passado os ministérios da Economia e do Meio Ambiente foram anexados e, agora, formam o Ministério Federal para Assuntos Econômicos e Proteção Climática (BMWK, na sigla em alemão) — há ainda o Ministério das Finanças. Uma das explicações, conforme afirmou o titular do BMWK ao portal local Deutschland.de, durante a feira de Hannover, é o entendimento de que a nova economia não está mais ligada à pauta ambiental, "ela é a própria sustentabilidade". Outra é a necessidade de participação dos governos com financiamentos públicos. Por essa razão, desse órgão, nasceu, em 2023, o primeiro subsídio para as exportações de hidrogênio verde do mundo.
Em busca de cooperação com o maior porto da Europa
No dia 10 de maio do ano passado, o maior porto europeu, em Rotterdam, na Holanda, anunciava que pretendia fornecer 4,6 milhões de toneladas de hidrogênio para o continente e que a maior parte teria origem nas importações. Na próxima terça-feira (9), representantes do governo gaúcho e da Portos RS estarão no terminal para assinar um acordo de cooperação.
Cristiano Pinto Klinger, presidente da Portos RS, que estará na missão, afirma que a ideia é trocar experiências, mas a atuação conjunta em mercados também está no radar do governo do Estado. Conforme a titular da Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) no RS, Marjorie Kauffmann, até o próximo dia 11 estão agendadas visitações a projetos na Holanda, além de participação em uma feira específica para o segmento de H2V.
A ideia é de que exportações ocorram independentemente das plantas offshores, mas com a capacidade já instalada de energia limpa no Estado, que tem um mix entre eólica, solar e hídrica que garante mais de 80% da matriz gaúcha formada por fontes renováveis.
Registros
De acordo com relatório da Sema, há no Rio Grande do Sul 63 projetos em 31 municípios com registro de licenciamento ambiental junto à Fundação de Proteção Ambiental do Estado (Fepam) com 18,3 gigawatts (GW) de potência e investimentos na ordem de R$ 11 bilhões. Há ainda o projeto do Parque Eólico Coxilha Negra, com 302 megawatts (MW), com licença de instalação concedida pelo Ibama, e com a instalação executada pela CGT Eletrosul/Eletrobrás, em Santana do Livramento.
O Rio Grande do Sul conta, atualmente, com 1.836 MW instalados em 80 parques eólicos, distribuídos em nove municípios com 1.778 MW em operação.
A situação deixa o Estado com 7,7% da potência eólica instalada no Brasil.
Entenda o que é hidrogênio verde
É a denominação para o hidrogênio produzido a partir da eletrólise da água, com baixa ou nula intensidade de carbono, com uso de energias limpas e renováveis. Significa que sua obtenção é sem emissão de CO2.
A eletrólise é um processo que utiliza a corrente elétrica para separar o hidrogênio do oxigênio da molécula de água (H2O). O método demanda alta quantidade de energia elétrica, o que torna essencial que a fonte dessa energia seja limpa e renovável – caso, por exemplo, a solar, a hídrica ou a eólica. O hidrogênio pode ser usado para armazenar energia renovável produzida em períodos de alta produção e baixa demanda por energia elétrica.
Qual a importância do hidrogênio verde?
É considerado o combustível do futuro por ser fonte energética renovável, inesgotável e não poluente, que pode trazer muitos benefícios para o ambiente e a humanidade. Para ser considerado verde, é imprescindível que o hidrogênio seja produzido e transportado sem o uso de combustíveis fósseis ou qualquer outro processo prejudicial ao ambiente. É considerado um combustível fundamental para que aconteça a transição para uma economia de baixo carbono.
A grande versatilidade do hidrogênio permite seu uso em nichos de consumo difíceis de descarbonizar, como o transporte de carga, a aviação e até o transporte marítimo. Depois de produzido, o hidrogênio pode ser transportado e armazenado como gás (podendo, inclusive, aproveitar infraestruturas já existentes de transporte de gás natural), como líquido ou absorvido em materiais. A grande opção de fontes e processos de produção, transporte e armazenamento do hidrogênio, possibilita sua adequação ao uso final. Permite, também, que cada país explore o seu potencial e escolha o melhor caminho técnico, econômico e ambiental, considerando a realidade local. Seu armazenamento seguro e os custos competitivos, bem como a tecnologia de transporte, são questões fundamentais para ampliar sua produção e o seu uso.
Quais as atuais vantagens e desvantagens do hidrogênio verde?
Como ponto favorável, destaca-se o fato de ser totalmente sustentável: não emite gases poluentes na produção e nem durante a combustão. É armazenável (o que permite sua utilização posterior em diversos setores e em momentos diferentes ao de sua produção) e versátil (pode ser transformado em eletricidade ou combustíveis sintéticos e ser usado com fins comerciais, industriais ou de mobilidade).
Outras vantagens do H2V: não é tóxico; é o elemento mais abundante no universo; tem grande densidade energética; produção silenciosa (não aumenta poluição sonora) e pode suscitar ganhos econômicos significativos. Isso estimula o desenvolvimento regional e gera novos postos de trabalho e mais renda para o país. Entre as desvantagens que precisam ser aprimoradas em meio ao desenvolvimento tecnológico, estão o alto custo de produção (que vem se reduzindo a cada ano), a grande quantidade de energia investida (energia necessária para separar a molécula da água, a eletrólise) e a necessidade da atenção com relação à segurança, pois o hidrogênio é muito volátil e inflamável (exige requisitos de segurança para evitar fugas e explosões).
Fonte: CNI