Uma das apostas do projeto de polo carboquímico no Rio Grande do Sul, que prevê a instalação da maior mina de carvão do Brasil na Região Metropolitana, a chamada Mina Guaíba, é a venda de insumos para fertilizantes, como a ureia, hoje comprados pelos gaúchos no Exterior. A ideia seria substituir as importações dessa matéria-prima pela produção local, mas há obstáculos a serem superados para a estratégia florescer.
Maior empresa do setor de fertilizantes no RS e no país, com cerca de 25% do mercado nacional, a Yara adianta que não vai investir no complexo ou comprar produtos do polo carboquímico a ser instalado no Estado. Em uma nota encaminhada pela assessoria de comunicação, a companhia resume: "1) A questão carbonífera não impactará nosso negócio no Rio Grande do Sul. 2) Não pretendemos utilizar essa matéria-prima para produção de fertilizantes".
Por trás dessa decisão está uma política adotada pelo governo norueguês – principal acionista da Yara, com 36% das ações em mãos do Ministério do Comércio, Indústria e Pesca, e de um fundo nacional, conforme relatório da companhia de novembro de 2019 – de não investir mais no setor do carvão por considerá-lo poluente. A companhia está aplicando quase R$ 2 bilhões na ampliação de uma unidade própria de produção e mistura de fertilizantes em Rio Grande.
Como cerca de 80% do mercado gaúcho dessa área é composto por apenas quatro empresas, incluindo Piratini, Mosaic e Unifertil, além da Yara, a perda de qualquer uma delas como cliente é significativa, conforme fontes do setor.
As outras três companhias consultadas pela reportagem não descartam abrir negociações para adquirir insumos, mas isso ainda depende de questões como preço e tipo de material produzido.
– Temos interesse em, pelo menos, conversar para entender o projeto e o tipo de produto que será originado, como características físicas, químicas e cor – afirma o gerente comercial da Unifertil, Igor Neves.
Presidente do Sindicato da Indústria de Adubos do Rio Grande do Sul (Siargs), João Mário Darós afirma que houve outros estudos para converter carvão em matéria-prima para fertilizantes no Estado, mas os planos esbarraram em custos de produção pouco competitivos com o mercado internacional:
– Até hoje, nenhum desses outros projetos seguiu adiante por falta de viabilidade econômica. Se o polo carboquímico conseguir viabilizar isso e obtiver as licenças ambientais necessárias, pode sair do papel. Será o primeiro.
Um empresário gaúcho ligado ao setor de fertilizantes, que prefere não ser citado, estima que o consumo de ureia no Estado fica próximo de 600 mil toneladas por ano atualmente, e isso seria um mercado "restrito" para justificar investimentos muito elevados. Quando se tira perto de 40% desse mercado, fatia próxima à participação da Yara, a situação tende a ficar mais desafiadora.
– Uma saída seria exportar parte da produção pelo porto de Rio Grande, mas para isso seria importante ficar próximo ao porto – complementa o empresário.
A empresa norte-americana Air Products – gigante mundial no setor de gases industriais com 16 mil funcionários em 50 países –, parceira da Copelmi no plano da carboquímica, pretendia inicialmente custear toda a linha de produção de fertilizantes no Estado por cerca de US$ 1,6 bilhão.
Porém, conforme pessoas ligadas ao projeto, os norte-americanos não estariam mais interessados em aplicar dinheiro em um mercado volátil, sujeito a variações de preço. Por isso, a Air Products investiria no polo até a etapa da conversão do carvão em gás de síntese (matéria-prima da qual derivam todos os outros produtos como GNS, fertilizantes ou combustíveis), mas não na transformação do gás em adubo.
Com isso, seria necessário buscar outro parceiro que estaria disposto a custear os cerca de US$ 500 milhões para complementar a planta industrial e converter o gás de síntese em insumo para fertilizantes.
A Copelmi informa que está em estágio inicial de uma procura por possíveis parceiros para suprir esse espaço deixado pela mudança de planos da Air Products. Entre as estratégias para driblar a impossibilidade de negociar com a maior empresa do setor, a Yara, está a aproximação com outra gigante, a Mosaic. Por meio da assessoria de comunicação, o setor de insumos da Mosaic informou que "não tem conhecimento sobre negociação" com os gaúchos até o momento.