Um galpão com 240 metros quadrados, situado na periferia de Bagé, abriga os estudos para a principal alternativa à reconversão econômica de Candiota, distante 65 quilômetros dali. Conduzida por três professores e 10 alunos da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), a pesquisa visa criar condições para a substituição paulatina do carvão mineral como combustível energético. Em paralelo, um grupo empresarial do Espírito Santo busca apoio para instalar em Candiota um polo carboquímico.
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As duas iniciativas têm na gênese a gaseificação do carvão. Desenvolvida originalmente nos Estados Unidos e na China, a tecnologia ainda enfrenta dificuldades econômicas e ambientais nestes países.
Na China, estudos acadêmicos e projetos-piloto apontaram elevadas emissões de CO2, consumo intenso de energia e água, além de relatos de contaminação. Nos Estados Unidos, a primeira gaseificadora construída em escala comercial, em Dakota do Norte, acumulou sucessivos prejuízos em razão da concorrência com fontes mais baratas, como o gás de xisto.
Todavia, a gaseificação é considerada bem menos poluente do que a queima do carvão efetuada em termelétricas como Candiota 3.
À frente do Laboratório de Energia e Carboquímica da Unipampa, a professora Ana Rosa Costa Muniz vem testando o carvão de Candiota desde 2013. Segundo a pesquisadora, a partir da gaseificação é possível se obter gás natural sintético para produção não só de energia elétrica, mas também metanol e ureia.
— Queimar carvão não tem mais a menor condição, nem nós somos a favor. Mas existem novas tecnologias que podem usar o carvão sem queimar. A partir do gás sintético você pode produzir qualquer produto da indústria petroquímica. É um processo chamado de IGCC, ciclo combinado integrado com gaseificação. Mantém-se a estrutura existente e os empregos também, sem deixar de gerar energia e ainda adicionando outros produtos ao portfólio da usina — garante Ana.
O plano de transição esboçado pelos pesquisadores prevê a introdução de gaseificadores em Candiota 3 para geração de dois terços da energia produzida atualmente. O restante continuaria sendo obtido a partir da queima do carvão por pelo menos cinco anos. Na sequência, a gaseificação seria responsável por toda a geração de energia, com o carvão sendo substituído por biomassa, como casca de arroz.
— É uma pesquisa que caminha com um projeto empresarial, para iniciar um polo carboquímico que vai mudar completamente a cara da região. Assim como existe o polo petroquímico de Triunfo, teremos o polo carboquímico de Candiota — sustenta Ana.
Com 600 funcionários e 43 anos de trajetória na produção de insumos para siderúrgicas, o Grupo Vamtec vem tomando a dianteira na tentativa de dar um destino menos poluente ao carvão de Candiota.
O presidente da empresa, José Varella, pretende instalar duas indústrias no município. A partir da gaseificação do carvão, ele quer produzir anualmente 200 mil toneladas de metanol, 500 mil toneladas de ureia e 500 mil de fosfato.
— O projeto está maduro, com início das operações programado para julho de 2027. É um negócio para gerar 3,4 mil empregos diretos e indiretos, R$ 50 milhões anuais em salários — afirma o empresário.
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"Tem que tirar esse estigma que está demonizando o carvão"
Para tanto, Varella precisa de R$ 1,7 bilhão. Ele diz possuir 20% desse capital e busca apoio governamental para captar o restante dos recursos. Há conversas alinhavadas com parceiros empresariais na China, mas Varella pede garantias de que Candiota 3 não será desativada.
A manutenção da usina é fundamental não só porque permite a continuidade da mineração do carvão que será gaseificado, como também seria fonte de energia para o segundo empreendimento que o empresário idealiza para o município — uma fábrica de liga de ferro silício alumínio que iria consumir 100 megawatts.
Ao lado de pesquisadores e políticos gaúchos, Varella tem percorrido gabinetes em Brasília em busca de apoio político à iniciativa.
— Tem que tirar esse estigma que está demonizando o carvão. Nosso projeto é carbono neutro, tem zero emissão de CO2. É preciso tratar dos interesses da comunidade aproveitando os recursos minerais de forma sustentável, com uma transição suave — preconiza o empresário.
Restrições cada vez maiores
Nos últimos anos, cresceu exponencialmente a restrição ao uso do carvão como matriz energética. Embora a guerra da Ucrânia tenha levado alguns países europeus a reativar suas termelétricas, no Brasil o mercado tem investido em fontes sustentáveis, como energia eólica e solar, e praticamente não há crédito para financiar iniciativas envolvendo o minério.
Construídas antes de Candiota 3 e com capacidade de gerar 446 megawatts, Candiota 2 e Candiota 1 foram desativadas em 2017 por descumprimento de regras ambientais. No passado, a emissão de cinzas formava uma camada de um palmo de altura sobre os telhados, partidas de futebol eram interrompidas porque os jogadores não conseguiam respirar e, quando chovia, uma água esbranquiçada corrida pelas valetas.
Mais moderna e dotada de equipamentos que reduzem a emissão de gases de efeito estufa, Candiota 3 também sofre críticas.
— O carvão tem de ser abandonado, é perigoso, ultrapoluente. Não temos mais tempo. A gente viu o que ocorreu ultimamente, dois ciclones extratropicais no Estado. As situações vão se agravar cada vez mais, com o clima sem controle — alerta o biólogo Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da UFRGS e diretor do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais.
Diretor do Sindicato dos Mineiros de Candiota, Hermelindo Ferreira defende a gaseificação do carvão como solução ambiental e econômica. Servidor da Companhia Riograndense de Mineração (CRM) há 21 anos, Ferreira diz que o cadeia produtiva do minério é o único parque industrial de toda Metade Sul.
— Temos aqui carvão para 200 anos, ao preço mais barato do mundo (R$ 105 a tonelada). Se o problema é queimar, ok, vamos gaseificar. O que não pode acontecer é parar tudo e todo mundo ser posto na rua — argumenta.
Embora defendam um período de transição para a cidade se afastar da dependência econômica do carvão, Brack e Nelson Karam, do Dieese, levantam dúvidas sobre a viabilidade comercial e ambiental da gaseificação, salientando que a manutenção da mineração já provoca sérios danos ambientais, comprometendo a qualidade do ar. Com 12 estações de monitoramento espalhadas pelo município, o prefeito Luiz Carlos Folador rebate.
— Em Candiota, se respira um ar rural — afiança.