A instalação de uma indústria química à base de carvão é vista por empreendedores e pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) como uma forma de aumentar a geração de riqueza no Rio Grande do Sul, mas sempre há uma conta ambiental a ser paga em razão do porte do empreendimento. A questão é qual o impacto aceitável sobre a natureza para usufruir dos possíveis ganhos econômicos.
Se os benefícios financeiros são significativos, com incremento estimado de até 4,4% no PIB gaúcho ao longo de duas décadas, experiências internacionais demonstram que os riscos à natureza também são grandes.
Empreendimentos semelhantes localizados nos Estados Unidos e na China indicam que, se algo não for bem planejado ou executado, pode haver contaminação do solo, da água e do ar. No caso gaúcho, uma falha poderia resultar em um dano considerável pela localização do complexo ao lado de uma área de preservação e do Rio Jacuí.
Uma das maiores preocupações em relação ao projeto da carboquímica gaúcha é evitar a contaminação do solo ou da água por elementos de alta acidez provenientes do carvão – capaz de mesclar cerca de 170 tipos de minerais em diferentes combinações conforme a região do planeta onde ele se forma.
O geólogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rualdo Menegat, autor do Atlas Ambiental de Porto Alegre, afirma que entre os componentes do carvão está a pirita, ou sulfeto de ferro. Essa substância pode resultar em uma mistura ácida em contato com oxigênio e água.
O Estudo de Impacto Ambiental apresentado pela Copelmi afirma que os rejeitos da mina de carvão seriam enterrados sobre uma camada impermeabilizante formada por uma linha de rocha chamada siltito, o que evitaria a poluição do solo ou do lençol freático. Porém, o geólogo da UFRGS acredita que essa não é uma garantia de segurança.
– Uma camada de siltito não é completamente uniforme. Normalmente há falhas, pequenas brechas, não é algo maciço. Com o tempo, poderia haver contaminação – acredita.
No ofício 02696/2019, a Fepam pediu informações complementares à Copelmi sobre o risco de formação da chamada Drenagem Ácida de Mina (resultante dos rejeitos do carvão) e de contaminação do solo e da água, entre outros itens. O prazo de 120 dias para resposta venceu em dezembro e foi renovado por igual período para permitir a realização de mais análises.
A Copelmi argumenta que o estudo ambiental foi baseado em análises aprofundadas da região e que o processo de obtenção de licença, em andamento, pode indicar a necessidade de adoção de medidas complementares para garantir total segurança.
A carboquímica implantada nos anos 1980 na Dakota do Norte, nos Estados Unidos, é um exemplo de que é possível reduzir o impacto ambiental com investimento em tecnologia – mas isso levou décadas e sucessivos ajustes no parque industrial. Emissões de dióxido de enxofre na atmosfera foram reduzidas com a instalação de equipamentos a um custo de US$ 100 milhões em 2002, após o Departamento de Saúde impor uma multa de US$ 1,3 milhão à companhia.
A liberação de odores desagradáveis levou mais tempo para ser sanada: conforme o Relatório de Desempenho de Cuidado Responsável de 2013 da Dakota Gasification Company, o número de reclamações de moradores das redondezas contra o mau cheiro caiu de 16, em 2012, para três no ano seguinte também graças a novos investimentos.
– Nós teríamos como ponto de partida uma tecnologia já muito mais desenvolvida e menos sujeita a problemas (do que a de Dakota) – acredita o secretário de Meio Ambiente e Infraestrutura, Artur Lemos.
Mas no entorno da unidade de gaseificação de Datang Keqi, na China, mesmo erguida quase três décadas depois da similar norte-americana e com equipamentos mais atualizados, foi registrada a presença de metais pesados no solo por um relatório do Greenpeace, que também anotou impactos na qualidade do ar com base em medições oficiais. O texto diz: "Dados mostram que, de 203 dias monitorados, os níveis diários de óxido de nitrogênio excederam os níveis permitidos em 196 (...), com percentual até 303% superior ao permitido". Também foi relatado lançamento de dióxido de enxofre (prejudicial à saúde humana e ao ambiente) no ar acima das normas.
Conforme o líder do Projeto Global de Água, Clima e Energia do Greenpeace, Gan Yiwei, baseado em Beijing, a lista de percalços gerou um saldo ambiental negativo:
– A indústria de gaseificação deixou um rastro de poluição, águas contaminadas, aquíferos ressecados e muito dióxido de carbono na China. Com base em experiências anteriores, ninguém familiarizado com o setor pode dizer honestamente que é ambientalmente seguro.