Quando a China decidiu embarcar na construção de usinas de gás natural sintético (GNS), inauguradas a partir de 2013, o governo central anunciou o investimento como forma de gerar "energia limpa" e reduzir as partículas de poluição geradas pela queima direta do carvão mineral. Desde então, estudos acadêmicos e projetos-piloto esfriaram a empolgação inicial ao apontar elevadas emissões de CO2, consumo intenso de energia e água, além de problemas práticos como relatos de contaminação envolvendo complexos de produção de gás ou de insumos químicos.
Em 2015, parte das autoridades orientais já defendia a moderação nas apostas nessa tecnologia. Assessor do governo chinês para a área de Energia e Mudanças Climáticas, Li Junfeng escreveu um artigo em uma publicação especializada no setor energético (China Energy News, ligada ao Partido Comunista) sustentando que seria "irracional" seguir jogando fichas e bilhões de yuans em "tecnologias de carvão para gás".
Uma das razões, segundo o consultor governamental, é que se estimava a emissão de dióxido de carbono das plantas de gaseificação em níveis 270% maiores do que o de fontes tradicionais de gás natural – e reduzir o lançamento de elementos vinculados ao aquecimento global é um dos pilares da política energética do país.
Um estudo acadêmico sobre o impacto da gaseificação, publicado em 2013 pela Universidade Duke, nos Estados Unidos, estimou um lançamento três vezes superior de CO2. Outro, liderado pela Universidade de Princeton, em 2017, indicou que o gás sintético lança menos partículas no ar do que a queima de carvão – que chega a formar nuvens de sujeira e resulta em problemas pulmonares –, mas, mesmo quando o dióxido de carbono é capturado (podendo ser utilizado para gerar outros produtos ou armazenado), a gaseificação ainda resulta em 22% a 40% mais CO2 na atmosfera em comparação com o uso de gás natural. Na produção de energia, o mesmo estudo aponta que o uso de gás sintético libera 60% mais dióxido de carbono no ar do que uma usina de carvão tradicional.
– O GNS gera muito dióxido de carbono. Além disso, os rejeitos químicos do carvão que não constituem o GNS, como dióxido de enxofre, mercúrio, entre outros, ficam para trás e, se não forem cuidadosamente descartados, vão poluir o ar, a terra e a água – alerta Denise Mauzerall, professora de Engenharia Ambiental e Assuntos Internacionais de Princeton e autora principal do artigo Implicações do Desenvolvimento do Gás Natural Sintético na China na Qualidade do Ar, na Saúde e no Clima.
O trabalho, que reuniu oito acadêmicos norte-americanos, europeus e chineses com apoio do Comitê da Fundação Nacional de Ciência Natural da China, aponta que a produção do gás consome até 100% mais energia do que usinas tradicionais de carvão. Estudos também citam um elevado consumo de água para transformar o mineral em gás – a produção de um metro cúbico de GNS exige de seis a 10 litros de água limpa, conforme o artigo Resposta da China à Poluição do Ar Ameaça a Água, publicado pelo World Resources Institute (WRI, organização internacional voltada à sustentabilidade).
– A produção de GNS requer um considerável uso de água. Ela é usada para prover o hidrogênio necessário para converter o carbono do carvão em metano (CH4) (formulação básica do gás) – confirma a professora de Princeton Denise Mauzerall.
Relatórios produzidos pela organização ambientalista Greenpeace na China registram o ressecamento de aquíferos em regiões já naturalmente com pouca umidade. Na região de Ordos, onde fica a planta de produtos químicos à base de carvão de Shenhua, o uso excessivo da água teria reduzido o nível de 2.163 poços artesianos, inviabilizado sistemas de irrigação e secado 62% do principal lago local, o Subeinaoer, conforme levantamento baseado em 11 visitas de campo.
O mesmo relatório aponta que, embora os empreendedores tenham prometido que toda a água contaminada seria reaproveitada, com zero descarte, amostras de líquido coletadas em poças nas proximidades e analisadas por dois laboratórios independentes identificaram contaminantes como o cancerígeno benzopireno 3,3 vezes acima do limite tolerado.
No caso da carboquímica gaúcha, prevista em local com maior oferta de água do que em zonas semiáridas chinesas, uma das maiores preocupações é uma contaminação acidental do solo ou de mananciais, já que o empreendimento se localizaria nas proximidades do Rio Jacuí, que deságua no Guaíba, e de uma área de preservação natural.
– Instalar uma mina e uma unidade de gaseificação perto de um rio representa um risco significativo de poluição pelo carvão da mina e pelos rejeitos da gaseificação – defende Denise Mauzerall em conversa por e-mail com GaúchaZH.
A Copelmi sustenta que a geração de gás natural também emite CO2, que pode aumentar quando há pontos de "fuga" ao longo da cadeia de produção com risco de se equiparar ao GNS ou ultrapassá-lo. Acrescenta que hoje há tecnologia para reduzir emissões de gases, purificar efluentes e evitar contaminações.