Principal referência internacional na gaseificação do carvão, a China reduziu as apostas nessa tecnologia desde a inauguração do primeiro de quatro projetos-pilotos para produção de gás natural sintético, em 2013.
Perdas bilionárias, problemas operacionais e denúncias de danos ambientais levaram o país a segurar investimentos e a reduzir estimativas de produção. Esses obstáculos, associados a estudos que apontam alta emissão de CO2 e uso elevado de água e energia para a produção de GNS, levaram o governo chinês a encurtar o plano inicial de produzir 50 bilhões de metros cúbicos de gás por ano até 2020 para 15 bilhões.
Um relatório publicado em janeiro de 2019 pelo serviço internacional de informações econômicas Interfax revela que, dos quatro projetos pioneiros de GNS chineses, três acumulam perdas. Uma unidade do grupo Datang registrou prejuízo de 650 milhões de yuans (cerca de R$ 382 milhões) em 2017, por exemplo, enquanto um complexo do grupo Zhejiang Energy, que chegou a ser cogitado como parceiro da Copelmi no Estado, teve um resultado negativo de 1,3 bilhão de yuans (em torno de R$ 764 milhões) em 2017 e 2018. Entre as razões para o mau desempenho está o baixo valor do gás adquirido pela estatal de petróleo PetroChina. Como a empresa detém os gasodutos disponíveis, acaba regulando o mercado.
– O grupo Datang (controlado pelo governo) gastou mais de 60 bilhões de yuans para construir a sua unidade, mas vendeu pelo valor simbólico de 1 yuan. A maior parte das outras plantas de GNS enfrenta problemas financeiros parecidos – afirma o especialista taiwanês em energia Chi-Jen Yang, atualmente engenheiro-visitante no renomado Massachussets Institute of Technology (MIT), nos EUA, em entrevista concedida por e-mail.
Única superavitária, a companhia Huineng adotou como estratégia liquefazer o gás e transportá-lo por via terrestre a compradores que aceitam pagar preços mais altos.
Apesar das dificuldades, os chineses não desistiram por completo de investir no setor. Uma nova planta de gaseificação começou a ser construída em maio, e outra ganhou licença do Ministério de Ecologia e Ambiente em setembro. Mas o analista do setor energético Colin Shek, baseado em Xangai, diz que as ações "estavam previstas há anos e não devem ser vistas como sinal de que o GNS está em alta na China":
– Outras fontes como o shale gas (mais conhecido no Brasil como gás de xisto) ou coalbed methane (metano extraído de camadas de carvão no solo) receberam mais atenção política e apoio ao longo de 2019 e têm melhores perspectivas de desenvolvimento – afirma Shek.
Dificuldades operacionais também frearam o entusiasmo oriental. O livro Política Energética na China, escrito por Chi-Jen Yang, relata que a primeira planta de GNS erguida no país apresentou problemas logo depois da inauguração, em 2013: "Após um mês de operação, (...) detectaram corrosão severa nos gaseificadores e suspenderam a produção por mais de dois meses para reparos. Ao mesmo tempo, a planta de GNS de Datang também encontrou dificuldades para tratar os efluentes".
Em 2014, um vazamento de sulfato de hidrogênio (gás venenoso e inflamável) matou duas pessoas e, em 2015, uma equipe de reportagem do jornal Washington Post testemunhou que um forte odor de enxofre deixava "pessoas e animais ofegantes" em um raio de quilômetros, conforme a reportagem "Cabo-de-guerra sobre o gás de carvão" publicada em 5 de maio daquele ano. A análise do Interfax concluiu que "o entusiasmo inicial deu lugar a um crescente ceticismo em razão do custo ambiental da produção de GNS e de sua pouca viabilidade econômica".
Por entender que resultados financeiros e impactos ambientais dependem do tipo de tecnologia aplicada, do local do empreendimento e do contexto econômico de cada região, o titular da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Artur Lemos, acredita que problemas em outros países não condenariam uma carboquímica no Rio Grande do Sul às mesmas agruras. Embora o gás natural sintético seja a âncora do empreendimento gaúcho, a unidade seria capaz de produzir outros químicos como fertilizantes ou combustíveis.
– O mercado vai dizer que produtos vale a pena produzir, e o licenciamento ambiental vai apontar os riscos envolvidos e se é possível suportá-los – afirma Lemos.
Procurada por GaúchaZH, a embaixada da China em Brasília não se pronunciou. A Copelmi argumenta que "o avanço da tecnologia garante operações cada vez mais confiáveis". A empresa, que preferiu não se manifestar por meio de entrevista, mas repassou informações sobre seu projeto, sustenta que utilizaria gaseificadores de última geração com auxílio da parceira norte-americana Air Products – que renovou o protocolo de interesse em investir na carboquímica gaúcha no final de 2019. A Copelmi entende que o atual cenário de juros baixos facilita a busca de investidores, e o custo reduzido do carvão, associado à possibilidade de substituir importações de gás e adubos, garantiria a sustentação econômica do investimento em solo gaúcho.